Defensor do meio ambiente, rei Charles III contraria convicções em discurso

Mantendo a tradição, o monarca expôs as prioridades do primeiro-ministro na abertura do Parlamento — incluindo, neste ano, mais extração de combustíveis fósseis

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Por Stephen Castle

THE NEW YORK TIMES — O rei Charles III abriu a sessão do Parlamento do Reino Unido nesta terça-feira pela primeira vez como monarca, expondo as prioridades legislativas do governo britânico como parte de uma cerimônia infundida na tradição que colocou em teste sua capacidade de demonstrar neutralidade política, atributo pelo qual sua mãe, a rainha Elizabeth II, era famosa.

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Redigido pelo primeiro-ministro Rishi Sunak, mas pronunciado pelo rei Charles, o discurso central é uma aberração constitucional — e teve um tempero especial este ano, já que o novo soberano leu uma lista de projetos do governo que incluem algumas políticas que tendem a um desacordo acentuado com suas visões pessoais. Entre elas, o plano de Sunak de explorar mais reservas britânicas de petróleo e gás natural no Mar do Norte. Apesar de o governo conservador argumentar que ainda atenderá suas metas de emissão zero de dióxido de carbono até 2050 no país, a decisão de licenciar mais extrações de combustíveis fósseis enfureceu ativistas que combatem as mudanças climáticas — uma causa que o rei acalenta há décadas.

O rei Charles pronunciou seu primeiro discurso relevante a respeito do meio ambiente em 1970, aos 21 anos, e recentemente tem se mostrado um defensor cada vez mais ativo da ação climática. Em um discurso proferido na França, em setembro, ele instou o mundo a “lutar junto para proteger o planeta do nosso desafio mais existencial: o aquecimento global, a mudança climática e a catastrófica destruição da natureza”.

Rei Charles III discursa na abertura do Parlamento do Reino Unido. Foto: AP / Kirsty Wigglesworth

Ainda assim, com a pesada e encrustada de joias Coroa Imperial do Estado na cabeça e sentado em um trono, na terça-feira o rei Charles mostrou a face fria e inexpressiva que se espera de um monarca enquanto pronunciou o “Discurso do Rei”, uma ocasião famosa menos pela política que pelo protocolo, de elaborada afetação real e intrincada coreografia.

Conforme o rei Charles anunciava que uma das políticas do governo “apoiará o futuro licenciamento de novos campos de petróleo e gás natural”, quase nenhuma desaprovação real transpareceu em sua expressão.

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O discurso do soberano na abertura do Parlamento “é uma aberração que mantivemos porque o cerimonial é parte da monarquia — mas o discurso é somente do governo definindo suas próprias políticas. É aí que a estranheza se origina”, afirmou Catherine Haddon, diretora de programas do Institute for Government, um centro de pesquisa independente.

O comprometimento da monarquia com a neutralidade política consolidou-se durante o reinado de Elizabeth, e “tudo o que temos visto sugere que Charles busca mostrar continuidade”, afirmou Haddon.

Apesar de ter sido o primeiro discurso na abertura do Parlamento pronunciado por um rei em sete décadas, a pompa e a ostentação seguiram a rotina praticada. A bordo de uma carruagem puxada por cavalos e acompanhado de sua mulher e rainha, Camilla, o rei chegou ao Parlamento sob o som de trombetas e seguiu a mesma rota dentro do edifício até o recinto da Câmara dos Lordes tomada pela rainha Victoria em meados do século 19.

Rei Charles III e rainha Camila passam de carruagem por manifestantes com cartazes de "não é meu rei".  Foto: HENRY NICHOLLS / AFP

O rei Charles rendeu uma breve homenagem à sua mãe quando iniciou o discurso de dez minutos.

O governo já tinha confirmado que seus planos legislativos incluíam oferecer licitações para licenças de exploração de petróleo e gás natural anualmente, em vez do sistema atual, em que as ofertas são feitas periodicamente.

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Os conservadores, mal colocados em pesquisas de opinião, querem estabelecer uma linha política distinta do Partido Trabalhista, que, segundo afirma, honraria as licenças de exploração no Mar do Norte mas não concederia novas licenças se conquistasse o poder.

Na segunda-feira, Downing Street afirmou não ver nenhuma contradição entre sua proposta e os objetivos ambientais defendidos pelo rei. Usar recursos britânicos de energia permitiria que as metas de emissão zero fossem alcançadas de uma “maneira pragmática, que não prejudica famílias que trabalham duro”, afirmou o porta-voz oficial de Sunak.

Tratou-se provavelmente do último Discurso do Rei antes da próxima eleição geral, que deve ocorrer até janeiro de 2025, e analistas acreditam que as políticas definidas pelo governo destinaram-se a cimentar o apoio de seus eleitores de direita.

A reformulação de Sunak a respeito da política climática seguiu-se ao sucesso de seu partido em uma eleição especial para um assento no Parlamento por Londres após a assembleia fazer campanha contra uma medida que cobra mais impostos de pessoas que dirigem carros mais velhos e poluidores.

A vitória inesperada fez Sunak abrandar várias medidas ambientais em setembro, quando ele disse que adiaria por cinco anos um banimento às vendas de carros a gasolina e diesel e também baixariam metas de substituição de boilers a gás.

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Nesta terça-feira, o governo anunciou legislações contra criminalidade destinadas a garantir que perpetradores de delitos mais graves fiquem mais tempo na prisão e sejam forçados a ficar frente a frente às suas vítimas durante o julgamento. O governo também revelou um projeto para implementar um banimento gradual sobre o tabagismo, prometido por Sunak em um discurso anterior. A proposta pretende tornar ilegal a venda de cigarros para pessoas nascidas após janeiro de 2009.

Apesar do Partido Trabalhista aprovar algumas das medidas anunciadas nesta terça-feira, seu coordenador de campanha, Pat McFadden, disse à BBC que a lista geral de prioridades mostrou que o governo “ficou sem pique”.

Alguns britânicos ainda estão se acostumando à ideia de um rei pronunciar um discurso que, ao longo das sete décadas do reinado anterior, foi lido em 67 ocasiões pela rainha Elizabeth. O rei Charles foi designado por sua mãe para pronunciar o discurso em maio de 2022 por não poder comparecer ao evento em razão de sua má condição de saúde, lendo o que era conhecido na ocasião como Discurso da Rainha.

Elizabeth passou a vida guardando neutralidade política, revelando raramente suas impressões pessoais a respeito de qualquer tema controvertido.

Mas nem Elizabeth conseguia evitar especulação a respeito de suas visões. Quando ela leu o Discurso na Rainha em 2017 sem usar a coroa, houve questionamentos a respeito da cor de seu chapéu — azul, com flores amarelas bordadas, que alguns compararam à bandeira da União Europeia — ter sido um posicionamento a respeito do Brexit.

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Rei Charles III e rainha Camila depois do discurso de abertura do Parlamento do Reino Unido. Foto: AP / Toby Melville

Na semana passada, o Palácio de Buckingham afirmou que o rei Charles pronunciaria o discurso de abertura da cúpula climática COP 28, que se inicia neste mês em Dubai. Mas Haddon afirmou que o fato de suas posições a respeito das mudanças climáticas serem tão bem conhecidas poderia tornar o rei mais cuidadoso em aparentar neutralidade.

Estabelecida no fim do século 14, a abertura do Estado marca o início do ano parlamentar. A cerimônia moderna remonta a 1852, quando o Parlamento foi reconstruído após um incêndio.

No começo de seu reinado, a rainha Victoria comparecia à abertura do Estado regularmente, mas essa assiduidade desvaneceu no fim de seu período no trono, quando ela com frequência rejeitou pedidos de primeiros-ministros de aparecer em pessoa.

Suas relações com os políticos da época nem sempre eram harmoniosas, principalmente com o ex-primeiro-ministro William Gladstone, que, queixou-se a rainha, “fala comigo como se eu fosse uma reunião popular” (em contraste, Benjamin D’Israeli, um rival que também foi primeiro-ministro, elogiava e adulava a rainha).

Seu sucessor, o rei Edward VII, ressuscitou a abertura do Estado enquanto ocasião cerimonial, incluindo a procissão na carruagem de Estado pelas ruas de Londres. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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