PARIS — O partido etnonacionalista no topo ou perto do topo das pesquisas antes das eleições estaduais alemãs que começam no domingo, 1º, está assustando a Europa. E não é de se admirar: veja alguns de seus representantes.
Veja Siegbert Droese, líder do partido Alternativa para a Alemanha na cidade oriental de Leipzig. Alguns anos atrás, ele posou com a mão no coração para uma foto na Toca do Lobo, o quartel-general da frente oriental de Adolf Hitler durante a 2.ª Guerra Mundial. Seu olhar sério estava direcionado diretamente para a câmera.
Alguns anos depois, ele fez campanha em uma Mercedes com a placa “AH 18 18″ — o número 18 sendo o “código alfanumérico dos supremacistas brancos para identificar Adolf Hitler (1=A e 8=H)”, de acordo com a Liga Antidifamação.
Uma figura marginal e irrelevante? Quem dera. O partido de Droese, conhecido como AfD, é mais popular do que qualquer um dos três partidos que fazem parte do governo do chanceler Olaf Scholz.
Leia também
Conforme o sucesso da AfD decolou, os partidos tradicionais do governo alemão — blocos moderados e conhecidos de centro-esquerda e centro-direita — lutaram para contê-la.
A questão em si é desorientadora. No ano passado, a AfD foi alvo de revelações embaraçosas, processos judiciais e escândalos, incluindo investigações de espionagem ligadas a supostos pagamentos a figuras importantes do partido por parte da Rússia e da China. Nada parece diminuir seu apelo ou mudar sua pauta anti-imigração, anti-Europa, pró-Rússia e anti-americana.
O serviço de segurança da Alemanha designou a filial do partido na Turíngia, um dos estados que votaram no domingo, como uma organização extremista. O líder local do partido, Bjorn Hocke, foi condenado duas vezes por usar um slogan nazista proibido, “Tudo pela Alemanha”. No início deste ano, foi relatado que autoridades do partido e neonazistas conspiraram para deportar milhões de imigrantes e cidadãos alemães de origem estrangeira. Nesta primavera, o principal candidato da AfD para o Parlamento Europeu disse que cada membro individual da SS — a ponta de lança de Hitler na execução do Holocausto — não era “automaticamente um criminoso”.
Frequentemente, o modus operandi da AfD é a relativização. Claro, os nazistas eram ruins, mas e os aliados que bombardearam Dresden? Claro, o Holocausto foi terrível, mas e Hiroshima e Nagasaki?
“É como uma obsessão deles, uma síndrome de Tourette política”, escreveu a jornalista alemã Mariam Lau no Guardian. “O passado nazista precisaria ser reabilitado, a qualquer custo.”
Eu tive um gostinho do pensamento distorcido do partido na figura de Droese, o líder local da AfD que entrevistei na semana passada na imponente prefeitura de Leipzig. Ele tem 55 anos, é um ex-gerente de hotel com olhos cinzentos e um jeito insensível. Ele serviu um mandato no parlamento alemão, até 2021, e ganhou um assento no Parlamento Europeu no início deste ano. Lá, ele faz parte de uma comissão que supervisiona o turismo. Sim, é verdade.
“Meu partido é um fato”, disse ele. “Temos uma ideia, temos um programa, temos um plano para o futuro e para os problemas diários das pessoas, especialmente o crime e a imigração.”
Droese tinha explicações úteis para a placa “AH” (o carro foi emprestado de um proprietário com essas iniciais) e sua foto na Toca do Lobo (ele estava homenageando não Hitler, mas a tentativa de assassiná-lo que ocorreu lá em 1944). Ele não tinha mencionado essa última informação em entrevistas anteriores.
No dia seguinte à nossa conversa, um migrante sírio armado com uma faca e suspeito de vínculos com o Estado Islâmico matou três pessoas e feriu outras oito em uma cidade do oeste da Alemanha. Representantes da AfD aproveitaram a notícia para reforçar sua mensagem de que os imigrantes e o multiculturalismo em geral representam uma ameaça à segurança e à identidade alemãs.
A AfD agora está em segundo lugar nacionalmente entre os partidos da Alemanha, atrás apenas da União Democrata Cristã, de centro-direita, que Angela Merkel já liderou. É ainda mais popular nos três Estados do leste que votaram em setembro: Saxônia, onde Leipzig é a maior cidade; Turíngia; e Brandemburgo.
Até agora, nenhum partido tradicional cogitou compartilhar com a AfD o poder em qualquer governo estadual. Não se sabe quanto tempo essa linha vermelha vai durar se o partido apertar seu controle no leste.
A popularidade do partido ali tem raízes no trauma residual dos estados do leste com a reunificação alemã há quase 34 anos: a saída de ambiciosos orientais, especialmente mulheres jovens, que se dirigiram para o que havia sido a Alemanha Ocidental em busca de melhores perspectivas. Perdas de empregos em empresas que foram fechadas ou reformadas. Novos chefes da Alemanha Ocidental, desdenhosos de empresas que viam como obsoletas e mal administradas. Disparidades salariais que perduram, reforçando a sensação de que os orientais continuam sendo cidadãos de segunda classe.
A humilhação e o ressentimento são terreno fértil para o extremismo anti-establishment. Assim como a economia da Alemanha, a que se expande mais lentamente entre os países industriais avançados.
Mesmo entre outros populistas de extrema direita em ascensão por toda a Europa, a AfD foi rejeitada, tóxica demais para ser incluída por Marine Le Pen da França, Viktor Orbán da Hungria e outros blocos anti-imigrantes em sua aliança no Parlamento Europeu.
Isso pode ser o mais assustador: na Alemanha, o status de pária da AfD parece estar funcionando. E ninguém pode dizer quando, ou como, ele chegará ao auge./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.