SÃO PAULO - Se a imagem que vem na cabeça ao pensar em voto no exterior são as filas em frente a embaixadas e consulados, esqueça. Isso não se aplica às eleições nos Estados Unidos. O processo é mais complicado, a participação costuma ser baixa e virou foco da mobilização internacional do Partido Democrata no que promete ser uma disputa acirrada entre Kamala Harris e Donald Trump.
Greg Mitchell Mello, 67, é eleitor da Pensilvânia, Colégio Eleitoral decisivo, mas vive no Brasil há cinco anos. Na última eleição, foi de Donald Trump. Dessa vez, respondeu convicto ao ser questionado em quem depositou seu voto. “Com certeza, em Kamala Harris. 100%.”
Para isso, solicitou a cédula, que depois enviou por correio, conforme exige a Pensilvânia. As regras e os prazos para o voto de cidadãos americanos em outros países variam de Estado para Estado.
“Eu gostaria de poder dizer que foi mais fácil”, relata. “As regras são completamente diferentes entre os Estados. Alguns, facilitam o voto. Outros, como a Pensilvânia, tornam (o processo) muito difícil. Eu precisei enviar meu voto fisicamente, pelos correios, e tem muitos detalhes de como deve ser entregue, mas eu consegui”.
Mello foi motivado pela rejeição a Donald Trump. “O mais importante é preservar a democracia e a Constituição dos Estados Unidos”, diz, lembrando a declaração do republicano de que seria “ditador” no primeiro dia de volta à Casa Branca e as dezenas de acusações que acumula na Justiça.
“Estou esperançoso de que muito mais pessoas votem do exterior, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. É muito importante”, declara, acrescentando que a mobilização assustou os republicanos.
Antes mais restrito aos militares, o voto no exterior virou motivo de preocupação para o partido de Donald Trump, que passou a questionar a sua legitimidade, com ações protocoladas em Estados decisivos. No caso da Pensilvânia, o processo ainda está em curso. Na Carolina do Norte e no Michigan, os republicanos sofreram reveses na Justiça.
A aposta dos democratas no voto no exterior
O Democrats Abroad (DA), braço oficial do partido para os americanos que vivem em outros países, tem investido na mobilização internacional como parte do esforço para ampliar a vantagem de Kamala. As pesquisas apontam cenário de empate técnico, tanto no voto popular, quanto nos Estados decisivos.
Jessica Espadas, presidente do comitê no Brasil, conta que decidiu se voluntariar depois de ter problemas na última eleição.
Ela relata que fez o pedido para votar de São Paulo, mas não enviou a cédula, pois conseguiu viajar de última hora para o seu Colégio Eleitoral em Atlanta, na Georgia. “Quando cheguei na seção me perguntaram se eu estava votando duas vezes e eu não estava, mas o tom me fez sentir intimidada.”
O problema foi resolvido após cerca de 40 minutos, mas o incômodo ficou. “Me senti sortuda de conhecer os meus direitos e poder me defender mas muitos latinos como eu talvez não tenham o conhecimento necessário. Então, de volta ao Brasil, decidi me voluntariar no Democrats Abroad.”
Mais sobre as eleições nos EUA
O comitê está focado em engajar a comunidade americana no País, disseminar informações sobre quem tem o direito de votar e auxiliar eleitores com as especificidades de cada Estado.
Embora o trabalho seja voluntário, o escritório recebe doações individuais e recursos do partido para suas atividades. O DA não divulga números absolutos, mas afirma que o financiamento para o Brasil aumentou em 35% e que o número de eleitores no País registra alta de 30%, se comparado com a última eleição.
“Trump está de volta às urnas e há muito em jogo. Pessoas que não votaram em eleições anteriores por ser tão complicado querem votar desta vez e estão levando isso muito a sério”, afirma a presidente do DA Brasil. “Recebemos perguntas de eleitores que querem ter certeza que os seus votos serão válidos, que estão percebendo o impacto que podem causar.”
Os americanos em outros países votam no Estado do seu último endereço nos EUA. Jessica, por exemplo, nasceu na Flórida, mas morava na Georgia antes de se mudar para o Brasil. Por isso vota em Atlanta.
A maior parte dos eleitores que o comitê Democrats Abroad mapeou no Brasil vota em Nova York ou na Califórnia, Estados tradicionalmente azuis (a cor do partido). Mas o foco da mobilização está nos swing states, aqueles que pendem, ora para os democratas, ora para os republicanos, e que vão decidir de fato o próximo presidente dos Estados Unidos.
“Temos grupos com eleitores registrados e mandamos mensagem individualmente para esses eleitores (dos Estados decisivos), com toda informação que eles precisam saber para votar, como preencher os formulários e como o Democrats Abroad pode ajudar”, detalha.
Como apenas o consulado tem acesso às informações sobre os americanos no Brasil, a estratégia é combinada com anúncios pagos e a realização de eventos, com o intuito de atrair aqueles que não estão nos registros do comitê.
O levantamento mais recente do Programa Federal de Assistência ao Voto dos EUA estimou que 4,4 milhões de americanos viviam em outros países em 2022, o que representava aumento de 42% ao longo da última década. Desse total, cerca de 3 milhões eram potenciais eleitores, mas só 8% depositaram seus votos na última eleição presidencial.
Os números são baixos, mas os democratas acreditam que a mobilização pode fazer diferença numa eleição que promete ser tão acirrada.
A presidente do comitê no Brasil lembra que Joe Biden ganhou na Georgia e no Arizona por margens mínimas de 11 mil e 10 mil votos, respectivamente. E acredita que essas vitórias podem ser atribuídas aos votos do exterior. “No que diz respeito às margens, esse voto tem um impacto enorme se as pessoas realmente participarem.”
Ela destaca que as margens tem um peso ainda maior, considerando que Donald Trump acusou fraude sem provas e nunca reconheceu a derrota. “É preciso que seja uma vitória retumbante. É isso que dizemos para os eleitores da Califórnia que podem se sentir menos motivados por ser um Estado azul. É preciso dizer a Trump que ele não tem nenhuma chance, que ele acabou.”
Trump acena a eleitores no exterior com proposta tributária
Os democratas, contudo, não são os únicos com estratégias para atrair esse eleitorado. Ao mesmo tempo em que o Partido Republicano questiona a legitimidade do voto no exterior, Donald Trump acena com a promessa de acabar com a dupla tributação.
“Caros americanos que vivem no exterior, seu voto é mais importante do que nunca”, disse o republicano ao anunciar a proposta. “Não importa onde você esteja, sua voz pode fazer a diferença.”
Atualmente, os americanos são obrigados a declarar seus rendimentos para a receita dos Estados Unidos, independentemente de onde vivem. Por isso, podem ser tributados dos vezes — nos EUA e no país de residência. Há isenção, contudo, para renda de até US$ 126 mil.
Donald Trump não explicou como o fim da dupla tributação funcionaria na prática. Mesmo assim, a promessa de campanha foi celebrada pelo Republicans Overseas, que atua na mobilização dos expatriados.
“Acabar com a dupla tributação dos americanos no exterior, uma medida que mudará a vida de milhões de pessoas. É uma prova do compromisso do Presidente Trump com a liberdade econômica”, comemorou o vice-presidente Jim Gosart em declaração à imprensa. "
A reportagem do Estadão entrou em contato com o Republican Overseas por e-mail, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.
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