WASHINGTON - Indo contra as principais pesquisas e as expectativas de analistas, o Partido Democrata conseguiu conter a “onda republicana” que era esperada nessas eleições de meio de mandato nos Estados Unidos. O enorme investimento de campanha do Partido Republicano em explorar a raiva do eleitorado contra a inflação e a criminalidade, em somatória à impopularidade de Joe Biden, se chocaram com a reação democrata em tratar das novas restrições ao aborto e preocupações com o extremismo.
Projeções indicam que o partido do presidente conseguirá manter a sua maioria mínima no Senado, enquanto a disputa pelo Congresso segue em aberto, em uma batalha que ainda pode levar dias para ser definida. No Senado é possível que o resultado só seja conhecido no mês que vem, já que a Geórgia terá um segundo turno - único Estado a fazê-lo - em 6 de dezembro.
Os republicanos precisam ganhar apenas cinco cadeiras para reconquistar a maioria na Câmara - que é de 218 assentos - e parecem caminhar para isso, mas em uma disputa muito mais competitiva do que prevista pela campanha. O resultado foi uma força democrata que pode desafiar os planos republicanos em travar os próximos dois anos de governos Joe Biden e enfraquecer possíveis investigações contra ele e sua família.
A polarização de candidatos complicou o foco do Partido Republicano em tornar essas eleições de meio de mandato em um referendo sobre o partido no poder. Ao contrário das eleições anteriores, que trouxeram grandes oscilações no poder político a Washington, as eleições deste ano podem estar caminhando para uma mudança modesta.
As disputas na Câmara e no Senado determinarão o futuro da agenda de Biden e servirão como um referendo sobre seu governo, enquanto o país sofre com a inflação recorde e as preocupações com a direção do país. O controle republicano da Câmara provavelmente desencadearia uma série de investigações sobre Biden e suas políticas sanitárias durante a pandemia, além de investigar os negócios de seu filho Hunter Biden. Mas uma maioria relativamente pequena na Câmara poderia limitar as ambições do Partido Republicano.
Por outro lado, uma aquisição do Senado pelo Partido Republicano prejudicaria a capacidade do presidente de fazer nomeações judiciais e exerceria mais influência em possíveis confrontos sobre gastos.
Ao todo, os republicanos gastaram US$ 359 milhões (R$ 1,8 bilhão) em publicidade destinada a enquadrar a disputa como um referendo sobre as políticas democratas sobre criminalidade e inflação, enquanto os democratas responderam com US$ 422 milhões (R$ 2,1 bilhão) em anúncios amplamente focados nos esforços republicanos para proibir o acesso ao aborto e, mais amplamente, no que eles classificam como extremismo do Partido Republicano, de acordo com a AdImpact, que rastreia anúncios políticos de televisão e digitais.
A surpresa do Senado
As expectativas democratas de manter o Senado se acentuaram com a vitória de John Fetterman contra Mehmet Oz na Pensilvânia, que deu ao partido um assento até então republicano.
Até o momento, democratas mantiveram seus assentos em New Hampshire e Colorado, enquanto republicanos garantiram seu lugar em Ohio e Carolina do Norte. Em uma importante vitória republicana, Ron Johnson, de Wisconsin, venceu a reeleição, aumentando as apostas de disputas em Nevada, Geórgia e Arizona que ainda estavam muito apertadas pare serem definidas, mas podem determinar a maioria.
Segundo as projeções da Associated Press, a agência responsável por fazer as principais medições e projetar vitórias com base nos resultados parciais das apurações nos Estados, os democratas tinham 48 assentos e os republicanos também 48 no Senado. São necessários 51 senadores para controlar a casa. No Senado, apenas 1/3 é renovado; democratas já tinham 36 senadores e republicanos, 29.
Segundo a imprensa americana, a disputa pelo Senado na Geórgia terá um segundo turno em dezembro, já que nenhum dos candidatos obteve a maioria simples de 50% de votos exigida por lei para vencer. O titular democrata, o pastor Raphael Warnock, e seu desafiante republicano, Herschel Walker, ex-astro do futebol americano apoiado por Trump e envolvido em polêmicas sobre aborto, voltarão a se enfrentar em 6 de dezembro. O Estado foi determinante para a maioria democrata em 2020.
A batalha pela Câmara
Estrategistas de ambos os partidos disseram esperar que os republicanos recuperem a Câmara quando a contagem terminar, mas as expectativas de um imensa vitória do Partido Republicano praticamente evaporaram. Nas projeções da AP da tarde desta quarta-feira, 9, os democratas estavam com 176 cadeiras e os republicanos com 204. São necessários 218 deputados, e todos os 435 assentos na Câmara dos Deputados estão em disputa.
O líder da minoria na Câmara, Kevin McCarthy, republicano da Califórnia, fez um breve discurso nas primeiras horas da madrugada, em vez de uma grande festa de vitória. Ele projetou confiança e disse a apoiadores e repórteres que “quando vocês acordarem amanhã”, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, “estará em minoria”.
Pelosi tinha uma mensagem diferente. “Embora muitas disputas permaneçam muito próximas, está claro que os membros e candidatos democratas da Câmara estão superando fortemente as expectativas em todo o país”, disse ela em comunicado.
Os democratas mantiveram assentos em distritos da Virgínia ao Kansas e Rhode Island, enquanto muitos distritos em estados como Nova York e Califórnia não foram declarados ainda. Os democratas também conquistaram assentos na Carolina do Norte e no sul do Texas e impediram mudanças em várias disputas que preocupavam o partido.
Já o Partido Republicano conquistou vitórias importantes na Flórida, onde se beneficiou de aposentadorias e redistritamento. Também conquistaram um distrito que virou campo de batalha na Virgínia. Mas em outros lugares da Virgínia, os democratas mantiveram uma cadeira muito disputada ocupada pela deputada Abigail Spanberger, e a deputada Jennifer Wexton prevaleceu em um distrito onde os republicanos esperavam marchar profundamente em território azul (cor democrata).
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“Enquanto estamos sentados aqui, não posso, com 100% de certeza, dizer quem detém a maioria na Câmara”, disse o deputado de Nova York Sean Patrick Maloney, chefe do comitê de campanha da Câmara dos democratas, depois de conceder sua própria disputa antes mesmo de ser declarado derrotado pelas projeções da Associated Press. A derrota de Maloney marca a primeira vez desde 1980 que o chefe do braço de campanha da Câmara do Partido Democrata é derrotado.
Vitória para DeSantis
Também houve disputa para governador em 36 Estados, com republicanos tendo vitórias importantes - e indicando más notícias ao ex-presidente Donald Trump.
Os governadores republicanos em exercício tiveram sucesso, com o governador da Geórgia, Brian Kemp, vencendo a reeleição, derrotando Stacey Abrams em uma revanche de sua disputa de 2018. O governador da Flórida, Ron DeSantis, e o governador do Texas, Greg Abbott, dois futuros possíveis candidatos republicanos à presidência, derrotaram os adversários democratas para vencer nos dois maiores estados vermelhos do país.
DeSantis foi apontado como o grande vencedor desta eleição por ter tido sucesso em redutos que antes o rejeitaram e abrindo caminho para as disputas nacionais de 2024. O governador promete ser um importante rival de Trump nas primárias republicanas para a presidência.
Porém, o Partido Republicano enfrentou ventos contrários inesperados ao perder o conservador Kansas, que reelegeu Laura Kelly, a única governadora democrata que concorreu à reeleição em um estado vencido por Donald Trump em 2020. Ao mesmo tempo os democratas estavam nervosos com suas perspectivas na corrida no Oregon, tipicamente um bastião liberal.
Os republicanos perderam o controle de Massachusetts e Maryland. Neste último, o ex-chefe de uma organização sem fins lucrativos Wes Moore, um democrata, derrotou o republicano Dan Cox, endossado por Trump, para se tornar a primeira pessoa negra a ser eleita governadora do estado. Já Massachusetts elegeu a primeira governadora lésbica na história dos EUA./AP, AFP, NYT e W.POST
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