Por que a Alemanha não consegue abandonar a dependência energética da Rússia?; leia a análise

Gás, petróleo e carvão russos estão inseridos na economia de Berlim e são parte do estilo de vida do país

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Por Melissa Eddy*
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - No ano passado, a Rússia forneceu mais da metade do gás natural e cerca de um terço de todo o petróleo que a Alemanha consumiu para manter residências aquecidas, alimentar fábricas e abastecer carros, ônibus e caminhões. Cerca de metade das importações de carvão da Alemanha, essenciais para a indústria siderúrgica do país, também veio da Rússia.

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O gás, o petróleo e o carvão russos estão inseridos na economia da Alemanha e são parte do estilo de vida do país. Essas raízes são profundas. O primeiro gasoduto conectando o território que conformava a Alemanha Ocidental com a Sibéria foi construído no início dos anos 80. O legado da Guerra Fria ainda pode ser visto na estrutura de fornecimento de energia do leste da Alemanha, que permanece ligada diretamente à Rússia, o que dificulta obter petróleo de outros exportadores naquela parte do país.

Atualmente, esse envolvimento assombra os líderes europeus, enquanto eles debatem se a exportação de energia da Rússia deveria ou não ser incluída em mais sanções contra o país, em meio a crescentes evidências de atrocidades cometidas por soldados russos contra civis ucranianos. Autoridades da Alemanha, a maior economia da Europa, enfrentam um dilema entre o ultraje a respeito da agressão russa e a contínua necessidade alemã das commodities essenciais fornecidas pelos russos.

'Sem dinheiro para assassinos, parem o comércio de óleo de gás', palavras projetadas no consulado russo em Frankfurt, na Alemanha  Foto: AP Photo/Michael Probst

“Foi um erro a Alemanha se tornar tão profundamente dependente das importações de energia da Rússia”, afirmou nesta terça-feira o ministro das Finanças alemão, Christian Lindner, a caminho de uma reunião com seus homólogos da União Europeia em Luxemburgo.

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Dificuldades em sancionar o gás russo

Mas à medida que as evidências das atrocidades aumentaram, Lindner indicou que a Alemanha estaria disposta a dar apoio a sanções sobre o carvão russo — uma mudança em relação à posição expressada por Berlim ao longo das últimas semanas, insistindo que sancionar o setor da energia prejudicaria mais a Alemanha do que a Rússia.

De diretores das principais empresas químicas e siderúrgicas a fabricantes de balas de gelatina, líderes empresariais alertaram que, sem um fornecimento constante de gás, petróleo e carvão, sua produção será paralisada. Gás natural aquece lares e gera eletricidade.

Quase metade das residências alemãs são aquecidas com gás natural, que costumava gerar eletricidade até para a indústria pesada. Os poderosos sindicatos alemães dos setores químico, mineiro e farmacêutico alertaram que reduções grandes nas importações de gás podem ocasionar substanciais perdas de emprego.

Um grupo de economistas da Academia Alemã Leopoldina dos Cientistas Naturais afirmou em um relatório publicado no mês passado que um corte no fornecimento de gás russo a curto prazo seria “administrável” se o país for capaz de alternar sua dependência para outras fontes de energia.

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Robert Habeck, ministro alemão da Energia, está lutando justamente para isso, viajando para Catar e Washington tentando garantir parcerias no setor de energia. A Alemanha já conseguiu reduzir em 15% sua dependência do gás russo, baixando-a para 40% nos primeiros meses do ano, afirmou o ministro da Energia.

Mas líderes da indústria pressionam contra a imposição de sanções sobre o gás natural russo. Fechar as torneiras causaria “um dano irreversível”, alertou Martin Brudermüller, diretor-executivo da BASF, a fabricante de produtos químicos com base no sudoeste alemão. Fazer a transição entre o gás natural russo e outros fornecedores do insumo ou mover-se para fontes alternativas de energia requereria de quatro a cinco anos, não algumas semanas, afirmou ele.

“Queremos destruir cegamente e inteiramente a economia do nosso país? Tudo o que construímos ao longo de décadas?”, disse Brudermüller em entrevista ao Frankfurter Allgemeine Zeitung. “Acho que tal experimento seria irresponsável.”

Fabricantes de chocolates, petiscos e doces também alertaram que escassez de gás acabaria com sua capacidade de produção de alimentos com alto valor calórico.

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“O gás é a fonte de energia mais importante para a maioria da indústria de pastelaria da Alemanha”, afirmou a Associação da Indústria Alemã de Pastelaria, ou BDSI, em um comunicado. “As empresas da indústria alemã de pastelaria produzem comida e, portanto, são de vital importância para abastecer a população da Alemanha, especialmente durante escassez de alimentos ou outras emergências.”

O chanceler alemão, Olaf Scholz, fala em uma coletiva de imprensa em Berlim; dificuldades para parar o fornecimento de gás russo  Foto: Steffi Loos/Pool via Reuters

No fim de semana, a Lituânia anunciou que suspendeu todas as suas importações de gás russo a partir de abril. Mas o gás natural corresponde a somente 11% da energia consumida pelo país báltico de 2,8 milhões de habitantes, enquanto a Alemanha depende de gás para suprir 27% de suas necessidades energéticas.

Somente este ano, o governo alemão prometeu 500 milhões de euros para ajudar na construção de um terminal necessário para importar gás natural liquefeito diretamente, como parte de esforços para substituir os 56 bilhões de metros cúbicos de gás que a Alemanha importa anualmente da Rússia. O GNL é uma fonte alternativa de gás natural, uma maneira de transportar o insumo através dos oceanos por longas distâncias.

Tentáculos do gás russo espalhados na Alemanha

Além de fornecer à Alemanha enormes quantidades de gás, a Rússia possui e opera milhares de quilômetros de gasodutos e vários tanques de armazenamento cruciais para os alemães por meio de subsidiárias da Gazprom, o conglomerado estatal russo do setor da energia. Entre essas subsidiárias está a Astora, dona do maior tanque subterrâneo de armazenamento de gás natural da Europa Ocidental.

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Na segunda-feira, Habeck anunciou que estava colocando a Gazprom Germania, empresa-mãe da Astora e principal subsidiária da Gazprom na Alemanha, sob controle do Estado pelo menos até setembro. A manobra foi considerada um passo crucial para tirar das mãos da Rússia o poder sobre o fornecimento de gás.

A produção petrolífera atravessa caminhos da Guerra Fria na Alemanha. Mais de um terço de todo o petróleo refinado na Alemanha vem da Rússia, grande parte fluindo diretamente de instalações localizadas nos Estados que compunham a Alemanha Oriental, por meio de oleodutos que remontam à era da Guerra Fria.

Então, substituir o petróleo russo não requer apenas conseguir repor uma quantidade massiva do insumo — a Alemanha comprou 27 bilhões de toneladas de petróleo da Rússia em 2021 — mas implica também em conseguir elaborar uma estratégia para transportá-lo para as refinarias no leste do país. Nenhum oleoduto atravessa a antiga fronteira entre as Alemanhas Oriental e Ocidental.

A Alemanha começou a diversificar sua fonte de abastecimento de petróleo, o que baixou para 25% a participação da Rússia no fornecimento — de anteriores 35% nos primeiros três meses deste ano.

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A partir de meados de abril, a refinaria de Leuna, no leste da Alemanha, passará a processar apenas metade da quantidade de petróleo russo que processou nos anos recentes e será suprida com petróleo trazido de outros países, que será transportado do oeste da Alemanha de caminhão e trem, afirmou o Ministério da Economia.

Herança da Guerra Fria

A refinaria PCK, localizada em outra cidade do leste alemão, Schwedt, tem a maior parte de seu capital controlada pela petroleira russa Rosneft — e tem se mostrado menos disposta do que a refinaria de Leuna em permitir que a Alemanha evite contratos futuros de fornecimento de petróleo russo. Os meios de comunicação alemães noticiaram que o Ministério da Energia está considerando se uma estatização se justificaria em nome da segurança energética.

A dependência do carvão foi cortada pela metade, mas a Alemanha ainda precisa da Rússia. O carvão é a fonte de energia mais fácil de substituir entre as três. Mesmo assim, a Alemanha tem dependido da Rússia para fornecer aproximadamente a metade de suas importações de hulha, depois de fechar sua última mina de carvão no fim de 2018.

a Foto: afp

Ao longo das seis semanas recentes, a Alemanha conseguiu mudar cadeias de fornecimento e assinar novos acordos para cortar pela metade sua dependência da Rússia, afirmou o Ministério da Economia. Agora, 25% da demanda do país por carvão está sendo atendida pela Rússia. A Alemanha planeja suspender completamente as importações do combustível até o fim do verão.

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Até lá, contudo, Habeck, o ministro da Economia, tem insistido que a Alemanha precisa de um fornecimento estável de energia para cumprir seu papel de motor econômico da região. Isso poderá ser especialmente urgente agora, no momento em que a Europa é convocada para ajudar a prover energia e suprimentos para a Ucrânia, que no mês passado conectou sua rede de transmissão de eletricidade à rede europeia, para garantir estabilidade apesar da guerra.

A Alemanha, depois de relutar, também passou a fornecer armas à Ucrânia, o que, segundo apontou Habeck, depende do aço produzido nas siderúrgicas alemãs, que consomem o carvão ainda fornecido em parte pela Rússia.

“Estão nos pedindo para suprir a Ucrânia com matérias-primas”, disse Habeck à TV pública ZDF na semana passada. “Precisamos de uma infraestrutura intacta para conseguir fazer isso.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* É correspondente em Berlim

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