Desde junho, China teve 1,4 milhão de prisões para garantir reunião tranquila do Partido Comunista

Voluntários identificam quem se queixa do governo pelas ruas de Pequim

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Por Vivian Wang

THE NEW YORK TIMES / PEQUIM - Eles aguardam em cadeiras dobráveis, apoiados em sinais de tráfego ou caminhando em pequenos círculos para se manterem aquecidos. Estão distribuídos aproximadamente a cada 30 metros, observado um determinado trecho de uma rua de Pequim que lhes tenha sido designado. Os corta-ventos de um vermelho forte e as braçadeiras da mesma cor os identificam como “Voluntários de segurança da vizinhança”.

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Sua missão é clara: garantir que nada perturbe o importantíssimo congresso do Partido Comunista Chinês que começa no domingo, durante o qual seu principal líder, Xi Jinping, deve reivindicar um terceiro mandato.

Os voluntários, que cobriram Pequim nos dias mais recentes, são talvez o elemento mais óbvio do bloqueio de segurança que a China impôs à cidade. Em um país que preza pelo controle, cada preparativo é pensado para garantir a eliminação de qualquer aparente ameaça ou imperfeição, sejam os efeitos do coronavírus ou mesmo o lixo não recolhido.

Tela exibe discurso de Xi em abertura do Congresso do Partido Comunista Chinês  Foto: AFP

As autoridades também vetaram a entrada na cidade de pessoas que tenham viajado a áreas onde tenha sido detectada uma infecção sequer pelo coronavírus. Autoridades postais devem verificar os documentos de identificação de todas as pessoas que enviarem algo a Pequim pelo correio.

As autoridades locais prometeram que os voluntários, trabalhando em colaboração com membros da milícia e autoridades de segurança, devem identificar “elementos instáveis” como pessoas que se queixam do governo, “tecendo uma rigorosa teia tridimensional de controle e prevenção social”.

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“Até o fim da grande reunião, haverá mais pessoas patrulhando. Policiais e outros também”, disse a voluntária Li Wenge, pouco mais de 50 anos, sentada em um banquinho perto da Torre do Tambor, construção de Pequim do século 13, assistindo enquanto um grupo de homens de meia-idade jogava hóquei de patins.

Li fez um gesto à sua direita, indicando duas figuras de vermelho sentadas ao pé da torre, e depois à esquerda, indicando outra dupla que patrulhava. “Nada escapa da nossa atenção.”

A reunião, chamada oficialmente de 20.º Congresso Nacional, é um encontro sigiloso realizado em intervalos de cinco anos durante o qual as próximas lideranças do país são celebradas. Durante seus 10 anos no poder, Xi consolidou em torno de si a autoridade mais completamente do que qualquer líder chinês desde Mao Tsé-tung. Ele praticamente eliminou a sociedade civil independente, deteve advogados defensores dos direitos humanos e expandiu a vigilância do estado a um número cada vez maior de aspectos do cotidiano.

A fortaleza em torno de Pequim no momento em que ele se prepara para manter o cargo por mais cinco anos, algo sem precedentes, cristaliza o sucesso de sua estratégia.

Autoridades em outras províncias prometeram contribuir com quaisquer medidas tidas como necessárias, incluindo lockdowns, para evitar a disseminação do coronavírus, “especialmente para proteger Pequim”. Na capital, oficiais armados patrulham as ruas em torno do Grande Pavilhão Popular, onde Xi deve discursar no domingo, abordando aleatoriamente ciclistas e pedestres para verificação.

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Prisões

Um funcionário do ministério da segurança pública anunciou em uma coletiva no mês passado que as autoridades tinham detido mais de 1,4 milhão de suspeitos criminosos desde o fim de junho, ajudando a “criar um ambiente político e social seguro e estável para o sucesso do 20.º Congresso do Partido”.

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Qualquer sentimento diferente de uma aprovação efusiva do governo também deve ser contido — daí a profusão de peças de propaganda que surgiram em pontes, outdoors, em arranjos de flores de 20 metros de altura. Parece que, quanto mais longo o slogan, mais inspirador. “Intensificar a união em torno do Comitê Central do Partido que traz o camarada Xi no seu núcleo, adotar medidas práticas para dar as boas-vindas à reunião do 20.º Congresso Nacional”, é a mensagem vista em um telão acima de uma loja de departamentos.

É possível que a insatisfação siga em fogo baixo sob a superfície. Na quinta feira, a tampa parece ter saído da panela, com fotos circulando nas redes sociais mostrando dois cartazes abertos em um viaduto de Pequim, pedindo o fim dos lockdowns causados pelo coronavírus e a derrubada de Xi.

Manifestações públicas de protesto, especialmente as que atacam Xi diretamente, são praticamente impossíveis de ver na cidade em qualquer dia, e praticamente inimagináveis em meio à densidade das medidas de segurança em antecipação ao congresso. As autoridades agiram com rapidez para abafar o caso. Policiais rumaram para a ponte, e censores online apagaram as fotos das redes sociais chinesas. Até uma busca com a palavra “Pequim” parecia ter sido limitada na plataforma Weibo, exibindo apenas publicações de contas oficiais verificadas.

Mudanças na rotina

Ainda assim, todos parecem estar comentando a reunião por outro motivo: as perturbações trazidas para o cotidiano.

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Nos cafés, amigos se queixam porque os empregadores os impediram de deixar Pequim durante o feriado de sete dias do Dia Nacional, na semana passada — um dos feriados mais movimentados da China — por temerem que eles não pudessem voltar.

Caminhando pela rua, os transeuntes se queixam ao serem submetidos a testes adicionais para o coronavírus. Policiais fecharam abruptamente casas noturnas e restaurantes, em alguns casos indefinidamente, citando a necessidade de redobrar a vigilância contra o coronavírus.

As palavras “congresso do partido” se tornaram uma espécie de explicação geral para qualquer inconveniência ou interrupção.

“São as pequenas coisas que servem de lembrete. As entregas não chegam, e então lembramos, ‘está se aproximando o congresso do partido’”, disse Chen Yaran, uma universitária de Pequim.

Chen estava descansando no pátio do Templo Lama, construído há 300 anos, um elegante monastério de estilo tibetano e uma das atrações turísticas mais populares de Pequim, no último dia do feriado. A universidade dela, como muitas outras na cidade, tinha encurtado o feriado para dissuadir os estudantes de deixar a cidade. Sem poder voltar para casa e visitar a avó, Chen se conformou com uma visita ao templo, onde se juntou a dezenas de outros que acendiam maços de incenso, pedindo por dias melhores.

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Talvez haja uma expressão repetida mais frequentemente do que “congresso do partido”: “depois do congresso do partido”.

Os moradores a recitam quase como um encantamento, assegurando aos outros — ou a si mesmos — que as coisas vão melhorar. O organizador de um espetáculo de dança disse que as apresentações seriam interrompidas em outubro, mas provavelmente seriam retomadas em seguida. Os proprietários de bares fechados anseiam pelo fim do mês na esperança de reabrir.

Outros adiamentos são mais explicitamente políticos. Professores universitários dizem que não podem se encontrar com repórteres estrangeiros, nem mesmo para conversas informais, até o fim do congresso. Advogados defensores dos direitos humanos esperam que os oficiais postados do lado de fora de seus lares os deixem após o evento.

Até aqueles ansiosos para participar do fervor em torno do congresso do partido podem ser ver temporariamente prejudicados pela cuidadosa coreografia trazida pelo encontro.

Visitantes caminham em livraria em Shaanxi onde é vendido livro sobre Xi Jinping  Foto: JADE GAO / AFP

Duas semanas atrás, Xi visitou uma exposição preparada em homenagem ao congresso no Centro de Exposições de Pequim, chamada “Avançando corajosamente rumo a uma nova era”. De acordo com relatos elogiosos da mídia estatal, a exposição mostra os feitos da década de Xi no poder, incluindo pontos tão díspares quanto um mapa da qualidade do ar e os mascotes olímpicos. Uma reportagem afirmou que a exposição se tornou um local popular no “check-in” online.

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Mas, na entrada da exposição, um guarda disse que ela só estava aberta para determinados públicos. Indagado a respeito de quando o público poderá visitá-la, ele deu de ombros. “Acredito que depois do congresso do partido”, foi a resposta. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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