É difícil imaginar dois políticos mais distantes no espectro ideológico. Gustavo Petro, primeiro presidente de esquerda da Colômbia, convidou na quinta-feira para um diálogo o ex-presidente e líder da direita colombiana Álvaro Uribe. No dia seguinte, às 6 horas, Uribe respondeu no Twitter: “Agradeço o convite do presidente Gustavo Petro. Irei à reunião como representante do Centro Democrático. São visões diferentes sobre a mesma pátria”.
Petro derrotou Rodolfo Hernández, um populista de direita, no segundo turno das eleições, por 50,4% a 47,3% (o restante são brancos e nulos). Poucas horas depois, Hernández e o presidente Iván Duque, também de direita, ligaram para lhe desejar sorte. Duque anunciou ainda que ele e Petro haviam marcado uma reunião para tratar da transição.
Promessa
Petro, que nos anos 80 pertenceu ao grupo guerrilheiro urbano M-19, convertido na década seguinte em partido político, fez promessas típicas da esquerda, como reforma agrária e elevação dos impostos das 4 mil maiores fortunas da Colômbia, além de sistema de saúde público universal, ensino superior gratuito e metade dos empregos públicos para as mulheres.
O presidente eleito falou em não permitir a aprovação de novos projetos de exploração de petróleo, importante fonte de receitas da Colômbia. As ações da estatal Ecopetrol chegaram a cair 11% na sexta-feira.
Os próximos desafios
Petro, porém, não terá maioria no Congresso e precisará negociar com bancadas mais liberais na economia. De qualquer forma, mesmo que a negociação com Uribe não surta efeito, a simples predisposição para conversar coloca a Colômbia em um lugar diferente de outros países, onde se resiste a aceitar a própria derrota, como Brasil, Peru e Argentina.
Os gestos aproximam a Colômbia do Chile, onde José Antonio Kast, candidato da direita, reconheceu na noite da eleição, em 19 de dezembro, a derrota para Gabriel Boric, primeiro presidente de extrema esquerda eleito após o golpe contra Salvador Allende, em 1973.
Muitos identificam nas últimas eleições presidenciais em Argentina, México, Bolívia, Peru, Chile, Honduras e Colômbia, e nas pesquisas no Brasil, uma onda de esquerda na América Latina. A reeleição de Daniel Ortega não conta, porque a Nicarágua é uma ditadura, assim como Venezuela e Cuba. Não há dúvida de que tem havido mais vitórias da esquerda, se compararmos com as eleições de presidentes de direita apenas no Uruguai, Equador e Costa Rica.
A pandemia e a inflação aumentaram o sentimento de fragilidade dos mais pobres e seu anseio pelo Estado protetor prometido pela esquerda. Mas as recentes vitórias da direita no Equador e na Costa Rica, os protestos na Argentina e a polarização entre populistas de polos extremos demonstram que a população quer, acima de tudo, mudança.
* É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS
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