Desemprego entre jovens na China atinge recorde e mostra face mais difícil da recuperação pós-covid

Crescimento lento do país eleva desemprego da juventude à medida que mais pessoas chegam ao mercado de trabalho; governo suspende divulgação

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Foto do author Luiz Henrique Gomes
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL, DE PEQUIM - Desde que Wan Jinghua* se graduou em licenciatura de língua portuguesa há um ano na Universidade Normal de Hebei, no norte da China, somente ela e outros cinco colegas de uma turma de 18 estudantes conseguiram emprego na área em que se especializaram. O restante se candidata a vagas, mas enfrenta uma concorrência cada vez mais alta. Na maioria dos casos, não são chamados e acabam por ficar em casa enquanto o primeiro emprego não chega.

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Têm sido assim para grande parte dos jovens chineses entre 16 e 24 anos na China pós-pandemia. Com a recuperação econômica mais lenta que a esperada, o desemprego entre a juventude cresce e atinge taxas recordes no país. Segundo o Departamento Nacional de Estatísticas, a taxa de jovens desempregados chegou a 21,3% em junho, sendo a maior desde que o país passou a medir o índice, em 2018. Em comparação, a taxa de desemprego entre jovens no Brasil (entre 18 e 24 anos) foi de 17,1% no primeiro trimestre deste ano, de acordo com o IBGE.

O índice cresceu à medida que muitas empresas diminuíram o investimento na China por enfrentarem um cenário incerto causado pela guerra comercial com os Estados Unidos e restrições durante a pandemia de coronavírus, que duraram até o ano passado. Muitos negócios faliram e parte das empresas escolheu sair do país. Outras acumulam dívidas com os bancos chineses e tentam sobreviver.

Imagem mostra cerimônia de formatura na Universidade de Wuhan, em Hubei, em imagem de 13 de junho de 2021. Recém-graduados têm dificuldades de conseguir emprego na China Foto: China Out/Reuteurs

A opção para parte da juventude são empregos de menor qualificação, que pagam baixos salários e têm cargas horárias extensas. Em alguns casos, envolvem o trabalho manual ou o retorno para zonas rurais, de onde muitos saíram para estudar em grandes cidades. Em maio, o líder do país, Xi Jinping, se dirigiu aos jovens do Partido Comunista Chinês para pedir que eles tenham ideais, assumam responsabilidades e suporte dificuldades, relembrando momentos do passado da China em que essa atitude colaborou para “o rejuvenescimento chinês” atual.

Mas nem todos os jovens do país estão dispostos a enfrentar essas dificuldades e recusam vagas de menor qualificação. Uma parte insiste em procurar emprego na área em que se formou, outros escolhem estender o tempo na graduação com a expectativa de melhoria econômica. Segundo pesquisa do China Youth Daily, jornal da Liga da Juventude Comunista da China, 73,1% dos jovens entrevistados disseram conhecer ao menos uma pessoa que fez essa última escolha.

“Trabalhar é uma pressão que muitos de nós sentimos, mas não queremos ter uma vida mais tranquila, na qual não precisamos trabalhar tantas horas em empregos que paguem pouco”, disse Wan Jinghua, que conseguiu emprego na área de tradução editorial.

Segundo analistas, a dificuldade é maior para jovens que se formam em cursos da área de humanas. Alunos da área da saúde e tecnologia têm mais facilidade de encontrar vagas, apesar da alta concorrência. O último setor, principalmente, é prioridade para investimentos chineses, que na década passada se voltaram para a alta tecnologia para transformar a economia. A guerra comercial com os EUA, que impôs sanções no mercado de semicondutores, também impulsiona o setor tecnológico chinês.

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Entretanto, o desemprego entre jovens continua em alta e se torna um problema central para Pequim, que tenta evitar uma crise política maior com uma geração que manifestou insatisfação e protagonizou protestos contra as restrições da pandemia no ano passado. “A estabilização do emprego precisa ser considerada em um nível estratégico”, disse o Politburo, principal órgão decisório do governo chinês, em julho. “É preciso aumentar a proteção dos meios de subsistência das pessoas.”

Após o último relatório referente ao emprego na China mostrar uma taxa de desemprego recorde em junho, o governo anunciou a suspensão da divulgação dos dados de desemprego por faixa etária nesta terça-feira, 15. Segundo Fu Linghui, porta-voz do Departamento Nacional de Estatísticas, as pesquisas foram suspensas porque a coleta de dados “precisa ser melhorada e otimizada”.

Jovens no mercado de trabalho cresce com recém-graduados

A necessidade de geração de empregos cresce ainda mais com a entrada no mercado de trabalho de 11,58 milhões de jovens prestes a se graduar, de acordo com o Ministério da Educação da China. A quantidade de formandos no país cresce anualmente e este ano representa 800 mil a mais que em 2022.

O governo tem anunciado medidas de estímulo ao setor privado para aumentar os investimentos, incluindo subsídios a empresas de pequeno e médio porte que contratem formandos, e orientou as empresas estatais a oferecerem mais empregos para a juventude recém-saída das universidades. Um pacote econômico mais amplo, com 28 medidas previstas, foi anunciado em julho com o objetivo de impulsionar a economia e criar vagas. Elas incluem a desburocratização para facilitar a participação de empresas em grandes projetos nacionais de infraestrutura e investir no setor imobiliário.

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Entretanto, os índices por ora não refletem as medidas de estímulo, dificultando ainda mais a recuperação que o país passa no pós-pandemia, que tem como pilar o aumento do consumo e da demanda interna. Estatísticas de julho, divulgadas nesta terça-feira, 15, mostram que os investimentos continuam em queda. “Se os jovens não encontram trabalho, não irão contribuir com o aumento da demanda interna e, portanto, com o aumento do consumo interno como parte do PIB chinês”, disse Aline Tedeschi, membro da organização Observa China e doutora em Relações Internacionais e Desenvolvimento.

Para o pesquisador associado do centro de estudos Centro para a China e Globalização, Renato Peneluppi, a perspectiva é que as diretrizes do governo aumentem a confiança do setor privado gradualmente para novos investimentos e novos postos de trabalho sejam gerados, englobando os recém-graduados. “À medida que essa recuperação acontecer, há uma mão de obra numerosa. A China pode reverter esse processo (de jovens desempregados)”, declarou.

Na análise do presidente da Academia Chinesa de Ciências Fiscais, Liu Shangxi, o mais importante nas novas diretrizes é como as políticas serão implementadas e transformadas em medidas concretas para oferecer às empresas privadas um grau de confiança mais elevado a longo prazo. “Espera-se que o lançamento de regras detalhadas e o envolvimento de diferentes ministérios e departamentos (...) realmente possa aumentar a confiança dos empresários privados. As regras impulsionarão ainda mais o crescimento da economia privada em meio a crescentes incertezas econômicas”, disse Liu.

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Juventude atual apresenta novas demandas ao governo

As declarações de Xi Jinping em maio foram dirigidas para uma geração de chineses nascidas em uma China que foi rapidamente transformada em superpotência mundial. A juventude atual não viveu o ciclo de pobreza do país nas décadas de 1960 e 1970 e não testemunhou de perto o desenvolvimento acelerado em 1980 e 1990. Crescidos na década em que o país se tornou a segunda maior economia do mundo, em 2008, os jovens se diferem dos pais e impõem desafios inéditos para o governo.

As insatisfações com o desemprego e o modo em que o governo apresenta os dados ficam evidentes nas redes sociais chinesas. No Weibo, usuários questionam a taxa de desemprego geral (5,2%), que, assim como em outros países, considera empregos temporários e de salários baixos no cálculo. “Como alguém que nem atinge o padrão de salário mínimo pode ser considerado ‘empregado’?”, escreveu um perfil identificado como Zhihu.

O anúncio da suspensão dos dados nesta terça-feira também gerou reações insatisfeitas no Weibo. O post recebeu cerca de 140 milhões de visualizações em poucas horas, e alguns comentários com tom de sarcasmo foram registrados. “Atualmente, essa (a suspensão) tem sido a única política que realmente funciona para lidar com o alto desemprego juvenil”, declarou um internauta.

Feira de empregos em Wuhan, na província de Hubei, em imagem do dia 10. China suspende divulgação de dados em meio às dificuldades de recuperação de emprego entre juventude Foto: China Out/AFP

Para Renato Peneluppi, o desafio da juventude nascida em um país de renda média é um desafio que Pequim irá enfrentar cada vez mais. Mais rica e exigente que a geração anterior, há uma exigência crescente para ver o país crescendo como antes. “Quando acontece do país chegar ao patamar alcançado na China, a população perde a motivação porque todo mundo entende que não tem muita perspectiva. Chamam de ‘armadilha da renda média’”, declarou. “Isso gera a convulsão social que vimos nas manifestações do covid e no caso da Evergrande, por exemplo”.

Na China de hoje, não é raro encontrar jovens que tiveram a oportunidade de estudar em outros países em programas de intercâmbio, que aumentaram à medida que a nação se desenvolveu e ganhou protagonismo mundial. Também não é raro que sejam os primeiros de suas famílias a ter tido essa oportunidade. “Foi uma grande experiência poder conhecer a Europa”, contou Chen Quan*, de 22 anos, que está perto de se graduar em ciência da computação e fez intercâmbio em Paris no ano passado.

Ao ser questionado se deseja voltar um dia à França, responde que sim, apesar da distância da família, dos amigos e da nação onde nasceu. Então, por que voltar? “Porque a vida na China é muita agitada, trabalhamos muito e somos muito exigidos”, respondeu. “Na França, encontrei uma vida mais tranquila”.

*: O repórter viajou para Pequim à convite do Ministério do Comércio da China. A reportagem utilizou nomes fictícios a pedido dos entrevistados.

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