Este é o Trump que conheci, um criador de fatos

Autor de livro sobre o magnata diz que o presidente não tem crenças profundas, nem paixão por qualquer coisa que não seja seu interesse imediato

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Por Tony Schwartz

Por que Donald Trump age desse modo perigoso e, aparentemente, autodestrutivo? Três décadas atrás, passei quase um ano em torno de Trump para escrever seu primeiro livro, The Art of the Deal (A arte de negociar), e o conheci muito bem. Gastei centenas de horas ouvindo, observando-o em ação e entrevistando-o sobre sua vida. Nada do que ele disse ou fez nos quatro meses como presidente me surpreende.

O modo como ele se comportou na última semana – demitindo o diretor do FBI, James Comey, atropelando os próprios assessores que tentavam explicar a decisão e mais tarde dando informações sigilosas a funcionários russos – também foi totalmente previsível.

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos Foto: Olivier Douliery/ AFP

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Bem cedo, entendi o sentido de autoavaliação de Trump. Quando se sente agredido, reage impulsiva e defensivamente, montando, para justificar-se, histórias que não dependem de fatos e nas quais a culpa é sempre dos outros.

O Trump que encontrei da primeira vez, em 1985, tinha passado quase toda a vida voltado para a sobrevivência. Segundo sua própria descrição, o pai, Fred, era sempre exigente, mandão e difícil de conviver. Parafraseei isso assim no livro: “Meu pai era um homem maravilhoso, mas era também um homem voltado para os negócios, forte e rigoroso como o diabo.”

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O irmão mais velho de Donald, Fred Jr., que se tornou alcoólatra e morreu aos 42 anos, era dominado pelo pai, segundo Trump. No livro, abrandei assim a história: “Havia confrontos entre eles. Na maioria das vezes, Freddy terminava por baixo.”

A visão de mundo de Trump, profundamente moldada pelo pai, foi sempre voltada para a autodefesa. “Fui atraído para os negócios muito cedo e nunca fui intimidado por meu pai como a maioria das pessoas”, escrevi no livro. “Enfrentava meu pai e ele respeitava isso. Tínhamos uma relação quase de negócios.”

Para sobreviver, concluí de nossas conversas, Trump se sentiu forçado a entrar em guerra com o mundo. Era uma escolha excludente para ele: ou você domina ou é dominado. Ou cria e explora o medo ou sucumbe a ele – como Trump achava que o irmão mais velho fazia. Essa visão estreita e defensiva do mundo o dominou desde muito cedo, e ele nunca a abandonou. 

Trump cresceu em guerra com a vida. Em incontáveis conversas, ele deixou claro para mim que considerava cada encontro uma disputa que tinha de vencer, pois a única outra opção, de sua perspectiva, era ser derrotado, e isso equivalia a ser destruído.

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Muitos dos negócios descritos no livro foram enormes fracassos – entre eles os cassinos que possuiu –, mas Trump considerou cada um deles um sucesso. Com orgulho evidente, Trump me explicou que foi “um garoto de opinião e agressivo” desde tenra idade – uma vez deu um soco no olho de um professor de música e por isso quase foi expulso da escola básica.

Quem garante que essa história, como muitas sobre Trump, seja verdadeira? O que está claro é que ele passou a vida procurando dominar os outros e ignorando efeitos colaterais. Ele fala da competição no ramo imobiliário de Nova York com o entusiasmo de um garoto falando de brigas de rua: “Trata-se de algumas das pessoas mais duras e inescrupulosas do mundo. Acontece que eu adorava brigar com elas e derrotá-las”.

Nunca percebi em Trump nenhuma culpa ou contrição por nada que houvesse feito. Pela sua perspectiva, vivia numa selva cheia de predadores que o queriam devorar, e ele fazia o que fosse preciso para sobreviver.

Trump foi igualmente claro comigo ao indicar que nunca deu valor – ou mesmo reconheceu – qualidades que as pessoas tendem a desenvolver quando se sentem mais seguras, como empatia, generosidade, ponderação, capacidade de gratificar e, acima de tudo, consciência do certo e errado. Trump simplesmente não troca emoções ou interesses com os outros. Os negócios sempre foram sua vida, todo o tempo. Sem nunca ter expandido seu universo emocional, intelectual ou moral, ele se aferra à história que construiu.

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Uma parte essencial dessa história é que os fatos são aquilo que Trump quer que sejam. Quando é desafiado, ele instintivamente dobra a aposta – mesmo quando o que acabou de dizer é comprovadamente falso. Vi isso inúmeras vezes, tanto em coisas triviais, como exagerar o número de andares da Trump Tower, quanto mais sérias, como afirmar que seus cassinos iam bem quando estavam à beira da falência.

Da mesma forma, Trump não vê problemas em mudar sua história sobre como demitiu Comey e em seguida demolir as declarações a respeito dadas pelos assessores.

Obsessões. Para Trump, o que vale são realizações e conquistas. “Você acredita, Tony?”, ele começava nossas conversas noturnas, e entrava em seguida num novo exemplo de seu brilho. Mas a segurança que conquistava com cada nova grande realização era sempre efêmera e não confiável – e isso parece incluir a eleição para a presidência. Com essa conquista, Trump teria mais motivos que a maioria dos seres humanos para se sentir realizado. Mas isso é mais ou menos como dizer que um viciado em heroína superou seus problemas ao conseguir acesso grátis e contínuo à droga. 

Todo vício tem um padrão previsível – precisa sempre mais para manter o estado desejado. Desde a primeira vez que entrevistei Trump, em seu escritório na Trump Tower em 1985, a imagem que fiz dele foi a de um buraco negro. Tudo que ali cai desaparece rapidamente. Nada se mantém. E sempre que alguém abala seu equilíbrio, Trump sente uma incontrolável compulsão de restaurá-lo. Sempre vislumbrei, por trás de seu semblante desafiador, um garotinho machucado, incrivelmente vulnerável.

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O que ele mais profundamente aprecia é a adulação, mesmo efêmera. A necessidade de Trump de congratulações e adulação também ajuda a explicar sua hostilidade com a democracia e com a imprensa livre – ambas vistas por ele como aberta dissidência. Como presenciei durante a campanha e desde a eleição, Trump pode voltar repentinamente ao “modo sobrevivência”. É o que se deduz dos milhares de tuítes atacando seus supostos inimigos. 

Em termos neuroquímicos, quando ele se sente atacado ou diminuído, sua reação é lutar ou fugir. Mais que pensar, Trump reage, e danem-se as consequências. É isso que torna seu acesso aos códigos nucleares tão perigoso e assustador. O Trump que conheço não tem crenças ideológicas profundas, nem sentimento apaixonado por qualquer coisa que não seja seu interesse imediato.

Na última semana, frente às críticas vindas de quase toda parte, sua desconfiança se tornou quase palpável. E nenhuma intervenção inoportuna de seus assessores consegue demovê-lo de algo quando ele se sente tão profundamente acuado. 

A última vez que falei com Trump – a primeira em três décadas – foi em 14 de julho de 2016, pouco antes de a revista New Yorker publicar um artigo de Jane Meyer sobre minha experiência ao escrever The Art of the Deal. Trump estava então prestes a conseguir a indicação republicana para disputar a presidência. Meu celular tocou. Era Trump. Ele acabara de receber um telefonema de alguém da New Yorker checando alguns dados, e foi direto.

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“Acho você muito desleal”, afirmou. Aí me ameaçou durante alguns minutos. Respondi, gentilmente, mas com firmeza. Então, tão abruptamente como começou o telefonema, ele o encerrou: “Tenha uma ótima vida”. E desligou. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ É EXECUTIVO DO ENERGY PROJECT. SEU LIVRO MAIS RECENTE É ‘THE WAY WE’RE WORKING ISN’T WORKING’

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