Desistências, acusações e falta de consenso marcam 2º turno das eleições francesas

Para evitar que a direita radical leve a maioria absoluta no domingo, 221 candidatos desistiram de disputar o segundo turno; no campo da esquerda, foram 132 desistências, e 80 no campo governista

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Por Paloma Varón
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL, PARIS - Para evitar que o partido de direita radical obtivesse a maioria absoluta na Assembleia Nacional (ou seja, 289 assentos), centenas de candidatos decidiram retirar a sua candidatura para segundo turno das eleições legislativas francesas que acontece no próximo domingo, 7.

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A França é dividida em 577 zonas eleitorais que elegem, em dois turnos, os 577 deputados que ocupam as cadeiras da Assembleia Nacional. Com as eleições antecipadas, 76 deputados foram eleitos já no primeiro turno, sendo 39 deles do Reagrupamento Nacional (RN), da direita radical, e 32 da Nova Frente Popular (NFP), da união da esquerda. São necessários 289 deputados para um partido obter a maioria absoluta e, segundo as projeções iniciais, o RN tinha chances de alcançá-la no segundo turno.

Como o índice de comparecimento às urnas foi extremamente alto, chegando a 66,71%, muitos candidatos alcançaram o mínimo de 12,5% dos votos para chegarem ao segundo turno, gerando situações de triangulares (três candidatos disputando uma vaga) e mesmo quadrangulares na maioria das zonas eleitorais (501 das 577).

Uma mulher passa por um cartaz onde se lê "Vote" antes do segundo turno da eleição legislativa, em Estrasburgo, no leste da França Foto: Jean-francois Badias/AP

Logo após os primeiros resultados do primeiro turno, no domingo, 30, Jean-Luc Mélenchon falou em nome da NFP e deu instruções claras: “Em toda zona eleitoral em que os nossos candidatos chegaram em terceiro lugar, tendo o RN como primeiro colocado, vamos desistir e apoiar o candidato que tem mais chances de barrar o RN”.

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Isso gerou situações inusitadas, como por exemplo em Tourcoing, no norte da França, em que o candidato da NFP se retirou para apoiar o atual ministro do Interior Gérald Darmanin, um adversário detestado pela esquerda por ter dado mais poder e dinheiro às forças de ordem e é visto como o responsável pelo aumento da repressão policial.

O ainda primeiro-ministro Gabriel Attal falou em nome da coalizão governista Juntos!, mas não foi tão explícito quanto Mélenchon nas suas recomendações. Attal disse: “Nenhum voto (deve ir) para a extrema direita”, embora não tenha deixado claro se os candidatos de seu campo deveriam desistir de suas campanhas caso cheguem em terceiro quando A França Insubmissa faz parte das triangulares.

Os candidatos tinham até as 18h do dia 2 para declarar se continuariam ou não na corrida à Assembleia Nacional. No total, 221 candidatos desistiram de disputar o segundo turno. No campo da esquerda, foram 132 desistências, e 80 no campo governista. O objetivo destas desistências é evitar que o RN obtenha maioria absoluta no domingo. As demais desistências vieram de outros partidos ou mesmo do RN, que teve candidaturas retiradas por descumprimento à lei, como a candidata Ludivine Daoudi, de Caen, que postou uma foto com um boné nazista.

Para o especialista em história política Jean Garrigues, as instruções do campo governista não foram claras e a questão que se coloca é: “Os eleitores vão seguir estas recomendações?”. “A França Insubmissa é mais repulsiva para a maioria dos eleitores que o Reagrupamento Nacional, então é possível que muitos votem em branco ou se abstenham em zonas eleitorais em que o duelo se dê entre estes dois partidos”, explica.

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Rejeição a Mélenchon supera a de Marine Le Pen

O presidente Emmanuel Macron anunciou na quarta-feira, 3, durante o conselho de Ministros, que ele não governará com o partido de Mélenchon na hipótese de uma coalizão formada para barrar o RN na Assembleia, o que Attal chama de Frente Republicana Plural.

Attal, por sua vez, mudou o discurso de domingo para o meio da semana e, além de propor uma Frente Republicana Plural dentro da Assembleia Nacional, em que cada votação seria feita por meio de acordos entre os diferentes partidos republicanos, da esquerda (Partido Comunista Francês) à direita (Os Republicanos), conclamou os eleitores a barrarem a direita radical, mesmo que isso signifique votar na França Insubmissa.

A estratégia do RN é clara: trazer para a disputa a figura de Mélenchon – que não se candidatou a nenhum cargo – para desacreditar a aliança dos partidos de esquerda. Sua hipotética nomeação para Matignon (onde mora o primeiro-ministro francês) seria “uma coisa ruim” para 78% dos entrevistados, segundo uma pesquisa da Ipsos publicada em 27 de junho. Nesta pesquisa, nenhuma outra figura política registra tal índice de rejeição, nem mesmo a deputada do RN Marine Le Pen, com 55% de opiniões desfavoráveis.

Para o cientista político, professor e pesquisador da Universidade de Lille Rémi Lefebvre, o resultado do segundo turno dependerá sobretudo do comportamento dos eleitores macronistas: “formarão eles uma frente republicana contra o RN?”.

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A líder da direita radical francesa Marine Le Pen Foto: Yves Herman/Reuters

Manifestação na Praça da República reúne personalidades contra a direita radical

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Da vencedora do prêmio Nobel de literatura de 2022 Annie Ernaux, passando pelo ex-ministro da Justiça entre 1995 e 1997 sob o governo Chirac Jacques Toubon ao ex-jogador de futebol e campeão do mundo pelo Brasil Raí, a manifestação contra a direita radical reuniu cerca de 40.000 de pessoas na noite de quarta-feira, 3, na Praça da República, local emblemático para manifestações populares, localizado no 10º distrito da capital francesa.

O ex-jogador do São Paulo tem nacionalidade francesa e vem fazendo campanha para barrar a direita radical na França. Logo após a dissolução da Assembleia Nacional por Emmanuel Macron, Raí postou uma foto na marcha contra a direita radical, no dia 15 de junho em Paris, em companhia do cantor e compositor Chico Buarque, que carregava uma bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O Brasil foi citado várias vezes por diferentes personalidades do mundo político, intelectual e artístico como um exemplo de como a direita radical no poder pode destruir as instituições de um país e ameaçar os direitos das minorias. Um ator francês representando a comunidade LGBTQIA + falou sobre Marielle Franco, assassinada em 2018, e foi bastante aplaudido ao evocar “Marielle vive”. Raí, por sua vez, terminou o seu discurso com “Touche pas à mon pote” (não toque no meu amigo), slogan criado em 1985 na França pela associação SOS Racismo e que virou música de Gilberto Gil.

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