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Despreparo de tropas ucranianas trava envio de ajuda militar americana em meio a avanço russo

Ocidente teme enviar armas demais e se preocupa com a possibilidade de esgotar arsenais nos próximos meses

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Por Eric Schmitt e Julian E. Barnes

WASHINGTON (THE NEW YORK TIMES) – Os ucranianos afirmam que precisam de envios mais velozes de sistemas de artilharia de longo alcance e outros armamentos sofisticados para afrontar o avanço constante da Rússia. Os Estados Unidos e os europeus insistem que mais armas estão a caminho, mas temem enviar equipamento demais antes que os ucranianos possam ser treinados para usá-los. O Pentágono está preocupado com a possibilidade de esgotar seus arsenais nos próximos meses.

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O governo americano de Joe Biden e seus aliados estão com dificuldades para equilibrar prioridades em função das demandas de Kiev, no mesmo momento em que as forças russas intensificam seus bombardeios contra cidades e vilarejos de todo o leste ucraniano, de acordo com diplomatas americanos e de outros países ocidentais, oficiais militares e parlamentares.

As autoridades americanas afirmam que a Ucrânia poderia organizar um contra-ataque e tomar de volta parte do território – mas não todo – que perdeu se for capaz de continuar a impingir baixas entre as forças russas até que as novas armas possam chegar do Ocidente, mas algumas autoridades temem que retirar das linhas de frente muitos especialistas em artilharia ucranianos por semanas para o treinamento com os novos armamentos possa enfraquecer as defesas ucranianas, acelerar os ganhos da Rússia e dificultar qualquer contra-ataque no futuro.

Imagem mostra soldados ucranianos disparando artilharia enviada pelo Ocidente contra a Rússia, próximo a região de Donetsk, no dia 21 de junho. Aliados do país invadido querem garantia de que tropas estarão treinadas para utilizar mais armas Foto: Tyler Hicks / NYT

“Não há boas escolhas em uma situação como esta”, afirmou o senador Jack Reed, democrata de Rhode Island, que preside a Comissão de Serviços Armados. “É necessário retirar os melhores oficiais de artilharia e conscritos e enviá-los para uma semana ou duas de treinamento. Mas no longo prazo, acho que esta é provavelmente a estratégia correta.”

Adicionalmente, autoridades do Pentágono expressaram preocupações a respeito desse esforço prejudicar a capacidade de combate dos EUA, caso a guerra continue pelos próximos meses ou além. Depois de duas décadas dando apoio principalmente a missões de contraterrorismo, a indústria da defesa nos EUA parou em grande medida de fabricar o tipo de armamento que a Ucrânia precisará para sobreviver a uma longa guerra de desgaste. Os EUA aprovaram US$ 54 bilhões em ajuda militar, econômica e humanitária para a Ucrânia e enviaram o equivalente a mais de US$ 7 bilhões em armamentos retirados dos arsenais do Pentágono.

Os urgentes pedidos da Ucrânia chegam em um momento em que os EUA parecem estar acessando os armamentos mais sofisticados que são capazes de fornecer. Os próximos carregamentos deverão incluir veículos lançadores de foguetes HIMARS, mísseis antinavios Harpoon e projéteis de obuses Excalibur, guiados e de precisão. Mas os caças de combate e os avançados drones armados que estavam na lista de pedidos da Ucrânia ficaram guardados por enquanto, por serem considerados uma provocação grande demais a Moscou ou pelo tempo que requerem para os ucranianos aprenderem a usá-los.

A guerra de quase cinco meses está em um momento crítico, afirmam autoridades americanas e outras fontes familiarizadas com informações de inteligência. Entre 100 e 200 soldados ucranianos morrem diariamente desde que a Rússia mudou o foco de sua campanha militar, na primavera, para o leste da Ucrânia. Mas cerca de 20 mil soldados russos foram mortos, e ferimentos tiraram de combate outros 60 mil russos. Cerca da metade do equipamento militar da Rússia foi destruída na guerra, de acordo com autoridades ocidentais e várias fontes que falaram sob condição de anonimato para discutir informações sensíveis.

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Para repor seu Exército, a Rússia teria de mobilizar uma fatia maior da população por meio de uma declaração de guerra – oficialmente, no país, o conflito continua uma “operação militar especial” – ou mobilizando para a Ucrânia tropas e equipamentos estacionados no Extremo Norte ou no Extremo Oriente.

O fato do presidente Vladimir Putin estar hesitando em adotar qualquer dessas manobras é sinal de que ele acredita que o tempo joga ao seu favor, afirmam autoridades. Em vez disso, o Kremlin está tentando suprir sua falta de soldados com uma combinação heterogênea entre ucranianos dos territórios separatistas, mercenários, unidades militarizadas da Guarda Nacional e a promessa de grandes recompensas em dinheiro para voluntários.

Putin também pode pensar que o apoio do Ocidente à Ucrânia logo atingirá seu limite, conforme americanos e europeus ficam cada vez mais ansiosos a respeito dos preços da energia, que foram às alturas desde que a guerra começou.

Um sinal da atual estratégia de Putin, de acordo com fontes familiarizadas com relatórios de inteligência sobre sua campanha militar, é que o Kremlin não está mais pressionando por rápidos ganhos em batalha como durante seu esforço para capturar Kiev, a capital ucraniana. Putin reformulou seu comando militar em campo na Ucrânia novamente nas semanas recentes, e autoridades americanas afirmaram seu compasso mudou para táticas vagarosas e excruciantes, cujo desdobramento o Kremlin parece satisfeito em permitir.

O Exército russo tem se valido principalmente de sua imensa vantagem em artilharia de longo alcance no Donbas, no leste ucraniano, castigando à distância os militares ucranianos – assim como cidades e vilarejos – antes de tentar avançar.

Nos dias recentes, observou-se que algumas unidades russas adotaram uma pausa estratégica, de acordo com uma análise do Instituto para o Estudo da Guerra, enquanto outras começaram a disparar contra vilarejos de Donetsk, uma das regiões do Donbas.

Muitas dessas tropas russas estão diminuindo o ritmo para se rearmar e se reorganizar depois de brutais duelos de artilharia na região de Luhansk, no Donbas, enquanto o Kremlin enfrenta dificuldades para suprir sua escassez de soldados para seguir com a guerra.

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“Os russos estão literalmente raspando o fundo do tacho em busca de soldados e equipamentos de reposição”, afirmou Frederick Hodges, ex-comandante do Exército americano na Europa que trabalha atualmente no Centro para Análise de Políticas Europeias.

Autoridades americanas afirmam que será difícil para a Ucrânia organizar uma contraofensiva no curto prazo, mas que o país ainda possui vantagens. Ao longo da guerra, os combates favoreceram principalmente os defensores, que são capazes de impingir baixas pesadas a partir de posições bem protegidas. Os ucranianos têm usado armamentos modernos de projeto americano e europeu, incluindo os HIMARS e mísseis antitanque como Javelins e NLAWs, com eficácia mortífera sobre os russos. Mas o poder de fogo superior da Rússia permitiu que suas abatidas forças avançassem.

Mais treinamento e mais equipamentos são cruciais para a sobrevivência dos ucranianos e o impedimento do avanço russo.

Artilharia enviada pelos Estados Unidos disparada por soldados ucranianos na região de Donetsk em imagem de 21 de junho de 2022 Foto: Tyler Hicks / NYT

As agências de inteligência americanas tiveram dificuldade para constatar a velocidade com que as forças ucranianas são capazes de absorver e empregar equipamentos sofisticados. Os HIMARS — Sistemas de Artilharia com Foguetes de Alta Mobilidade — são o elemento central dos novos envios de armamentos de longo alcance do Ocidente, aos quais o Exército ucraniano está apelando conforme seu arsenal de obuses e foguetes da era soviética míngua.

Os lançadores de foguetes montados sobre veículos capazes de realizar lançamentos múltiplos e simultâneos disparam projéteis guiados por satélite com alcance superior a 65 quilômetros, maior do que a capacidade de qualquer equipamento que a Ucrânia possui. Os dois primeiros conjuntos de sistemas que chegaram ao país estão destruindo paióis de munição da Rússia, defesas antiaéreas e postos de comando russos atrás dos fronts, afirmaram autoridades americanas e ucranianas.

“Os HIMARS já fizeram uma imensa diferença no campo de batalha”, tuitou no fim de semana o ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov.

A Casa Branca afirmou na sexta-feira que enviará para a Ucrânia outros quatro HIMARS dos arsenais do Pentágono, que se juntarão a outros oito sistemas deste modelo em campo no país e equipes treinadas por americanos de aproximadamente 100 soldados ucranianos. Autoridades do governo indicam privadamente que mais HIMARS serão enviados. O Reino Unido e a Alemanha prometeram enviar outros seis lançadores de foguetes similares.

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Autoridades ucranianas, contudo, afirmam que precisam de pelo menos 300 lançadores de foguetes múltiplos para combater a Rússia, e algumas ex-autoridades do Pentágono afirmam que entre 60 e 100 sistemas são necessários para romper a ofensiva russa. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL