BOGOTÁ - O professor universitário e ambientalista Manuel Rodríguez Becerra afirma que para deter o desmatamento da Amazônia colombiana é preciso que as autoridades tenham a percepção que é “preciso haver mais presença do Estado, desenvolvendo educação, saúde, criando oportunidades de emprego”. “Deter o desmatamento implica em um investimento milionário e não apenas enviar um grupo com helicópteros e policiais”, disse o criador do Ministério da Saúde da Colômbia e ex-titular da pasta ao Estadão.
Segundo ele, a disputa por território naquela região envolve narcotraficantes, mas também grandes empresários que desmatam áreas para a criação de gado, que recebem dinheiro dos traficantes e de mineradores ilegais.
Como está a situação de segurança na Amazônia colombiana?
Uma parte importante da Amazônia é uma região de disputa entre grupos armados, ex-paramilitares, dissidências das guerrilhas e outros grupos narcotraficantes, isso com muita debilidade do Estado. Digamos que há uma disputa pelo território, como em Guaviare. A situação de segurança é tão grave que em boa parte dos parques nacionais, os funcionários não podem estar presentes. A intenção desses grupos armados é tomar o território, desmatar e abrir grandes áreas para fazendas de gado. Hoje, grande parte do desmatamento ocorre por conta da criação de gado por empresários criminosos financiados pelo dinheiro do narcotráfico ilegal e mineração ilegal.
Como avalia as ações do governo do presidente Iván Duque nessa área?
Duque tem um discurso no mundo de que é o líder da América Latina que melhor trata a questão da mudança ambiental, mas quando se olha os dados isso está longe da realidade. O indicador de desenvolvimento ambiental Environmental Performance Index, é publicado há 20 anos a cada 2 anos. Colômbia, nas últimas 8 edições aparece como o segundo país em melhor desempenho ambiental na América Latina. Agora, passou ao posto 20 e isso ocorreu neste governo. Duque se comprometeu a diminuir o desmatamento, mas isso já não ocorre. Segundo estimativas, o desmatamento nesses 4 anos foi de 650 mil hectares, ou seja, não diminuiu nada.
E sobre a situação dos líderes sociais e indígenas que vivem na região?
Muitas mortes de líderes ambientais, não só aqui, mas também na Costa Pacífica, em Cauca, estão relacionadas ao narcotráfico. Os líderes acabam sendo obstáculos para atividades de narcotraficantes, donos de plantações ilegais, para a atividade nos corredores onde saem as drogas para o exterior. Colômbia é um país que continua enrolado com o narcotráfico, isso é uma tragédia e afeta todas as atividades desse país.
Como vê a situação do Acordo de Escazú?
O Acordo de Escazú não foi aprovado no Congresso em razão da oposição do setor privado, com argumentos falsos de que o tratado infringe a soberania nacional e terceiras partes poderão intervir no ambiente. O acordo está muito alinhado com a visão internacional sobre a necessidade de dar muito mais poder às organizações de base e ongs em temas ambientais para resolver as crises ambientais. E muito não se resolve por conta da captura por parte do setor privado ao Estado, sem deixar avançar a luta pela mudança climática e o desmatamento.
Como vê as propostas dos dois candidatos à presidência para o tema de meio ambiente?
As melhores propostas são do candidato (Gustavo) Petro, mas acredito pouco nelas e isso não quer dizer que vou votar nele. Não sei nem se votaria em branco. Há 30 anos acompanho a política ambiental de todos os presidentes. O fenômeno é que alguns candidatos chegam à presidência com boas promessas, os presidentes fazem promessas, mas depois não conseguem implementar. Petro mesmo fez um plano ambiental para Bogotá muito bom, mas não cumpriu nem um terço dele quando era prefeito. Além disso, deter o desmatamento implica em um investimento milionário e não apenas enviar um grupo com helicópteros e policiais. É preciso haver mais presença do Estado, desenvolvendo educação, saúde, criando oportunidades de emprego. E os recursos para isso não existem. O déficit fiscal que o novo presidente vai enfrentar é muito alto e isso impede que tais promessas sejam cumpridas.
Como vê a atuação do presidente Bolsonaro com relação à Amazônia?
Desde que Bolsonaro chegou ao governo, reeditou o que foi a política militar sobre a região Amazônica dos anos 1970, uma política muito influenciada por governos militares e ditaduras. A posição forte era que a Amazônia era destinada ao desenvolvimento do Brasil. Bolsonaro está reeditando essa política e todos os anúncios que faz, que a floresta se destina ao desenvolvimento da Amazônia brasileira, que as reivindicações indígenas eram exageradas, mostram isso.
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