PHOENIX (ARIZONA) E MIAMI (FLÓRIDA), EUA - Com um ônibus com um feto estampado na lateral acompanhado de frases como “45% dos bebês abortados no Arizona são hispânicos”, Mayra Rodriguez tem percorrido o estado em uma campanha contra a Proposta 139. Nesta terça-feira, 5, quando os eleitores do Arizona forem às urnas, além de votarem para a Presidência dos Estados Unidos, também vão dizer se querem ou não por fim à lei que limita o acesso ao aborto no estado.
De origem mexicana, Rodriguez vive nos Estados Unidos há 30 anos. Chegou como técnica de laboratório e, no início dos anos 2000, começou a trabalhar na Planned Parenthood, uma ONG que oferece cuidados de saúde reprodutiva, incluindo acesso ao aborto. Por 17 anos, atuou promovendo o uso de pílulas como método contraceptivo, até passar para a coordenação da área responsável por interrupções de gravidez de uma clínica da organização.
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“Foi quando comecei a ver que muita coisa não estava certa nos abortos”, diz. Rodriguez afirma que denunciou médicos que não notificavam casos que tinham complicações e, por isso, foi demitida. Ela acabou processando a Planned Parenthood e venceu o caso.
“Eu pensava que abortos eram feitos em casos de emergência. Em 90% dos casos, era porque as mulheres simplesmente não queriam ser mães. Testemunhei mulheres pedindo aborto por qualquer motivo, porque queriam caber em seus vestidos ou porque tinham acabado de fazer plástica e iam perder o resultado da cirurgia”, diz Rodriguez. “Lembro de uma mulher que esqueceu de tomar pílula e, por isso, precisava abortar.”
Rodriguez trabalha hoje em organizações que atuam contra o aborto, como a Moms for Arizona, da qual é diretora. Através dessas entidades, levantou recursos para fazer a campanha contra a Proposta 139. O material da campanha afirma que a proposta “permite o aborto até o nascimento”.
O texto da proposta, no entanto, diz que o aborto é um “direito fundamental antes da viabilidade fetal” e classifica viabilidade fetal como “o ponto na gravidez em que, de acordo com o julgamento de boa-fé de um profissional de saúde responsável, o feto tem uma chance significativa de sobrevivência fora do útero”. Questionada sobre o assunto, Rodriguez apresentou um documento da campanha que afirma que a proposta garante exceções para o aborto em casos de gestação mais avançada se a saúde física ou mental da mulher estiver em risco. Segundo esse documento, os termos usados para definir esse risco são vagos.
Além da Proposta 139, outras dez relacionadas ao direito ao aborto em nove estados americanos estão nas cédulas hoje. Como a do Arizona, nove dessas propostas estão focadas em restaurar direitos (nos estados de Missouri, Flórida, Montana, Nevada, Dakota do Sul, Maryland e Colorado). Em Nova York, estará em votação uma proposta que amplia as leis anti-discriminação no acesso à saúde reprodutiva e, no Nebraska, há duas em direções opostas, uma que proíbe o aborto após o primeiro trimestre e outra que o viabiliza.
As várias propostas relacionadas ao direito de interrupção de gravidez surgiram como resposta à revogação, em 2022, pela Suprema Corte dos Estados Unidos, do direito constitucional de 49 anos ao aborto. Com essa decisão, cada estado americano passou a estabelecer sua própria lei sobre o tema. Desde então, 13 estados baniram completamente o aborto, enquanto outros oito impuseram restrições ao procedimento, que variam de proibição após seis semanas de gravidez até 18 semanas.
Na Flórida, por exemplo, a interrupção da gravidez hoje é permitida até a sexta semana de gestação. Para a proposta que amplia o direito ao aborto ir à votação no estado, movimentos que defendem o procedimento juntaram 1,2 milhão de assinaturas. Eram necessárias 900 mil. Dos signatários, 250 mil são republicanos, de acordo com Daniela Martins, vice-presidente da Women’s Emergency Network (WEN), uma organização que auxilia pessoas a obter acesso ao aborto no estado.
Agora, a proposta precisa de 60% dos votos para ser aprovada – na maioria dos estados, entretanto, esse número é de mais de 50%. “A Flórida, que já é um estado bastante republicano, ainda precisa chegar a 60%. Mas estamos vendo essa questão cruzando linhas partidárias. Então, achamos provável que muita gente que vai votar no (candidato republicano à Presidência, Donald) Trump acabe votando pela proteção ao aborto”, diz Martins.
Diretora do Tampa Bay Abortion Fund (organização que dá apoio a mulheres que querem interromper a gravidez na cidade de Tampa, na Flórida), Bree Wallace também afirma acreditar que a proposta no estado deve ser aprovada, o que restauraria o acesso ao aborto após seis semanas de gravidez.
Ela diz, entretanto, achar que o governo do estado, liderado pelo republicano Ron DeSantis, tentará criar novas barreiras no acesso ao aborto. “O governo da Flórida é muito complicado. Acredito que eles vão tentar fazer tudo que puderem para garantir que isso não avance de fato.”
Segundo Wallace, o Tampa Bay Abortion Fund ajuda mensalmente de 200 a 300 mulheres a interromperem a gravidez – número que não se alterou desde que a lei se tornou mais severa no estado.
A repórter viajou como bolsista do World Press Institute (WPI)
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