O Dia Internacional da Mulher foi estabelecido há mais de um século, mas ganhou impulso nos anos recentes graças à sua preponderante “hashtagbilidade”.
O que começou como manifestações socialistas evoluiu para um feriado oficial em diversos países, uma data em que as Nações Unidas marcam os direitos das mulheres e a paz mundial e, também, uma oportunidade de marketing para bonecas Barbie, cosméticos e cervejas (culpa do capitalismo).
Em honra às raízes mais igualitárias do feriado, leia as histórias de algumas mulheres comuns que se uniram para protestar, se rebelar e, em alguns casos, se insurgir com violência.
The Edenton Tea Party (Carolina do Norte)
Você provavelmente já ouviu algo sobre a Festa do Chá de Boston, quando colonizadores americanos jogaram pacotes de chá no mar para protestar contra um imposto da coroa britânica. Mas você sabia que houve uma outra festa do chá, liderada por mulheres, poucos meses depois? Em 25 de outubro de 1774, Penelope Barker mobilizou 50 mulheres para protestar contra a Lei do Chá em Edenton, Carolina do Norte.
A “festa do chá” delas provavelmente não foi mais que assinar uma carta com palavras fortes e prometer parar de tomar chá, mas aparentemente foi suficiente para criar alvoroço na Inglaterra. De fato, o único registro contemporâneo remanescente do evento é dos britânicos difamando-o, incluindo a imagem satírica reproduzida abaixo retratando as mulheres bastante rudemente.
A Marcha das Mulheres sobre Versalhes (França)
No início da Revolução Francesa — após a queda da Bastilha mas muito antes de todas aquelas cabeças começarem a rolar — as mulheres francesas tiveram seu momento.
Enfurecidas em razão dos preços altos e da falta de pão nos mercados, elas começaram um protesto violento, invadindo o arsenal em busca de armamentos e, juntamente com homens revolucionários que se juntaram a elas, marchando sobre o Palácio de Versailles.
O grupo chegou na madrugada de 6 de outubro de 1789, invadiu o quarto o rei Luis XVI e o “acompanhou”, contra sua vontade, até Paris. E a monarquia independente da França acabou.
Petições pelo sufrágio feminino (Nova Zelândia)
Em 1891, quando um projeto de lei que daria às mulheres direito ao voto surgiu no Parlamento da Nova Zelândia, ativistas defensoras do sufrágio feminino espalharam petições pelo país em apoio à legislação. Nove mil mulheres assinaram. A lei foi aprovada na Câmara Baixa, mas acabou derrotada no Conselho Legislativo, a Câmara Alta. No ano seguinte, o projeto tramitou novamente. Dessa vez, 20 mil mulheres assinaram as petições, mas a lei foi derrotada novamente no Conselho Legislativo. Então, em 1893, o projeto foi apresentado pela terceira vez; e 32 mil mulheres — um quarto de todas as mulheres de origem europeia na Nova Zelândia — assinaram petições que foram entregues ao Parlamento.
Após a lei ser aprovada na Câmara Baixa, as sufragistas organizaram manifestações enormes e enviaram enxurradas de telegramas para persuadir os membros do Conselho Legislativo. Funcionou: a legislação foi aprovada por 20 votos a favor e 18 contra — e o governador colonial a sancionou, tornando a Nova Zelândia o primeiro país autogovernado a permitir o voto das mulheres. (Para mulheres brancas e maori; em razão de uma exigência de nacionalidade, mulheres imigrantes de origem chinesa foram excluídas.)
A Marcha por Pão e Paz (Rússia)
Apesar de mulheres socialistas nos Estados Unidos e na Europa já estarem fazendo manifestações pelo “Dia Internacional da Mulher” havia vários anos, as mulheres russas levaram o movimento para um novo nível em 1917. Em 8 de março daquele ano (ainda fevereiro no calendário russo), as trabalhadoras da indústria têxtil entraram em greve na capital exigindo o fim da 1.ª Guerra, o fim da escassez de alimentos e o fim do regime czarista.
Elas convidaram os homens que trabalhavam nas fábricas para se juntar ao movimento e, de acordo com o revolucionário Leon Trótski, 90 mil pessoas aderiram à greve naquele dia. No dia seguinte, o dobro. O czar abdicou menos de uma semana depois. As Nações Unidas celebram o Dia Internacional das Mulheres em 8 de março desde 1975.
A Revolta das Mulheres de Abeokuta (Nigéria colonial)
Hoje Abeokuta é uma cidade na Nigéria, mas na década de 40, era uma cidade-Estado controlada pelas autoridades coloniais britânicas por meio de um alake (rei) fantoche natural da região. Lá, uma mulher chamada Funmilayo Ransome-Kuti começou um “clube de damas” para mulheres cultas e educadas, como ela. Mas logo Kuti e seu clube se juntaram às vendedoras do mercado, de quem eram cobrados impostos injustos.
Em uma luta prolongada, dezenas de milhares de mulheres marcharam, entoaram canções ofensivas (leia-se: hilárias) do lado de fora da residência do alake e — de acordo com Hannah Jewell, do Washington Post, em seu livro “She Caused a Riot” (Ela provocou uma revolução) — foram despidas e espancadas por autoridades do sexo masculino que se opunham a elas.
Algumas mulheres mais velhas também podem ter empreendido revoluções intermitentes. Levou tempo, mas funcionou; os impostos foram retirados, e o alake abdicou e partiu para o exílio. (E se esse sobrenome, Kuti, lhe soa familiar, saiba: Funmilayo era sim mãe do lendário músico Fela Kuti.)
A Marcha das Mulheres (África do Sul)
Houve muitas coisas horríveis a respeito do regime do apartheid. Uma das piores foi a “lei do passe”, que proibia homens negros de se movimentar livremente pelo país sem autorização. Em 1952, o governo manobrou para implementar a lei do passe sobre as mulheres, também, ocasionando protestos. Em 9 de agosto de 1956, aproximadamente 20 mil mulheres se reuniram em uma manifestação na capital, Pretória.
Foi um protesto marcadamente multirracial em um país em que era proibido misturar raças. As líderes entregaram para o governo petições contra as leis de passe e então se juntaram à multidão em uma manifestação silenciosa, de quase meia hora, antes de todas começarem a cantar. A expressão “Quando atacam uma mulher, colidem contra uma rocha” se origina desse momento. Atualmente, o 9 de agosto é reconhecido como Dia das Mulheres na África do Sul.
A Greve das Mulheres (Islândia)
Em 24 de outubro de 1975, 90% (!!!) das mulheres da Islândia não foram trabalhar para protestar contra sexismo e desigualdade. Escolas, lojas e fábricas fecharam, de acordo com o Arquivo Histórico Islandês das Mulheres. As donas de casa também foram às ruas, obrigando muitos homens a ligar para o escritório dizendo que estavam doentes ou levar os filhos para o trabalho. (“Alguns homens ainda falam da ‘longa sexta-feira’”, diz o arquivo.)
As coisas melhoraram desde então: O Fórum Econômico Mundial declarou a Islândia o país com menos desigualdade entre gêneros no planeta 12 anos consecutivos. Recentemente, as mulheres islandesas têm usado o aniversário do “dia de folga” para protestar contra a continuada desigualdade salarial, parando de trabalhar em um momento do dia proporcional à disparidade de ganhos em relação aos homens. Em 2018, as mulheres ganhavam o equivalente a 76% da média salarial dos homens, portanto, elas pararam de trabalhar às 14h55 no protesto daquele ano. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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