Era uma farsa? Era uma mentira? O presidente estava mais doente do que alegou — ou não estava nada doente? (O que significa dizer "sintomas leves", e como isso é diferente de "moderados"?) Havia alguma forma de que essa notícia alarmante fosse um truque ultra-cínico?
Ao acordar na sexta-feira 2, com a impressionante notícia de que o presidente dos Estados Unidos havia testado positivo para a covid-19 depois de meses minimizando o vírus, alguns americanos tiveram uma reação semelhante: talvez isso não seja verdade. "Eu não acredito", disse Anthony Collier, um caminhoneiro de Atlanta. "É como se ele estivesse tentando ganhar simpatia".
Não há evidências, é claro, que apoiem a opinião de que Trump e sua mulher, Melania, não estejam doentes. Quando chegaram as atualizações sobre o quadro do presidente, seguidas da notícia de que ele seria internado, a boataria passou de um ceticismo de que o presidente estivesse doente a dúvidas de que a Casa Branca estivesse sendo franca sobre seu estado de saúde.
Nas redes sociais, em entrevistas, em conversas, as perguntas afluíam o dia inteiro, vindas de pessoas que ouviram tantas coisas contraditórias nos últimos quatro anos — uma onda de realidades conflitantes — que não sabiam mais o que era verdade.
"Não é surpresa que ninguém acredite nele. Chegamos a um ponto em que ninguém acredita em nada", disse Armando Iannucci, satirista político e diretor que criou o programa de TV Veep. "O vírus que ele está espalhando é o vírus de lançar dúvidas sobre qualquer informação factual. Lançar dúvidas sobre a verdade, lançar dúvidas sobre as notícias. Apenas lançar dúvidas, rotular como mentira, dizer que algo não existe até que exista".
A situação não melhorou com as declarações confusas e incompletas que vieram da Casa Branca no início da sexta-feira. Tanto Mark Meadows, chefe de gabinete de Trump, quanto Kayleigh McEnany, secretária de imprensa da Casa Branca, se recusaram a responder à pergunta que tem perseguido cada administração desde a era Nixon: o que o presidente sabia, e quando ele sabia? Quando ele descobriu, por exemplo, que Hope Hicks, a assistente com quem esteve em estreito contato durante toda a semana, havia testado positivo para a covid-19?
"Não vou entrar em uma linha do tempo exata", disse McEnany à TV Fox News.
Enquanto a bolsa de valores se agitava, o país se inquietava e as teorias se espalhavam, o dr. Scott Atlas, um dos principais conselheiros sobre coronavírus da Casa Branca, declarou à Fox que Trump "faria uma recuperação completa, total e rápida".
Falando de um homem de 74 anos, cuja idade e peso o tornam especialmente vulnerável às complicações da covid-19, que recentemente pareceu ter dificuldades para descer uma rampa e levantar um copo de água na boca, Atlas acrescentou que "ele nunca tinha visto ninguém com mais energia e mais vigor, em nenhuma idade".
Essa observação fez com que o âncora da Fox Chris Wallace, que moderou o caótico debate presidencial no início desta semana, interrompesse a fala de Atlas com uma advertência inesperada: não prestem atenção ao homem em frente à câmera.
"Pessoal", disse Wallace, sua voz embargada com exasperação. "Vou dizer algo, e só estou tentando falar a verdade. O dr. Scott Atlas não é epidemiologista, não é especialista em doenças infecciosas. Há uma série de pessoas no topo da força-tarefa presidencial sobre coronavírus que têm tido sérias preocupações sobre Scott Atlas e sua boa fé científica".
Wallace afirmou que, ainda que a Casa Branca e seus conselheiros políticos possam "tentar minimizar" a covid-19 por razões políticas, os telespectadores deveriam se lembrar que o coronavírus é imprevisível e Atlas não tem ideia do que vai acontecer. "Ele não pode saber, porque o presidente está nos estágios iniciais da doença", disse Wallace.
De fato, várias horas depois da entrevista com Atlas, a Casa Branca anunciou que Trump seria levado para o hospital Walter Reed. No rescaldo imediato da divulgação sobre o presidente, mesmo autoridades geralmente sóbrias se tornaram teóricos da conspiração.
O deputado Don Beyer, democrata da Virgínia, disse que não duvidava da condição de saúde do presidente. Mas então acrescentou: "Eu não ficaria surpreso ao saber que essa foi uma manobra política para tirar a atenção das declarações de impostos e da supremacia branca".
James Zogby, presidente do Instituto Árabe-Americano em Washington, se viu intrigado por sua própria montanha-russa de emoções. Como muitos democratas ainda abalados com as eleições de 2016, sua mente foi diretamente questionada sobre a vantagem política que Trump ganharia ao adoecer.
"Em uma situação normal, diríamos: 'Meu Deus, o presidente está doente'", disse ele. "Mas o que estamos fazendo são mais perguntas sobre se é verdade, se ele está armando um jogo e como ele está fazendo isso. É bastante angustiante".
Para os partidários de Trump que passaram os últimos sete meses menosprezando a gravidade do vírus, argumentando que o país deveria reabrir e reclamando das máscaras, a notícia de sexta-feira sobre o diagnóstico positivo foi rapidamente seguida por um novo sentimento: ultraje de que qualquer um possa questionar a palavra do presidente.
"Acho que as pessoas acreditam nele de olhos fechados", disse o ex-deputado Sean Duffy, do Wisconsin, que foi um dos oradores no comício de Trump no mês passado, em Mosinee. "O que quer que você queira dizer sobre o presidente, ele é um cara muito aberto e franco".
Juliana Bergeron, membro do Comitê Nacional Republicano de New Hampshire, acrescentou: "Achei que todos iriam acreditar nisso. Ele mesmo tuitou, certo?" /THE NEW YORK TIMES
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