A conversa de segunda-feira, 30, entre Jair Bolsonaro e Alberto Fernández só foi possível graças a uma intensa negociação iniciada pela Casa Rosada. O embaixador argentino em Brasília, Daniel Scioli, que permaneceu na Argentina até agosto, período mais crítico da pandemia, foi peça-chave no processo. Antes, a coordenação entre os dois passava pelos líderes da Câmara dos Deputado de ambos os países, Rodrigo Maia e Sergio Massa.
Eduardo Bolsonaro, que é presidente da Comissão de Assuntos Exteriores da Câmara dos Deputados, jantou com Scioli no dia 19, na casa do secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, almirante Flávio Rocha.
O embaixador argentino confirmou que as negociações tiveram início ali. “Eu transmiti a eles que existia a disposição de Alberto (Fernández) em concretizar um encontro – e me disseram também haver uma predisposição de Bolsonaro. Pelas características deste momento, optou-se pela alternativa virtual”, disse Scioli ao Estadão.
O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, também esteve presente no primeiro encontro. Com exceção de Eduardo, todos participaram da conversa de segunda-feira – que também contou com a presença do chanceler argentino, Felipe Solá. Um fator que poderia ter ajudado a quebrar o gelo é o afastamento de Fernández, visto como um líder de centro-esquerda, de sua vice-presidente, Cristina Kirchner, que representa uma ala mais radical do peronismo.
Durante a campanha presidencial, Fernández visitou o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que estava preso em Curitiba, além de tê-lo citado no discurso da vitória. A relação com Bolsonaro, que já não prometia ser fácil em função das diferenças ideológicas, ficou ainda mais complicada.
Bolsonaro respondeu pedindo respeito à soberania nacional. À cerimônia de posse de Fernández, o brasileiro enviou o vice-presidente, Hamilton Mourão. A ausência de um presidente brasileiro na posse do líder argentino não ocorria havia 30 anos.
Desde então, as críticas de Bolsonaro ao governo argentino foram recorrentes, sempre comparando o país com a Venezuela. Em maio, o brasileiro pediu à imprensa que comparasse os números de covid-19 nos dois países de forma proporcional à população – e não em números absolutos. Na ocasião, o Brasil registrava 13.240 mortes, enquanto o país vizinho havia confirmado apenas 329, de acordo com dados compilados pela Universidade Johns Hopkins. Pelos números atuais, a taxa de mortes por 1 milhão de habitantes na Argentina é de 854 – a 8.ª pior no mundo – e a do Brasil é de 812 – a 13.ª em todo o planeta.
Recentemente, porém, os dois países iniciaram uma cooperação pela qual o Brasil permitiu a exportação para a Argentina de Midazolam, um insumo fundamental para o tratamento de pacientes com coronavírus em estado grave.
Segundo o comunicado argentino, o encontro de ontem seria fruto do diálogo e do trabalho sustentado de coordenação política que os dois países vêm desenvolvendo nos últimos meses, que resultou no crescimento do comércio bilateral, a ponto do Brasil mais uma vez se posicionar como o principal parceiro comercial da Argentina.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), órgão vinculado ao Ministério da Economia e Finanças Públicas da Argentina, em agosto, as exportações brasileiras somaram US$ 777 milhões, ante US$ 604 milhões exportados pelos chineses.
Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), em outubro, o superávit da balança comercial em favor do Brasil foi de US$ 5,5 bilhões, o que elevou o saldo positivo para US$ 47,4 bilhões no acumulado dos dez primeiros meses do ano.
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