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Dificuldade em negociar crise na Venezuela evidencia fracasso de agenda de Lula para região

Governo tenta se posicionar como mediador, mas vias institucionais que o Brasil defende para solucionar a crise são controladas por Nicolás Maduro e não devem ser aceitas pela oposição

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Foto do author Jéssica Petrovna

O governo Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta uma encruzilhada na Venezuela. A ditadura de Nicolas Maduro tem ignorado os pedidos de Brasil, Colômbia e México para dar transparência às eleições enquanto sinaliza com o aumento da repressão aos líderes opositores. Essa dificuldade em se apresentar como mediador de fato para o conflito expõe, segundo analistas ouvidos pelo Estadão, as falhas do petista em posicionar o País como liderança na América do Sul, prioridade na sua política externa.

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Tanto Nicolás Maduro como Edmundo González reivindicaram a vitória nas eleições, mas apenas um lado, o da oposição, divulgou documentos que comprovariam a sua versão, as cópias de mais de 80% das atas coletadas por fiscais no dia da votação. O Brasil pede que a autoridade eleitoral venezuelana, controlada pelo chavismo, faça o mesmo, mas o apelo tem sido ignorado.

Passada mais de uma semana da eleição, a divulgação das atas pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) é considerada improvável. Mesmo que isso aconteça, os documentos estarão sob suspeita, com a legitimidade questionada. E as perspectivas de uma saída negociada parecem cada vez mais distantes, com opositores denunciando uma “campanha de terror” da ditadura chavista.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante visita ao Chile.  Foto: Esteban Felix/AP

Os protestos contra o resultado das eleições deixaram pelo menos 24 mortos, denunciam ONGs de direitos humanos. Outras 2.200 pessoas foram presas. Além da repressão aos protestos, há uma investigação aberta contra os líderes da oposição pela carta em que reafirmam a sua vitória e pedem apoio aos militares.

“Pode ocorrer um conflito muito grave”, admitiu o assessor especial do Planalto Celso Amorim nesta quarta-feira, 7, em entrevista à GloboNews, sugerindo que a saída para a crise deve ser negociada. O Brasil busca mediar o diálogo junto à Colômbia e México, mas a posição é delicada e o cenário expõe a dificuldade do País em consolidar a sua liderança regional.

“Liderança não se avoca, se exerce”, defende Hussein Kalout, cientista político, professor de Relações Internacionais e ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Ele reconhece que o presidente Lula tinha consciência da importância da América do Sul para o seu projeto de política externa, mas que o governo falhou ao colocá-lo em prática. Primeiro, ao focar nas guerras na Ucrânia e Faixa de Gaza, conflitos que o Brasil não tem capacidade de mediar. Depois, ao tentar recriar a Unasul, ao invés de apresentar propostas concretas para a região. “É tentar recriar o passado no presente.”

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“O governo deveria ter compreendido o cenário e proposto um novo projeto de integração, um novo projeto para América do Sul liderado pelo Brasil, mas com projetos concretos e tangíveis”, sugere Kalout.

Venezuela ignora pedidos por transparência nas eleições

Uma semana já se passou desde que Lula, Petro e Obrador — todos presidentes de esquerda e próximos a Nicolás Maduro — pediram em nota conjunta que a autoridade eleitoral venezuelana divulgasse rápida e publicamente os dados desagregados por mesa de votação.

“As controvérsias sobre o processo eleitoral devem ser dirimidas pela via institucional”, dizia o texto que apelava por cautela e contenção a fim de evitar a escalada de episódios violentos. Na mesma linha, Lula sugeriu que a oposição deveria recorrer à Justiça para contestar os resultados, ignorando que a mais alta corte da Venezuela é controlada pelo chavismo e nunca emite decisões contrárias ao regime.

Foi Nicolás Maduro quem pediu ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) que faça a auditoria dos votos, processo que a oposição não deve reconhecer. Edmundo González desobedeceu nesta quarta-feira a convocação da corte para certificar os resultados. Ele alegou que colocaria em risco a própria liberdade e a vontade popular expressa nas urnas.

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“Se eu não comparecer incorrerei em responsabilidades legais e que, se eu comparecer e apresentar cópias das atas de votação, também haverá graves responsabilidades criminais”, disse ele referindo-se às declarações de Nicolás Maduro. “Este procedimento é imparcial e respeita o devido processo? Estou condenado antecipadamente?”, questionou.

Ele e María Corina Machado estão sendo investigados pelo Ministério Público, alinhado ao chavismo, pela carta aberta em que pedem apoio aos militares. González assina o documento como presidente eleito da Venezuela.

“O governo teve uma eleição que não serviu para a legitimação que ele buscava porque é uma eleição que todo mundo, dentro e fora da Venezuela, sabe que teve fraude”, afirma Benigno Alarcón Deza, diretor do centro de estudos políticos da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB), da Venezuela. “Se a comunidade internacional não assumir uma posição firme, Nicolás Maduro já decidiu que ele ganhou a eleição e que vai continuar no poder.”

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O Brasil ainda não reconhece resultados e avalia ações para promover o diálogo entre o regime de Nicolás Maduro e a oposição liderada por Edmundo González e María Corina Machado, e discute a possibilidade de um telefonema dos presidentes Lula, Gustavo Petro e Manuel López Obrador com Nicolás Maduro. Depois, o mesmo espaço seria aberto à oposição.

Outra carta sobre a mesa é o envio de ministros das Relações Exteriores dos três países a Caracas. Iniciativa que é visto com certo ceticismo.

“Só pode haver negociação se houver certo nível de pressão internacional. Se estamos esperando que isso ocorra pela boa vontade, não vai acontecer”, avalia Benigno Alarcón Deza. “Enquanto houver pressão internacional e pressão interna, o governo pode ser forçado a negociar. Mas se a ideia for pedir ao governo que coopere, sente na mesa de negociações e chegue a um acordo para resolver a crise no país, acredito sinceramente que isso não vai acontecer”.

Exemplos dessa falta de cooperação não faltam. O chavismo descumpriu as promessas que fez nos acordos de Barbados ao inabilitar opositores e limitar o acesso de observadores internacionais. Mais recentemente, tem ignorado o clamor pela divulgação das atas, que comprovariam os resultados.

À medida em que Nicolás Maduro estica a corda, a posição brasileira fica ainda mais delicada. “O Brasil não tem como reconhecer Maduro abertamente porque tem clara consciência que o processo eleitoral não transcorreu de forma transparente com a devida lisura que requer o processo democrático”, afirma Hussein Kalout.

“Ao mesmo tempo, não pode reconhecer a vitória da oposição, do Edmundo González, porque as instituições venezuelanas reconhecem Nicolás Maduro. Ainda que a autoridade eleitoral seja controlada pelo próprio Maduro, o Brasil não teria como participar do diálogo se reconhecesse a oposição. Estaria se anulando por completo”, pondera.

Os países latino-americanos que subiram o tom com a ditadura e contestaram a vitória de Nicolás Maduro tiveram seus diplomatas expulsos de Caracas. No caso do Peru e da Argentina, coube ao Brasil assumir a representação diplomática e garantir a segurança das embaixadas.

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Mas ainda que o Brasil tente se manter na posição de mediador, as condições para a negociação não estão dadas neste momento. “Não há o que dialogar porque Maduro está no poder e não vai negociar. O máximo que ele pode permitir é um acordo para evitar um banho de sangue. Mas não para uma transição de governo. Essa perspectiva não existe hoje”, conclui Kalout.

Com a sustentação das Forças Armadas, a ditadura tem resistido à pressão internacional e as sanções dos Estados Unidos, intensificadas pelo então presidente Donald Trump em resposta à primeira reeleição contestada de Nicolás Maduro. A oposição até ofereceu garantias ao apelar à “consciência” dos militares, mas o fato é que eles têm muito a perder se abandonarem o chavismo que entregou ao Exército o controle de empresas estratégicas. E a resposta do comando foi uma declaração de “lealdade absoluta” a Maduro.

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