ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO - O G-20 conseguiu chegar a uma declaração final conjunta assinada por seus países integrantes. O texto foi divulgado no início da noite desta segunda-feira, 18. A ameaça do presidente da Argentina, Javier Milei, de não se juntar a um comunicado comum não se concretizou.
O argentino anunciou que fez objeções ao texto de consenso. Elas foram registradas apenas verbalmente, após a adoção do comunicado por todos.
Na interpretação de diplomatas que acompanharam a tratativa, Milei ficou isolado na oposição durante a plenária e percebeu o custo alto perante todos os demais países de barrar a declaração. Então foi construída a saída para que ele pudesse declarar num discurso os motivos por que resistia - e divulgar um comunicado próprio pela Casa Rosada.
Guerras
O capítulo mais delicado do documento é o referente à geopolítica. Havia divergência entre as nações sobre como abordar as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio.
A saída para chegar a um texto de consenso foi não fazer condenações nem à Rússia nem a Israel. Os países voltaram atrás, no entanto, na proposta de não mencionar a palavra “guerra” - uma demanda do bloco mais pró-Rússia - e incluíram o vocábulo no texto. Eles retomaram a linguagem usada no comunicado do G-20 do ano passado, na Índia, que usou o termo guerra - e já poupava Moscou.
Nesta segunda-feira, os países concordaram com duas alterações, em relação ao que foi acertado por diplomatas ao longo dos últimos dias, ambas no bloco relacionado à Ucrânia.
Após pressão do G-7, as nações incluíram uma condenação a ataques à “infraestrutura” dos países. Europeus exigiam uma condenação mais dura à Rússia, com menção específica aos ataques à infraestrutura de energia ucraniana feitos por Moscou no domingo, dia 17.
Também reforçaram os termos dizendo que “especificamente” em relação à guerra na Ucrânia” destacam o “sofrimento humano e os impactos negativos adicionais da guerra no que diz respeito à segurança alimentar e energética global, às cadeias de suprimentos, à estabilidade macrofinanceira, à inflação e ao crescimento”.
Os países também citaram as “iniciativas relevantes e construtivas que apoiem uma paz abrangente, justa e duradoura, sustentando todos os Propósitos e Princípios da Carta da ONU”.
Parte dessas mudanças e resistências foi expressa, notadamente, pela França e pela União Europeia. Houve tentativas de alterar o teor do documento em cima da hora.
No trecho relativo à guerra na Ucrânia, o texto do G-20 diz: “destacamos o sofrimento humano e os impactos negativos adicionais da guerra no que diz respeito à segurança alimentar e energética global, às cadeias de abastecimento, à estabilidade macrofinanceira, à inflação e ao crescimento”. O grupo ainda fala: “saudamos todas as iniciativas relevantes e construtivas que apoiam uma paz abrangente, justa e duradoura, defendendo todos os Propósitos e Princípios da Carta das Nações Unidas para a promoção de relações pacíficas, amigáveis e de boa vizinhança entre as nações”.
Com relação à guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, que tem escalado desde outubro do ano passado e atinge, além de Gaza, o Líbano, os países do G-20 contemplaram pleito dos emergentes - sobretudo árabes e africanos, mas também do Brasil - e incluíram manifestações mais claras de preocupação com a situação. A situação no território palestino é chamada de “catástrofe”.
O grupo destaca “o sofrimento humano e os impactos negativos da guerra”. Eles também falaram no apoio “inabalável” à solução de dois Estados, reforçaram o pedido por assistência humanitária e incluíram “a escalada no Líbano” no documento - mudanças dos últimos dias de debate entre sherpas.
“Expressando a nossa profunda preocupação com a situação humanitária catastrófica na Faixa de Gaza e a escalada no Líbano, enfatizamos a necessidade urgente de expandir o fluxo de ajuda humanitária e reforçar a proteção dos civis e exigir a eliminação de todas as barreiras à prestação de assistência humanitária em grande escala”, diz o texto.
O resultado final foi uma busca de equilíbrio entre os interesses de países desenvolvidos e do Sul Global, G-7 x Brics. Um embaixador europeu afirmou que o documento era não muito duro ao falar da guerra na Ucrânia e mais forte no teor sobre Gaza.
Divergências argentinas
O presidente da Argentina, Javier Milei, assinou com ressalvas a declaração final de líderes do G-20, abrindo espaço para que a cúpula promovida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegue a um entendimento comum. No entanto, Milei não endossou parte do conteúdo e denunciou uma “crise” no sistema multilateral. Ele rejeitou temas ligados ao desenvolvimento sustentável, a Agenda 2030 das Nações Unidas.
Outra oposição do presidente argentino era com a taxação dos super-ricos. Embora o país tenha assinado a declaração ministerial de julho sobre taxação progressiva, nesta cúpula Milei trouxe objeção. A declaração final, no entanto, endossou o texto dos ministros.
“A tributação progressiva é uma das ferramentas chave para reduzir desigualdades domésticas, fortalecer a sustentabilidade fiscal, fomentar a consolidação orçamentária, promover um crescimento forte, sustentável, equilibrado e inclusivo e facilitar a realização dos ODS”, afirma o texto. “Aplaudimos as reformas tributárias domésticas realizadas por vários membros do G-20 para combater as desigualdades e promover sistemas tributários mais justos e progressistas recentemente e reconhecemos que melhorar a mobilização de recursos domésticos é importante para apoiar os ODS.”
A igualdade de gênero também era uma frente de batalha do libertário, que tem buscado ser um porta-voz da agenda anti-woke na América Latina, reflexo das posições de Donald Trump nos EUA.
O documento dos líderes, no entanto, reafirmou o compromisso com o tema. Milei não conseguiu derrubar a menção. “Celebramos a reunião inaugural do Grupo de Trabalho do G-20 para o Empoderamento das Mulheres em 2024 e reafirmamos nosso total comprometimento com a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas. Encorajamos o desenvolvimento liderado por mulheres e promoveremos a participação e liderança plenas, iguais, efetivas e significativas de mulheres em todos os setores e em todos os níveis da economia, o que é crucial para o crescimento do PIB global”, afirma.
Clima
No capítulo sobre clima, os países emergentes venceram a maior frente de batalha das negociações. Países ricos, especialmente europeus, queriam que emergentes, como China e Brasil, dividissem o custo do financiamento climático global. O pleito era considerado inadmissível pelo Brasil e demais países. A divisão como queriam as nações desenvolvidas não foi incluída.
O comunicado dos líderes fala da “necessidade de aumentar a colaboração e o apoio internacionais, incluindo com o objetivo de ampliar o financiamento climático público e privado e o investimento para os países em desenvolvimento”.
“Reiteramos o reconhecimento, na Declaração dos Líderes de Nova Délhi, da necessidade de ampliar rapidamente e substancialmente o financiamento climático, passando de bilhões para trilhões, provenientes de todas as fontes”, diz o texto.
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