O diretor do FBI, Christopher Wray, irritou a diplomacia da China ao afirmar que o novo coronavírus “provavelmente” surgiu a partir de um incidente em um laboratório de Wuhan. A afirmação do diretor foi feita durante uma entrevista à emissora Fox News na terça-feira, 28, em um momento em que o tema que voltou ao centro da política americana, com líderes do Partido Republicano na Câmara pedindo a revisão da resposta do governo à pandemia e agendando uma audiência para investigar as origens do vírus para a próxima semana.
“O FBI há algum tempo avalia que as origens da pandemia são provavelmente um possível incidente em um laboratório em Wuhan”, disse Wray à emissora norte-americana, completando: “O governo chinês, parece-me, tem feito o possível para tentar frustrar e ofuscar o trabalho aqui, o trabalho que estamos fazendo, e isso é lamentável para todos”.
A declaração de Wray segue a linha de um relatório do Departamento de Energia dos EUA, que mudou recentemente seu posicionamento sobre a origem da pandemia de covid-19 e afirmou que o coronavírus se espalhou provavelmente a partir de um vazamento acidental do laboratório de Wuhan. O relatório, mencionado pela primeira vez pelo The Wall Street Journal, não foi divulgado publicamente, e as autoridades em Washington enfatizaram que as agências dos EUA não chegaram a uma conclusão definitiva sobre a origem do vírus.
Entre as nove entidades que investigam a origem da pandemia, a maioria ainda defende a teoria de que o vírus se espalhou naturalmente de animais para humanos. Apenas o FBI concluiu que a causa da pandemia foi um acidente de laboratório, conforme noticiou o The Washington Post.
Mas o relatório foi suficiente para galvanizar os congressistas republicanos, muitos dos quais prometeram aumentar a supervisão sobre o assunto e argumentaram que as autoridades chinesas podem ter encoberto o incidente.
Para Entender
Em uma declaração na manhã desta quarta-feira, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Mao Ning, repreendeu a declaração do diretor do FBI e acusou que o envolvimento da comunidade de inteligência dos EUA na questão do coronavírus seria uma comprovação da politização.
“Ao refazer a teoria do vazamento do laboratório, os EUA não conseguirão desacreditar a China e, em vez disso, apenas prejudicarão sua própria credibilidade”, disse Mao.
“Pedimos aos EUA que respeitem a ciência e os fatos... parem de transformar o rastreamento de origem em algo sobre política e inteligência e parem de interromper a solidariedade social e a cooperação de origem”, disse ela.
Um grupo de especialistas da Organização Mundial da Saúde disse no ano passado que ainda faltavam “peças-chave de dados” para explicar como a pandemia começou. Os cientistas citaram caminhos de pesquisa necessários, incluindo estudos avaliando o papel de animais selvagens e estudos ambientais em locais onde o vírus pode ter se espalhado pela primeira vez.
O debate sobre a origem da covid-19 não teve repercussão apenas na política interna americana, mas também aprofundou as tensões entre os países, que são rivais estratégicos em uma série de disputas no cenário internacional ― e potencializada nas últimas semanas pelos incidentes envolvendo os balões espiões chineses sobrevoando o espaço aéreo americano e a ameaça de que Pequim pudesse ter uma participação mais ativa na guerra da Ucrânia, assumindo uma posição pró-Rússia.
Uma disputa ativa entre os países tem sido por influência nos arredores da Rússia e na Ásia Central, para onde a cúpula das diplomacias chinesa e americana voltaram a atenção. O secretário de Estado dos EUA, Antony J. Blinken, viajou nesta terça-feira para o Casaquistão, em uma tentativa de conter a expansão chinesa ― e também da Rússia ― sobre as nações da região.
Em paralelo, o presidente chinês, Xi Jinping, recebeu o apoio para o seu plano de paz para a guerra na Ucrânia ― apontado pelos EUA como uma solução pró-Rússia ― do líder de Belarus, Alexander Lukashenko, que fez uma visita oficial a Pequim e afirmou que Washington tentava provocar sentimentos anti-chineses na Europa.
Pela análise americana, a visita do líder de um dos estados clientes de Moscou é apenas mais um sinal dos crescentes laços da China com o Kremlin, e seu apoio ao lado da Rússia no conflito na Ucrânia. “O fato da República Popular da China estar se envolvendo agora com Lukashenko, que, de fato, cedeu sua própria soberania à Rússia, é apenas mais um elemento do aprofundamento do envolvimento do país”, disse Ned Price, porta -voz do Departamento de Estado, na segunda-feira, referindo-se à visita que já estava anunciada./ WPOST, AP e NYT
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