WASHINGTON - O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou no seu primeiro discurso do Estado da União para uma Câmara dos Representantes controlada pelo Partido Republicano que a democracia americana “permanece inflexível e inabalada”, pediu união para “reconstruir a América” e enalteceu a geração de empregos do país.
“Dois anos atrás, nossa democracia enfrentou sua maior ameaça desde a Guerra Civil”, o presidente disse, em referência à invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. “Hoje, embora machucada, nossa democracia permanece inflexível e inabalada.”
“As pessoas nos enviaram uma mensagem clara. Lutar por lutar, poder pelo poder, conflito pelo conflito, não nos leva a lugar nenhum. E essa sempre foi minha visão para o país: restaurar a alma da nação, reconstruir a espinha dorsal da América, a classe média, para unir o país”, acrescentou.
No discurso, Biden também reivindicou crédito para políticas públicas que, segundo ele, tornaram o país mais seguro, mais próspero e menos dividido, e falou sobre a necessidade de taxar os mais ricos do país para diminuir a desigualdade. “Nenhum bilionário deve pagar uma taxa de imposto menor do que um professor ou um bombeiro”, declarou.
O discurso anual ocorre enquanto a nação luta para entender as confusas correntes cruzadas em casa e no exterior - incerteza econômica, uma guerra cansativa na Ucrânia, tensões crescentes com a China e muito mais - e cautelosamente avalia a aptidão de Biden para uma provável tentativa de reeleição em 2024, que ele deve anunciar nos próximos meses.
Apesar das preocupações externas, o presidente não fez nenhum pedido específico à Câmara para dar continuidade a estas pautas. Em contrapartida, houve pedidos de colaboração e união para o tema da economia e da segurança pública.
Falando no meio de seu mandato, Biden tenta tranquilizar uma nação que emergiu da pandemia de covid-19 com o desemprego em sua taxa mais baixa em meio século, mas preços em alta persistente e ansiedade contínua sobre o futuro.
A intenção do presidente é continuar o caminho que ele estabeleceu: impostos mais altos para os ricos, maior ajuda aos necessitados, foco determinado na equidade e mais investimento do governo em saúde, mudança climática e infraestrutura. Biden teve a ovação dos presentes, incluindo republicanos, quando citou a maioria desses temas e recebeu vaias quando criticou o ex-presidente Donald Trump e parte dos republicanos.
Entre os convidados pela Casa Branca que estavam sentados com a primeira-dama Jill Biden estavam a família de Tyre Nichols, espancado e assassinado por cinco policiais em Memphis no fim de janeiro. Biden citou o caso para conclamar uma reforma na segurança pública americana. “Vamos nos unir para terminar o trabalho de reforma da polícia”, disse Biden. “Façam alguma coisa. Façam alguma coisa.”
Também estavam presentes entre os convidados os pais de uma menina de 3 anos que tem uma forma rara de câncer, o vocalista do U2, Bono Vox, e Brandon Tsay, que desarmou o atirador acusado em um ataque em massa no mês passado na Califórnia.
Empregos
O presidente americano começou o discurso do Estado da União destacando a geração de empregos nos Estados Unidos, que atingiu a menor taxa em meio século, apesar do custo de vida dos americanos aumentar devido à inflação.
“Estou aqui esta noite, depois de criarmos, com a ajuda de muitas pessoas nesta sala, 12 milhões de novos empregos – mais empregos criados em dois anos do que qualquer presidente já criou em quatro anos”, declarou Biden.
“Somos o único país que emergiu de cada crise mais forte do que quando entramos nela. É isso que estamos fazendo novamente”, continuou, antes de exaltar a recuperação econômica após a pandemia. “Os empregos estão voltando. O orgulho está voltando, por causa das escolhas que fizemos nos últimos anos.”
Impostos sobre ricos e gastos públicos
Biden também reiterou a disposição em cobrar impostos sobre os mais ricos do país e foi ovacionado pelos democratas e criticou a indústria farmacêutica e os bilionários, além das empresas de petróleo. O presidente americano acusou os empresários de enriquecerem as empresas com o aumento do preço para consumidores vulneráveis, como portadores de diabetes.
Ao citar os impostos, o presidente falou sobre a disparidade entre o que é pago pela classe média americana e os mais ricos. “Nenhum bilionário deve pagar uma taxa de imposto menor do que um professor ou um bombeiro”, declarou.
Em outro trecho do discurso, o presidente aumentou os apelos para que os congressistas fortaleçam políticas por faculdades comunitárias gratuitas, jardim de infância universal e salários mais altos para professores de escolas públicas e pediu créditos fiscais expandidos para os pais e apoio para pessoas que compram medicamentos através da Lei de Cuidados Acessíveis.
Ele também prometeu contas de serviços públicos mais baixas pela Lei de Redução da Inflação do ano passado e elogiou os pontos da lei que exigem o pagamento do fortalecimento da rede elétrica e pela reconstrução de estradas “finalmente fazendo com que as maiores e mais ricas (empresas) comecem a pagar a parte que é justa”.
Mudanças climáticas
O discurso de Biden também chamou atenção para os lucros recordes colhidos pela indústria do petróleo, apesar de uma crise climática cada vez mais urgente. Ele citou uma série de tragédias climáticas recentes nos Estados Unidos, como as enchentes que atingiram a Califórnia em janeiro, e voltou a pedir união. “A crise climática não se importa se as pessoas estão em um estado vermelho (republicano) ou azul (democrata)’. É uma ameaça existencial”, declarou.
Violência
Após pedir que os presentes imaginassem “a dor de perder um filho para a lei”, Biden pediu reformas na polícia dos Estados Unidos para acabar com a violência policial. “Quando policiais ou departamentos violam a confiança do público, devemos responsabilizá-los”, declarou.
A presença da família de Tyre Nichols foi mencionada pelo presidente quando o foco foi a violência policial. Eles apareceram visivelmente abalados e receberam aplausos. A presença de pais enlutados não é rara em discursos como o desta terça-feira. Em 2018, os pais de Otto Warmbier, preso e morto na Coreia do Norte, estavam no discurso do Estado da União de Donald Trump.
Crise migratória
Biden pediu a aprovação de créditos para aumentar a segurança na fronteira, mas não foi além para exigir uma reforma abrangente na questão da imigração – um tema que enfrenta resistência em uma Câmara de maioria republicana.
Tensões com a China
Apesar da crise recente pelo balão de espionagem chinês detectado pelos Estados Unidos, Biden citou o episódio rapidamente e deixou o recado à China de que se a soberania americana for atacada haverá uma resposta. “Como deixamos claro na semana passada: se a China ameaçar nossa soberania, agiremos para proteger nosso país”, declarou.
O presidente também traçou uma diferença entre a política externa de seu governo com relação à China e a do antecessor, Donald Trump. “Saímos de lidar com a China como um conflito para lidar como uma competição”, disse.
Guerra na Ucrânia
Biden abriu o tópico sobre a Ucrânia relembrando o compromisso dos Estados Unidos há um ano de ser contra a invasão da Rússia no país. “Um ano depois, sabemos a resposta: sim, nós somos (contra a invasão). E nós agimos”, declarou diretamente para a embaixadora da Ucrânia nos EUA, que presenciou o discurso. Ele também reiterou o apoio ao país “pelo tempo que for necessário”.
O presidente também exaltou a construção de uma aliança para se opor à Rússia durante a guerra. “Unimos a Otan e construímos uma coalizão global”, disse.
Biden não ofereceu detalhes sobre ajuda adicional à Ucrânia. Em um ano de guerra, os Estados Unidos enviou US$ 29,3 bilhões (R$ 152 bilhões) em dinheiro e equipamentos para as forças da Ucrânia, sendo absolutamente importantes na campanha militar contra os russos.
Vaias republicanas
Biden foi vaiado por deputados republicanos quando citou o aumento da dívida pública dos EUA durante o governo de Donald Trump e em seguida criticou a posição de alguns republicanos em relação ao programa de assistência médica (Medicare) e a Previdência Social. “Alguns republicanos querem que o Medicare e a Previdência acabem do dia para a noite. Não digo que é uma maioria”, disse.
Parte dos deputados gritaram “mentiroso” ao ouvir as críticas do presidente e afirmaram que o que ele estava falando era “besteira”. “Alguns dos meus amigos republicanos querem fazer a economia de refém a não ser que eu concorde com os planos econômicos deles”, disse Biden, prosseguindo com o discurso.
Resposta republicana
A governadora do Arkansas, Sarah Sanders, que ganhou notoriedade como secretária de imprensa do ex-presidente Donald Trump, deu a resposta republicana ao discurso de Biden destacando críticas a questões sociais, incluindo educação, raça e políticas voltadas a grande empresas de tecnologia.
“Enquanto você colhe as consequências de seus fracassos, o governo Biden parece mais interessado em fantasias do que na dura realidade que os americanos enfrentam todos os dias”, disse ela. “A maioria dos americanos simplesmente quer viver suas vidas em liberdade e paz, mas estamos sob ataque em uma guerra cultural de esquerda que não começamos e nunca quisemos lutar.”
Viagens
Biden deixa Washington após o discurso do Estado da União para vender sua agenda política enquanto se prepara para anunciar uma campanha de reeleição nos próximos meses.
Nesta quarta-feira, Biden viajará para Madison, Wisconsin, para um evento em que destacará o crescimento de empregos mais forte do que o esperado desde que assumiu o cargo e como os efeitos da pandemia de coronavírus estão diminuindo.
Em particular, funcionários da Casa Branca disseram que o presidente se concentraria em Wisconsin em “como seu plano econômico está criando empregos bem remunerados e fornecendo resultados reais para o povo americano”.
Essa mensagem foi reforçada na semana passada por dados mostrando que as empresas americanas criaram mais de 500 mil novas vagas em janeiro, um aumento muito maior do que os economistas esperavam. As autoridades disseram que as boas notícias econômicas farão parte de muitos dos eventos futuros de Biden.
Mas, além de destacar seu próprio histórico, Biden também está focado em ressaltar o que ele diz ser o perigo de entregar as chaves da Casa Branca aos republicanos.
Na quinta-feira, ele viajará para Tampa, na Flórida, onde tentará traçar um contraste entre sua própria agenda e a dos republicanos quando se trata do futuro da Seguridade Social e do Medicare.
Biden e seus assessores acusaram repetidamente os republicanos de querer cortar ambos os programas da rede de segurança social. O presidente aponta para comentários de republicanos que insistem que grandes cortes de gastos são necessários para reduzir a dívida do país.
Em específico, apontam para um plano do senador Rick Scott, republicano da Flórida, que propôs forçar toda a legislação - incluindo Medicare e Seguridade Social - a expirar a cada cinco anos, a menos que o Congresso a autorize novamente.
Os líderes republicanos se distanciaram do plano de Scott e insistiram que querem “reformar” os dois programas de rede de segurança, não cortá-los.
Depois de visitar a Casa Branca para discutir a questão da dívida com o presidente, o presidente da Câmara, Kevin McCarthy, disse que os cortes no Medicare e na Seguridade Social estavam “fora de questão”./NYT, AP, W.P.
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