Discurso sobre Estado da União é uma chance de recomeço para Biden; leia análise

Presidente planeja usar seu primeiro discurso desde que republicanos assumiram o controle da Câmara para pedir colaboração bipartidária, mas poucos acreditam que isso possa acontecer

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Por Peter Baker
Atualização:

WASHINGTON — O presidente americano, Joe Biden, não colocará bem dessa maneira quando discursar à nação diante do Congresso, nesta terça-feira, 7, mas o estado de seu país é de desunião. Para ver isso, bastará a ele voltar o olhar para o presidente da Câmara republicano sentado atrás dele determinado a bloquear todos os passos do líder democrata.

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Então, a mensagem de unidade de Biden, já difícil de vender depois de seus primeiros dois anos na presidência, pode-se provar ainda mais dessincronizada esta noite, quando ele pronunciar seu discurso sobre o Estado da União desta nova era de divisão no governo. Mas para um presidente que se orgulha de trabalhar por meio das diferenças, um pedido de unidade poderá, paradoxalmente, constituir um bastão útil para golpear seus oponentes que passaram a ter a maioria na Câmara.

Biden planeja se apresentar — provavelmente diante de sua maior audiência na TV no ano — como o adulto na sala, disposto e capaz de alcançar concessões bipartidárias em uma era de profundo partidarismo, de acordo com conselheiros que falaram sob condição de anonimato para descrever o discurso anteriormente. Biden apontará para legislações que sancionou com apoio republicano desde que assumiu a presidência e conclamará o presidente da Câmara, Kevin McCarthy, e a maioria republicana que assumiu o controle da Casa nas eleições de meio de mandato, em novembro, a seguir esse exemplo.

Presidente Joe Biden (D), em reunião com os líderes do Congresso, o líder da maioria democrata no Senado, Chuck Schumer, e o presidente da Câmara, Kevin McCarthy, na época, líder da minoria republicana  Foto: Andrew Harnik/AP - 29/11/2022

Mas sabendo que qualquer cooperação desse tipo é improvável em uma bancada que reivindica um mandato para resistir a toda e qualquer ação de Biden, os conselheiros do presidente esperam que ele delineie um contraste maduro entre os republicanos ruidosos e raivosos, que se dividiram em relação à eleição de McCarthy como presidente da Câmara e preferem investigar Hunter Biden do que avançar com os assuntos do país.

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“Às vezes, ter um governo dividido na realidade ajuda o presidente politicamente, porque o permite apresentar sua agenda como eminência sensata, transmitindo a mensagem de que apenas pessoas insensatas se oporiam ao que você está tentando fazer”, afirmou Peter Wehner, que foi diretor de iniciativas estratégicas do presidente George W. Bush quando os republicanos perderam o controle de ambas as Casas do Congresso nas eleições de meio de mandato de 2006.

“Biden recebeu uma mão de boas cartas se pretende retratar o partido de oposição como extremista e radical, pois é isso que eles são”, acrescentou Wehner. “Qualifiquemos isso como um ambiente rico em alvos.”

Ainda assim, conselheiros da Casa Branca têm debatido nos dias recentes o quanto atacar os republicanos da Câmara, depois do que consideraram uma reunião decente entre Biden e McCarthy, republicano da Califórnia, sobre limite de endividamento e restrições a gastos. Mesmo que os dois líderes continuem batendo cabeça, ambos os lados qualificaram o encontro como um passo importante, e conselheiros afirmaram que o presidente não pode desistir da ideia de fazer acordos, por mais improváveis que eles possam parecer.

Joe Biden se dirige a jornalistas após desembarcar do Air Force One em Hagerstown, Maryland Foto: Patrick Semansky/AP - 4/02/2023

Biden se aninhou durante o fim de semana em Camp David para revisar a última versão do discurso com seus mais graduados conselheiros, incluindo Mike Donilon, Bruce Reed, Anita Dunn e Steven Ricchetti, assim como o diretor de discursos da Casa Branca, Vinay Reddy, e o historiador Jon Meacham, que com frequência ajuda a formular alguns dos discursos mais significativos de Biden.

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Líderes republicanos têm pouco estímulo neste momento para buscar denominadores comuns com Biden, impulsionados por sua ala conservadora a resistir ao que eles caracterizam como um governo que levou demais o país para a esquerda com grandes programas de gastos que alimentaram inflação e déficits.

Para responder ao discurso de Biden, autoridades republicanas selecionaram a governadora do Arkansas, Sarah Huckabee Sanders, que atuou como secretária de imprensa da Casa Branca durante a presidência de Donald Trump e já deixou claro que planeja usar sua plataforma para sublinhar “fracassos do presidente Biden”, conforme ela colocou em um comunicado.

“Estamos prontos para iniciar um novo capítulo na história dos EUA — a ser escrito por uma nova geração de líderes prontos para defender nossa liberdade contra a esquerda radical e expandir o acesso a educação de qualidade, empregos e oportunidades para todos”, acrescentou ela.

Momento

Biden quer usar o discurso desta terça-feira para argumentar que o governo funciona citando as legislações para reconstruir as estradas, pontes e a banda larga do país, impulsionar a indústria de semicondutores e expandir benefícios de assistência de saúde para veteranos das Forças Armadas — todas aprovadas com apoio bipartidário. E ele planeja discutir a defesa da democracia domesticamente e no exterior em um momento que Trump fala a respeito de “extinção” de parte da Constituição para restaurá-lo ao poder e a Rússia trava uma guerra de conquista dentro da Europa.

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“A mensagem do presidente é feita para este momento”, afirmou Jon Favreau, que era diretor de discursos do ex-presidente Barack Obama quando os democratas perderam controle da Câmara em 2010. “Ele é o sujeito que tem trabalhado com ambos os partidos para fazer coisas importantes para as pessoas, enquanto líderes republicanos têm trabalhado para apaziguar a ala mais extrema de seu partido. Eu apostaria que ele enfatizará políticas que possuem apelo amplo, bipartidário, e pedirá uma cooperação de boa-fé, em vez de fazer acrobacias políticas fáceis. E se os republicanos se recusarem, ele pode levar a questão para julgamento do povo americano em 2024.”

Segundo todos os relatos, Biden planeja anunciar sua campanha para reeleição provavelmente em março ou abril. Conselheiros estão profundamente cientes de que a maneira que o presidente pronunciar seu discurso pode ser tão importante quanto seu conteúdo, que ele precisa parecer energético e vigoroso aos 80 anos para demonstrar que será capaz de lidar com os encargos da presidência até os 86, ao fim de seus oito anos ocupando o Salão Oval.

Para alcançar esse objetivo, ex-redatores de discursos de ex-presidentes afirmaram que os assessores da Casa Branca devem estar especialmente atentos para garantir que as frases não sejam longas demais e não incluam palavras nas quais ele possa tropeçar. No discurso sobre o Estado da União do ano passado, Biden disse “iraniano” em vez de “ucraniano”, “América” querendo dizer “Delaware” e “lucros” querendo dizer “preços”. Mas exibiu energia, que será importante demonstrar na noite desta terça-feira.

No discurso do Estado da União de 4 de fevereiro de 2020, a então presidente da Câmara, Nancy Pelosi, rasgou uma cópia do discurso que Donald Trump fazia diante dela Foto: Susan Walsh/AP - 4/02/2020

Biden não é o primeiro presidente a encarar o desafio de enfrentar uma oposição ascendente no Congresso após uma derrota em eleições de meio de mandato. Todos os quatro últimos presidentes perderam pelo menos uma Casa no Congresso durante seus mandatos, o que os forçou a se recalibrar, cada um de sua própria maneira e com graus diferentes de sucesso.

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Após uma vitória avassaladora dos republicanos em 1994, o ex-presidente Bill Clinton se inclinou para o centro, confrontando o ex-presidente da Câmara Newt Gingrich antes de, por fim, forjar compromissos para reformar a seguridade social e equilibrar o orçamento. Bush desafiou um Congresso recém-empossado dominado pelos democratas em 2006 mandando mais tropas para o Iraque, mas se aliou à ex-presidente da Câmara Nancy Pelosi para enfrentar a crise financeira de 2008. Obama desistiu de suas ambições mais expansivas no Legislativo após a Câmara passar para o controle republicano em 2010, usando, em vez do Congresso, ordens executivas para avançar com seus objetivos.

Trump saboreou a guerra contra os democratas de Pelosi depois que eles conquistaram a Câmara em 2018 e não se esforçou de nenhuma maneira em se inclinar para o centro político, apesar de ter concordado com pacotes bipartidários de ajuda quando a pandemia de covid-19 se abateu. Trump sofreu impeachment dos democratas da Câmara — duas vezes — mas nunca foi condenado pelo Senado.

A diferença para Biden é que, mesmo que os democratas tenham perdido o controle da Câmara em novembro, isso não foi percebido como um repúdio da mesma maneira que em relação aos seus antecessores, porque a eleição não produziu a “onda vermelha” republicana que muitos tinham antecipado. Apesar de os republicanos terem conquistado o controle da Câmara, eles o fizeram com margens minúsculas.

Serviço secreto guarda entrada da casa de praia de Joe Biden em Rehoboth Beach, Delaware, um dos locais de operações para a busca de documentos sigilosos Foto: Shannon McNaught/Delaware News Journal via AP - 12/01/2021

“A mudança, portanto, foi em muitos aspectos muito mais dramática”, afirmou Don Baer, que foi diretor de discursos de Clinton, recordando-se das vitórias republicanas em 1994. E a política de oposição mudou desde então. Gingrich e seus republicanos se sentiram compelidos a tentar aprovar uma agenda de políticas chamada Contrato com os EUA não apenas para ser obstrucionistas.

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“Para o (ex-)presidente Clinton, a questão foi encontrar a maneira certa de conduzir uma via de trabalho conjunto”, afirmou Baer, “enquanto que no caso atual parece não haver absolutamente nenhuma disposição de trabalhar conjuntamente”.

A polarização virou o novo normal na sociedade americana. Três quartos dos americanos consideram o país dividido — e eles estão, naturalmente, divididos em relação a quem culpar, de acordo com uma pesquisa YouGov. Somente 23% afirmam que Biden uniu mais o país, enquanto 44% afirmam que ele dividiu mais os EUA e 24% afirmam que ele fez pouca diferença.

Biden terminou seu segundo ano na presidência com mais boas notícias na política do que em seu turbulento primeiro ano. Os preços da gasolina e a inflação estão caindo, o desemprego está no menor nível em mais de meio século e o número diário de mortes por covid-19 caiu 75% desde seu discurso anterior sobre o Estado da União. Biden aprovou importantes legislações combatendo os preços dos medicamentos que necessitam de prescrição médica e as mudanças climáticas, ao mesmo tempo que reuniu coalizões fortes domesticamente e no exterior para confrontar a agressão russa contra a Ucrânia.

Mas a crise na fronteira tem inflamado muitos eleitores republicanos, e uma nova investigação a respeito de violações na manipulação de documentos secretos desgastou parte do impulso de Biden. Mais profundamente, os americanos não mudaram suas impressões sobre o presidente. Seu índice de aprovação permanece em 42%, pouco acima dos 41% registrados antes de seu último discurso sobre o Estado da União, de acordo com o agregador de pesquisas do site FiveThirtyEight — e o mais baixo nesse estágio do que qualquer outro presidente em 75 anos de pesquisas, exceto Trump e Ronald Reagan, que foi prejudicado por uma profunda recessão.

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Trump acabou perdendo a reeleição, mas Biden prefere as lições de Reagan, Clinton e Obama, que se reergueram e conquistaram o segundo mandato. Todos iniciaram seu caminho para a recuperação em um discurso sobre o Estado da União. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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