Espremido entre os dois maiores produtores de cocaína do mundo – Colômbia e Peru –, era uma questão de tempo até o narcotráfico começar a fazer estrago no Equador. Desde os anos 70, o Porto de Guayaquil é ponto de saída de drogas, mas agora as autoridades têm de lidar com a infiltração dos dois maiores cartéis mexicanos, que adotaram gangues locais para reproduzir no país a guerra que travam no México.
De um lado está Los Choneros, maior e mais violenta facção do Equador, sócia do cartel de Sinaloa. Seus soldados conseguem transportar cocaína desde a fronteira da Colômbia até o Porto de Guayaquil em 6 horas. Do outro, o rival Los Lagartos, que reúne pequenas gangues vinculada ao cartel Jalisco Nueva Generación.
As gangues replicam a rivalidade dos patrões mexicanos, lutando por território e pelo controle do tráfico, principalmente dentro das cadeias. A onda de violência levou o presidente Guillermo Lasso a decretar estado de emergência, na segunda-feira. “Vivemos um problema estrutural, que sempre esteve presente. Há uma década vemos uma sofisticação criminosa crescente. Os mexicanos têm territórios inteiros a sua disposição”, explica o analista Santiago Basabe.
No dia 28 de setembro, um confronto entre Choneros e Lagartos em uma prisão de Guayaquil terminou com 118 detentos mortos. As imagens que chocaram o país mostravam corpos desmembrados, queimados, decapitados e empilhados. Foi o pior massacre em uma penitenciária da história do Equador – neste ano, mais de 300 presos morreram em rebeliões carcerárias.
O sistema carcerário do Equador está à beira do colapso. A penitenciária de Guayaquil, local da rebelião de setembro, tem capacidade para 5 mil pessoas, mas se apertam 9 mil detentos. A ocupação das cadeias chega a 140%, segundo dados oficiais – o que ainda é pouco quando comparado com outros países da região, como El Salvador (330%) e Brasil (320%). Mas o problema extrapola as celas.
Do lado de fora dos presídios, a disputa envolve a rota da cocaína que sai da Colômbia para EUA e Europa. Segundo o InSight Crime, que monitora o crime na América Latina, mais de um terço da cocaína colombiana passa pelo Equador até chegar aos mercados europeu e americano.
O coronel Mario Pazmiño, ex-diretor de inteligência do Exército equatoriano, diz que os cartéis mexicanos se beneficiam do sistema de segurança ruim, da corrupção, do baixo controle das fronteiras e da economia dolarizada. “Eles precisam controlar território para armazenar a droga da Colômbia, o que cria uma situação parecida com a do México, onde os rivais travam um guerra total contra o Estado e uns contra os outros”, disse.
A expansão dos cartéis mexicanos é comprovada por uma série de apreensões, prisões e testemunhos. A presença de Sinaloa é mencionada em documentos do processo contra um dos líderes do cartel, Joaquín “El Chapo” Guzmán. Três sócios de Chapo confirmaram no julgamento, em Nova York, que atuam no Equador desde 2008.
As apreensões também mostram o papel crescente do país no mercado internacional de drogas. Em janeiro, autoridades portuárias de Gâmbia descobriram quase 3 toneladas de cocaína em um carregamento de sal originário do Equador.
Em agosto, a polícia equatoriana tomou um susto ao se deparar com 9,6 toneladas dentro de um depósito de água mineral em Guayaquil. O valor de mercado do carregamento foi estimado em US$ 45o milhões – o dobro do que o governo reservou para a segurança pública no orçamento de 2021.
Ao avanço dos mexicanos se soma a presença incômoda de bandas criminais (Bacrim) e das guerrilhas colombianas – Farc e ELN –, que ainda controlam algumas rotas e usam o território equatoriano para escapar da perseguição militar do outro lado da fronteira.
O cenário multinacional corrobora a definição de Jay Bergman, ex-diretor da DEA (agência antidrogas dos EUA) para a região andina, que dizia que o Equador havia se transformado na “ONU do crime organizado”.
Paralelo com o Brasil
As cenas de barbárie nas prisões do Equador lembraram as rebeliões registradas no Brasil em 2017, nos Estados de Amazonas, Rio Grande do Norte e Roraima, quando 114 presos foram mortos nos primeiros dias daquele ano.
De acordo com o cientista criminal Ivênio Hermes, da rede e instituto de pesquisa Observatório da Violência (Obvio/RN), vinculada a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, tanto o massacre equatoriano quanto os registrados em solo brasileiro têm em comum a falta de controle do sistema prisional pelas autoridades.
“Quando o Estado não tem o controle adequado da segurança pública e nem do sistema prisional, é como se isso fosse terceirizado para os criminosos, que passam a se sentirem donos de certos territórios - inclusive dos presídios. É esse mesmo tipo de disputa territorial que causou o que vimos em Manaus e o que estamos vendo em Guayaquil”, afirma.
Combate
Desde que assumiu a presidência do Equador, em maio, Lasso promete adotar medidas duras contra o narcotráfico e retomar a ordem nos presídios do país que, em dois anos, passaram de um sistema de nível médio de violência para aquele com os piores massacres.
Para o analista Basabe, mudar a situação vai levar anos. “Isso se houver uma decisão política forte”, ressalta.
A importação de modelos distantes das realidades sócio-políticas dos países e a falta de planejamentos executáveis são apontadas pelo pesquisador Hermes como os principais obstáculos no combate ao crime organizado na América do Sul.
“Os Estados sul-americanos ainda trabalham com ideias que compram de outros países, onde não existem os mesmos abismos culturais e sociais... Isso faz com que eles continuem errando, sem um planejamento de segurança com metas que vise também a ressocialização e rompa com o ciclo vicioso que gerou o problema”.
Para o especialista, o caminho para um enfrentamento eficaz dos grupos narcos passa por uma integração mais eficaz dos sistemas de inteligência entre os países que estão na rota desses grupos.
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