Uma decisão sobre procedimentos eleitorais na eleição de Buenos Aires em outubro, tomada pelo prefeito e candidato presidencial, Horacio Larreta, colocou em evidência a crise interna da coalizão de oposição na Argentina, até então favorita na disputa. Ao marcar a eleição municipal para o mesmo dia das eleições nacionais, mas com sistemas diferentes, Larreta provocou a fúria de Mauricio Macri, líder do Juntos pela Mudança, por prejudicar seu primo, Jorge Macri.
Em baixa nas pesquisas eleitorais, que tem mostrado Larreta atrás de Patricia Bullrich na preferência de eleitores da coalizão, o prefeito da capital anunciou em vídeo nas redes sociais que estaria colando as duas eleições, mas separando os esquemas de votação. Enquanto para as nacionais a votação será feita em cédula de papel e lista separada, para o governo da cidade a eleição será eletrônica e em lista única, o que favorece Martín Lousteau, da União Cívica Radical (UCR), frente a Jorge Macri, do Proposta Republicana (PRO).
A lista única é a preferida dos partidos grandes, e de Macri, por provocar o chamado “ efeito arrasta”. Quando a pessoa escolhe o partido, ela “arrasta” todos os candidatos apresentados por aquele partido a outros cargos, um efeito parecido ao que acontece no coeficiente eleitoral nas eleições legislativas brasileiras. Enquanto nas cédulas separadas o eleitor pode escolher partidos diferentes em cargos distintos.
Larreta diz que está se baseando na lei eleitoral da cidade de Buenos Aires ao tomar a sua decisão, que garante ser puramente jurídica. Seus colegas de coalizão, no entanto, veem uma motivação política por trás ao, deliberadamente, prejudicar o candidato de Macri.
“Muitos dizem que ele faz isso para mostrar que não vai ser uma marionete de Macri se chegar à presidência”, explica Facundo Galván, professor de ciência política da Universidade de Buenos Aires. “Ele quer mostrar que, se ganhar a eleição, não será às custas de Macri, ou seja, quer mostrar mais autonomia e independência”.
Recentemente, Macri anunciou que estava se retirando da disputa presidencial, abrindo espaço para os nomes de Larreta e Bullrich. Abriu-se então o questionamento de quem ele apoiaria na coalizão, com Larreta sendo o mais provável.
No entanto, frente à baixa popularidade de Macri - que perdeu a reeleição - e com o anti-macrismo sendo uma estratégia da coalizão do governo, o prefeito de Buenos Aires tenta se colocar como uma terceira opção na disputa. Uma estratégia de “nem um nem outro” que tem favorecido candidatos outsiders como Javier Milei.
Para demonstrar esse descolamento, Larreta fez seu anúncio - que os jornais argentinos classificaram como ‘a decisão mais importante de sua carreira’ - nas redes sociais, recebendo as reações de seus colegas também via redes, e expondo a briga em praça pública. Apesar disso, ele negou nesta terça-feira, 11, que sua decisão estaria provocando uma cisão na coalizão, a mais competitiva do pleito.
“Não participo de discussões internas, pode haver divergências, mas a unidade PRO e do Juntos pela Mudança está mais garantida do que nunca”, afirmou Larreta.
As mudanças
Além das eleições nacionais, a Argentina terá outras dezenas de eleições menores, incluindo para a cidade de Buenos Aires, atualmente comandada por Larreta. As datas variam conforme decisão de cada cidade, e Larreta decidiu que as de Buenos Aires seriam junto com as nacionais em agosto e outubro. Este já foi um motivo de briga interna, com Macri dizendo que encareceria o processo eleitoral, já que exigiria uma logística especial de votação.
Porém, a maior disputa é sobre a forma de votação. Há a opção da cédula única em que são colocados todos os partidos que disputam todos os cargos, e a cédula separada, em que cada partido tem um papel separado com os candidatos para cada cargo apresentados nominalmente.
Para Buenos Aires, Larreta escolheu as duas formas, com as eleições regionais sendo em cédula única e eletrônica, e as nacionais separadas e em papel. Um arranjo considerado estranho, segundo Galvan, que observa que as eleições de 2019 também ocorreram em conjunto, porém nunca em dois sistemas de votação diferentes.
“A questão é que se o partido tem bons cargos a presidente, como é o caso do PRO com Larreta ou Bullrich, a cédula do chefe de governo vai ser arrastada pela cédula do presidente. Se por outro lado você não tiver um bom candidato a presidente, a cédula não sofrerá o mesmo efeito”, explica Galvan.
Sendo assim, a lista única favoreceria o primo de Macri. Mas agora o novo sistema vai permitir que o candidato do UCR, que não apresentou presidente, se torne mais viável. Uma decisão que Larreta tomou mesmo depois de se reunir com seus colegas de coalizão e ouvir fortes oposições. “Essa decisão do Larreta provocou muita raiva no partido do próprio Larreta porque com isso ele está beneficiando o radicalismo”, completa o professor.
Em resposta, os outros membros do partido se reuniram hoje virtualmente, sem convidar Larreta, segundo os jornais argentinos. Na reunião, Macri teria feito críticas duras ao candidato que era seu favorito. Até o líder do UCR criticou a decisão de Larreta que, segundo ele, “divide a coalizão”.
Embora não se saiba, ainda, se esse descolamento de Macri vai se converter em votos para Larreta, se tem certeza de que a briga interna joga mais caos para uma disputa eleitoral nada definida e que já está em suas vésperas.
O Juntos pela Mudança era, até então, a coalizão mais organizada para definir seus candidatos para as primárias de agosto, enquanto a aliança peronista do Frente de Todos demonstra uma intensa disputa interna. No entanto, agora, a sensação ao eleitor é que todos estão brigando entre si, enquanto Javier Milei segue crescendo nas pesquisas sem se afetar com a dualidade entre governo e oposição.
“Há um mês, se me perguntassem, eu diria que Javier Milei não teria chances de ganhar. Agora acho que tem chances reais, e ele não é atingido por nada disso”, avalia Galvan. “Aos peronistas também não afeta, mas com certeza estão rindo muito dessa cisão da oposição”.
Os envolvidos
Horario Rodríguez Larreta
É o atual prefeito de Buenos Aires, eleito em 2015 e reeleito em 2019. Foi um dos fundadores do PRO junto com Mauricio Macri, tendo sido chefe de campanha do partido, inclusive quando Macri foi eleito como chefe de governo da cidade de Buenos Aires. Foi chefe de gabinete de Macri durante sua prefeitura, tendo sido eleito prefeito quando Macri deixou o cargo e se lançou presidente.
Antes mesmo de se lançar candidato a presidência, os institutos de pesquisas já o colocavam como o nome favorito para a disputa de outubro. Nas últimas semanas, no entanto, Larreta tem caído para a segunda posição nas pesquisas internas do PRO, perdendo espaço para Patricia Bullrich, e nas sondagens gerais, já chegou a aparecer atrás de Javier Milei.
Mauricio Macri
O antecessor de Larreta na prefeitura de Buenos Aires foi lançado à política depois de ser presidente do Boca Juniors entre 1995 e 2007. Foi presidente da Argentina entre 2015 e 2019, quando perdeu a reeleição para Alberto Fernández e sua vice Cristina Kirchner. Saiu da presidência com uma taxa de rejeição perto de 60% e seu acordo com o FMI tem sido o mote de campanha da coalizão governista do Frente de Todos.
Atualmente líder do Juntos pela Mudança, a candidatura do ex-presidente era uma incógnita até 26 de março. Caso se lançasse, seria um dos principais candidatos do partido, porém engajava pouco nas pesquisas. Por pressão de Larreta e outros colegas do PRO, anunciou a sua retirada da corrida e a disputa interna agora é por quem ele apoiará.
Patricia Bullrich
Herdeira de umas das famílias mais tradicionais da política argentina, é a atual presidente do PRO e foi ministra da Defesa durante a presidência de Maurício Macri. Ganhou destaque por adotar um forte discurso de segurança, tema que em geral não pauta as eleições argentinas. Despontou nas pesquisas nas últimas semanas e tenta se colocar como antagonista de Larreta para as prévias de agosto.
Junto com Macri e María Eugenia Vidal - outra candidata do PRO à presidência -, foi uma das vozes contra as mudanças eleitorais promovidas por Larreta em Buenos Aires.
Jorge Macri
Primo do ex-presidente e ministro de Governo da prefeitura de Larreta em Buenos Aires, Jorge Macri tanta se lançar candidato pelo PRO, mas aparece em segundo nas pesquisas, chegando a aparecer até em terceiros no últimos dias. Ele tem o paoio aberto do primo para a corrida. No entanto, sua candidatura também é alvo de questionamentos internos, com acusações de que não cumpre os requisitos para ser prefeito de Buenos Aires.
Seus concorrentes dentro da coalizão apontam que ele não é nativo da cidade de Buenos Aires e tampouco tem residência permanente. Além disso, ele ainda ocupa o cargo de prefeito de Vicente López, uma cidade na província de Buenos Aires, porém está de licença para ocupar o cargo de ministro de Governo. Segundo seus adversários, essa situação fere a constituição de Buenos Aires.
Martín Lousteau
Senador pelo partido UCR, Lousteau desponta como favorito nas pesquisas por Buenos Aires, o que poderia tirar do macrismo a cidade que governam desde 2007. Será o candidato do UCR para as PASO de agosto e se coloca em embate direto com Jorge Macri pela vaga da coalizão. Economista de formação, foi ministro da Economia por um breve momento no primeiro governo de Cristina Kirchner, fato que é convocado por Macri com frequência.
Justamente por ser o candidato mais cotado pelos eleitores dentro da coalizão, colegas de Larreta no PRO ficaram furiosos com as mudanças eleitorais que permitirão às pessoas escolherem Lousteau apesar de não estar em uma lista junto com um candidato presidencial.
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