Algo horrível está acontecendo no Congo. Um grupo rebelde chamado M23 tomou o controle de Goma, a maior cidade no leste do país, em 27 de janeiro, matando vários soldados das forças de paz da ONU e levando centenas de milhares de moradores a fugir. Quase ninguém fora da África Central sabe quem é o M23 ou por que eles estão lutando. Então, eis aqui uma analogia útil: Donbas, no leste da Ucrânia.
Em 2014, Vladimir Putin tomou grande parte do Donbas e fingiu que nada tinha feito. Ele usou supostos separatistas locais, a quem a Rússia armou, forneceu equipamento e orientou. Ele alegou que essas forças estavam protegendo os russos étnicos da perseguição. O Kremlin negou que o próprio Exército russo estivesse no local auxiliando os rebeldes, embora estivesse. Mais tarde, após a invasão em larga escala da Ucrânia por Putin, ele anexou os falsos Estados que havia criado.
O ditador de Ruanda, Paul Kagame, copiou essas táticas no leste do Congo. Os rebeldes do M23 são armados, abastecidos e comandados pelo governo dele. Alegam estar protegendo os tutsis congoleses da perseguição, mas a ameaça a eles é exagerada. O M23 é, na verdade, um representante de Ruanda, permitindo que o país tome uma grande parte do território congolês enquanto finge não fazer isso. Milhares de tropas ruandesas cruzaram para o Congo para ajudar. Ruanda nega algo que os observadores no local podem ver claramente.
Tudo isso contribui para a terrível turbulência do Congo. Seus vários conflitos expulsaram 8 milhões de pessoas de suas casas, incluindo 400 mil no mês passado. Em grande parte do leste do país, homens armados estupram e saqueiam impunemente. Minerais preciosos são saqueados sistematicamente; Ruanda, que extrai pouco ouro em casa, misteriosamente se tornou um grande exportador de ouro.
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O paralelo entre Rússia e Ruanda é imperfeito. Ruanda não anexou formalmente nenhum território do seu vizinho. E enquanto a Ucrânia é uma democracia funcional, o Congo é caótico. Dezenas de grupos armados devastam o leste. Ruanda está longe de ser o único predador, mas é o mais poderoso. Seguindo o modelo do Donbas, criou informalmente algo que se parece muito com um estado fantoche em solo congolês. E pode não parar em Goma. Alguns observadores temem que Kagame tenha como objetivo derrubar o governo congolês.
As ações de Ruanda não são apenas ilegais e erradas. Elas são um sintoma preocupante de uma ordem internacional decadente. O tabu contra tomar o território de outros povos está desmoronando, com Putin derramando rios de sangue em troca de terra, a China ameaçando as águas territoriais de outros países e agora o presidente Donald Trump falando em expandir o território americano. Contra esse pano de fundo, não é surpreendente quando outros líderes concluem que o imperialismo está de volta à moda.
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O comportamento maligno de Ruanda no Congo não é novo. O M23 tomou Goma pela primeira vez em 2012. Mas seus doadores pressionaram rapidamente o regime de Kagame para retirar os homens armados, e uma força de paz da ONU praticamente esmagou o grupo. Agora a ONU está mais fraca no Congo. Potências externas estão distraídas, e Ruanda tem mais clientes do que tinha em 2012, como China, Catar e Turquia. Sob Joe Biden, diplomatas americanos alertaram Kagame contra o aventureirismo, mantendo-o parcialmente sob controle. Ninguém sabe qual é a política de Trump, mas provavelmente não envolve uma articulação de por que a lei do “manda quem pode” é uma receita para a desgraça.
Outros governos ocidentais estão divididos. Muitos têm uma queda por Ruanda. Sua ordem doméstica torna mais fácil executar projetos de desenvolvimento ali. Seus soldados servem em missões de paz da ONU e protegem as operações de gás francesas em Moçambique. Os doadores geralmente dão a Kagame o benefício da dúvida.
Já basta. Ruanda é fortemente dependente de ajuda. Os doadores deveriam pressionar mais. Os Estados Unidos, que têm laços militares com Ruanda, poderia mudar os incentivos de Kagame com um telefonema. Outros estados africanos também deveriam se manifestar. A alternativa — deixar Kagame ficar com seu Donbas — é muito pior. Um mundo em que os fortes tomam território dos fracos seria um lugar mais assustador e violento. Se uma violação tão flagrante das fronteiras de um país for permitida, haverá mais delas./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL