Do ódio ao perdão, questão palestina divide os israelenses após atentados do Hamas

55% dos israelenses se opõem à criação de um Estado palestino e 37% são favoráveis. Outros 8% não sabem ou não responderam

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Foto do author Luiz Raatz
Atualização:

Esta reportagem é a terceira de uma série produzida pelo Estadão em Israel sobre os seis meses dos atentados de 7 de outubro e o impacto da guerra no país. Para ler o primeiro capítulo, clique neste link e o segundo, neste link.

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TEL-AVIV - Silvia Cunio percebe que o cartaz que pede a libertação de seu filho David colado na porta da casa em que ele vivia e foi destruída pelo grupo terrorista Hamas caiu no chão. Com paciência, ela se agacha, pega o cartaz e tenta prendê-lo na porta. A cola está desgastada. Silvia também.

Ela tem dois filhos ainda em poder dos terroristas. Suas noras e netos chegaram a ser sequestrados, mas foram libertados na primeira rodada de negociações entre o Hamas e Israel. Um terceiro filho, que escapou do ataque, quase foi queimado vivo dentro da própria casa.

E mesmo com tudo isso, Silvia quer paz. E tem a oferecer o perdão.

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“Temos que buscar a paz, porque não é possível viver em guerra. É o pior que pode acontecer a um país. Eu sempre fui pacifista. Não creio nem nas guerras nem na política, mas nas pessoas. Não posso dizer outra coisa. “

Silvia Cunio tem dois filhos nas mãos do Hamas 

Ao contrário de Silvia, o reservista Ofer Shmerling quer vingança. Já na reserva do Exército ele se voluntariou para combater os terroristas do Hamas em Gaza e hoje faz a segurança do memorial criado onde ocorria o festival Nova, no sul de Israel.

Questionado se sentia pena dos civis palestinos, ele se irrita, vai até o carro e traz sapatos de quem ele diz ser militantes do Hamas que ele teria matado.

“Eu, pessoalmente, não ligo para aqueles civis em Gaza. Quem usavaa sapatos de civis, entrou aqui em Israel para matar e estuprar pessoas. Você me pergunta se eu tenho pena deles? Nenhuma. Você sentiria, se fizessem isso com a sua família?”

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Ofer Shmerling, reservista do Exército de Israel, trabalha no Memorial do Festival Nova Foto: Luiz Raatz

Paz, um conceito em baixa

As visões sobre os palestinos variam muito dependendo de onde você está em Israel e com quem você está falando. Grosso modo, israelenses laicos, principalmente que ainda moram em kibutz no sul do país, tem uma visão mais favorável ao processo de paz, assim como em comunidades árabes-israelenses. Em Jerusalém, onde há mais conservadores, é ao contrário.

A última pesquisa disponível sobre o tema, do Viterbi Center, publicada em fevereiro, indica que 55% dos israelenses se opõem à criação de um Estado palestino e 37% são favoráveis. Outros 8% não sabem ou não responderam.

A mesma pesquisa diz que 37% dos israelenses acredita que, com a independência dos palestinos, o terrorismo aumentaria contra Israel. Outros 24% dizem que os ataques terroristas continuariam igual e 20% acreditam que diminuiriam. Só 7% esperam o fim dos ataques com um acordo de paz.

Os ataques do Hamas tiveram também um impacto na percepção sobre a paz, segundo levantamento do Gallup. Hoje, apenas 13% dos israelenses acreditam que ela possível. Em 2017, esse número era de 34%.

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Netanyahu sob pressão

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De todo modo, qualquer mudança de cenário no conflito entre israelenses e palestinos depende do futuro político de Israel. E também nesse tema há um consenso, desta vez pela saída do premiê Binyamin Netanyahu, o líder mais longevo da história do país.

Pressionado desde antes dos ataques pelos protestos contra a reforma que tentava diminuir o poder de controle do Judiciário sobre o Executivo, Netanyahu tem enfrentado protestos cada vez maiores por sua renúncia mesmo durante a guerra.

Todo sábado, milhares de israelenses se juntam na Rua Kaplan, tradicional ponto de atos políticos de Tel-Aviv e pedem a renúncia do premiê, apontado como um dos culpados pelo sucesso do ataque do Hamas em Israel.

Nesta semana, duas movimentações deram fôlego ao cenário em que Netanyahu dá adeus. Benny Gantz, o líder mais popular da oposição, defendeu eleições gerais para setembro, aumentando a pressão política contra Bibi. E uma decisão da Suprema Corte contra o financiamento de escolas religiosas que são isentas do alistamento militar pode levar partidos ortodoxos a romper com o governo, precipitando sua queda.

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Perspectivas para o futuro

Segundo Yossi Mekelberg, analista da Chatam House, a popularidade de Netanyahu já estava em declínio antes da guerra, mas desde então está em queda livre.

“A grande maioria não consegue perdoar Netanyahu pelo massacre de 7 de outubro - especialmente como um político que se autodenominou “Sr. Segurança” - e por ter se envolvido em uma guerra não apenas com o Hamas, mas em uma intensidade menor, pelo menos por enquanto, com o Hezbollah no Líbano”, explica. “Isso levou à evacuação forçada do norte de Israel, deixando os israelenses mais inseguros do que nunca desde a fundação do Estado.”

Na opinião do especialista, tanto israelenses quanto palestinos precisarão se reconstruir politicamente no pós guerra.

“Para enfrentar esse desafio, Israel precisará fazer mais do que votar na saída de Netanyahu no final da guerra”, afirma. “Sua sociedade terá que criar novos realinhamentos políticos, apresentando novas vozes de toda a sociedade, para rejuvenescer sua democracia e fazer progressos reais em direção a uma solução de dois Estados - e à paz de longo prazo que foi negada a israelenses e palestinos por tanto tempo.”

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*O repórter viajou a convite da ONG StandWithUs Brasil

Análise por Luiz Raatz

É jornalista formado pela PUC-SP. Subeditor de internacional do Estadão, tem 20 anos de experiência em coberturas na América Latina, Estados Unidos e Oriente Médio.

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