Do palácio à prisão: Quem é o príncipe detido na maior operação antiterrorista da Alemanha?

Heinrich XIII usava o local para organizar reuniões em que ele e seus cúmplices de extrema direita conspiravam para derrubar o governo alemão e assassinar o chanceler Olaf Schölz

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Por Erika Solomon e Katrin Bennhold

O torreão do chalé de caça do príncipe Heinrich XIII, de Reuss, fica sobre uma colina íngreme, mirando as casas cobertas de neve e luzes natalinas de Bad Lobenstein. Popular entre o prefeito e muitos vizinhos, o príncipe passava os fins de semana na cidade-spa — concedendo um ar aristocrático a este pacato recanto no leste da Alemanha. Mas havia um lado mais obscuro em seu idílio.

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Heinrich XIII, afirmam promotores de Justiça e autoridades de inteligência, também usava o local para organizar reuniões em que ele e seus cúmplices de extrema direita conspiravam para derrubar o governo alemão e assassinar o chanceler. No porão, o grupo armazenava armas e explosivos. No bosque que cobre a colina em torno da torre, eles praticavam tiro em certas ocasiões.

Na semana passada, a casa Waidmannshei — três horas de carro ao sul de Berlim, no Estado da Turíngia — foi um dos 150 alvos abordados pelas forças de segurança da Alemanha em uma das maiores operações de contraterrorismo no país desde o fim da 2.ª Guerra. Até a sexta-feira, 23 integrantes do grupo haviam sido detidos em 11 Estados alemães, e outros 31 foram colocados sob investigação. A polícia descobriu vários depósitos de armas e equipamentos militares, assim como uma lista de 18 políticos e jornalistas considerados inimigos.

Policiais deixam local suspeito de abrigar grupo de extrema direita alemão em Bad Lobenstein  Foto: Matthias Rietschel/ Reuters

Raízes medievais

O príncipe Heinrich XIII, de 71 anos, abastado descendente de uma família nobre de 700 anos, pode parecer um líder improvável de um complô terrorista dessa magnitude. Contudo, afirmam promotores, ele foi designado por seus cúmplices de conspiração para se tornar chefe de Estado do regime posterior ao putsch.

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Nostálgico em relação ao Império Alemão anterior a 1918 (Segundo Reich), quando seus ancestrais reinaram sobre um Estado no leste da Alemanha, Heinrich XIII endossava abertamente uma teoria conspiratória que ganhou popularidade nos círculos da extrema direita: a Alemanha do pós-2.ª Guerra não é um país soberano, mas uma empresa estabelecida pelos Aliados depois do conflito.

Os seguidores dessa teoria de conspiração chamam a si mesmos de Reichsbürger, ou Cidadãos do Reich. E há muitos deles na Turíngia, no sudeste alemão, Estado em que os nazistas conquistaram poder localmente pela primeira vez, mais de 90 anos atrás, antes de estabelecer o Terceiro Reich.

Neonazismo em alta

Atualmente, a maior força política no Estado é o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha, ou AfD — entre os presos na operação da semana passada contra o suposto complô do príncipe está uma ex-legisladora do AfD.

Mas foram os Reichsbürger que trouxeram mais notoriedade a Bad Lobenstein, para desgosto de hoteleiros e vitivinicultores locais que buscam atrair turistas para a região, onde casas de pedra e pináculos de igrejas medievais pontuam paisagens onduladas de florestas de pinheiros e lagos.

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“Eles nos dão bastante trabalho”, afirmou o vereador local Andree Burkhardt. “Mas eu jamais poderia ter imaginado que havia atividade militante por aqui.”

Sempre que Burkhardt e seus colegas de legislatura armam uma barraca no mercado local para ouvir preocupações dos cidadãos, eles acabam inundados por uma torrente de abusos verbais de pessoas insistindo que eles trabalham para um país que não existe.

“Eles gritam conosco e dizem: ‘Nós não somos alemães, nós não estamos em um Estado alemão verdadeiro! Nós somos apenas um braço de uma GmbH!’”, afirmou ele, referindo-se ao acrônimo em alemão para empresas de capital fechado e responsabilidade limitada.

Mas os Reichsbürger pareciam apenas um inconveniente local até Heinrich XIII aparecer na cena. O príncipe perseguiu seu objetivo de restabelecer a Alemanha imperial em várias frentes e de uma maneira que quase deu a parecer que ele acreditava que seu reino de fantasia já era realidade.

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Nostalgia da monarquia

Editor de um jornal local de Bad Lobenstein, Peter Hagen soube que a cidade tinha um príncipe em abril de 2021, quando os moradores começaram a relatar-lhe uma estranha campanha de pôsteres espalhados pelas ruas próximas à casa Waidmannsheil, instando os moradores a disputar eleições na “comissão eleitoral do Reuss”. Não havia eleições oficiais marcadas na época.

Hagen ficou mais desconfiado no verão passado, depois que acompanhou Heinrich XIII e outro membro local do movimento Reichsbürger a um auditório municipal, que eles haviam sido autorizados pela Prefeitura a usar em uma palestra chamada “Evento informativo sobre a BRD GmbH” — acrônimo em alemão para República Federal da Alemanha, Ltda.

O título implicou claramente a conexão às crenças Reichsbürger. Mas quando Hagen chegou ao evento, os organizadores se recusaram a dar início à palestra, e ele não pôde ouvir o que seria falado.

Uma sensação de inquietação começou a crescer em Bad Lobenstein em julho, quando cartas com a mesma mensagem chegaram às caixas postais de todas as residências. O texto era pontuado com exclamações e repleto de letras maiúsculas, instando os moradores a acessar um website para se registrar como cidadãos da Casa de Reuss. (Títulos de nobreza foram abolidos na Alemanha após a 1.ª Guerra, mas muitas famílias antigas de nobres rastreiam avidamente suas linhagens.)

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“Você também tem a sensação de que algo não está certo neste país?”, dizia a carta. “Você sabia que na verdade não possui nenhum tipo de cidadania, que você é na verdade um cidadão sem Estado e não tem nenhum direito?”

Bad Lobenstein tem 6 mil habitantes, e há quem afirme que o lugar tem um ar mais de vilarejo do que de cidade. Todos se conhecem, e o único café local esgota a pastelaria que produz diariamente ao meio-dia. Horas depois de receber a carta, Burkhardt, o vereador, se deu conta de que não havia sido o único a recebê-la — todos tinham recebido.

Burkhardt conversou com Hagen, e depois de trocar impressões sobre o que ambos viram e ouviram, o vereador começou a ficar apreensivo. “Pensei: talvez devamos investigar isso aí; e então realmente informamos a agência de inteligência doméstica. Eles nos disseram: ‘Estamos no caso’. E acho que, honestamente, eles levaram a coisa mais a sério do que eu.”

Golpistas na mira da Justiça

Autoridades de inteligência acompanhavam as atividades do príncipe desde o outono de 2021, e o que vinham descobrindo era algo muito mais sinistro: o grupo de conspiradores em torno de Heinrich XIII incluía soldados e ex-soldados de forças especiais, policiais, reservistas do Exército e outros indivíduos ligados a militares, que haviam elaborado planos concretos e até estabelecido possíveis datas para um golpe de Estado, afirmaram as autoridades.

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O grupo pareceu pronto para agir duas vezes este ano, em meados de março e em setembro, colocando agências de segurança em alerta máximo — mas nas duas ocasiões a tentativa de golpe e magnicídio foi adiada, afirmaram autoridades de inteligência.

O príncipe não recrutou apoio apenas em círculos de extrema direita próximos aos militares. Ele também buscou aliados entre colegas aristocratas, viajando para Áustria e Suíça para cortejar nobres de fala alemã, pedindo doações e financiamento para seu complô, afirmaram autoridades cientes das viagens. Com o dinheiro que ele arrecadou, sua organização comprou telefones via satélite para se comunicar fora das redes convencionais de telefonia durante e após o planejamento do putsch. Os aparelhos foram encontrados no chalé de caça do príncipe durante a operação das autoridades.

Heinrich XIII também fez contato com diplomatas russos auxiliado por uma namorada russa e mais jovem, identificada pelos promotores apenas como Vitalia B. Ela facilitou várias reuniões, mas os promotores afirmam não ter nenhuma evidência de alguma resposta russa.

Em sequência ao alerta, a ministra do Interior da Alemanha planeja apertar as leis que regulamentam aquisição e porte de armas de fogo para dificultar o acesso de extremistas a armamentos.

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Castelo do príncipe Heinrich XIII de Reuss em Bad Lobenstein, na Alemanha  Foto: Ingmar Nolting/The New York Times

Antissemitismo e teoria da conspiração

Não está claro quando e como Heinrich XIII se radicalizou originalmente, afirmam as autoridades. Ele vivia em um abastado subúrbio do oeste de Frankfurt, onde trabalhava como corretor de imóveis e consultor.

Quando começou a passar fins de semana regularmente em Bad Lobenstein, no ano passado, Heinrich XIII já estava profundamente envolvido com o movimento Reichsbürger. Suas tendências antissemitas e seus interesses em teorias conspiratórias são bem documentados.

Em janeiro de 2019, ele deu uma palestra no WorldWebForum, em Zurique, intitulada “Experimente a ascensão e queda da elite sangue-azul”. Na fala de 15 minutos, Heinrich XIII esbravejou contra a família Rothschild e alegou que a 1.ª Guerra foi forçada sobre o kaiser alemão pelos interesses financeiros internacionais — ambas narrativas comuns a um antissemitismo tácito e codificado — insistindo que a Alemanha moderna e democrática é uma ilusão.

“Desde que a Alemanha se rendeu, no 8 de Maio, ela jamais foi soberana outra vez”, afirmou o príncipe Heinrich em sua palestra, referindo-se ao dia da derrota de seu país na 2.ª Guerra. “A Alemanha foi transformada em uma estrutura administrativa dos aliados na dita entidade econômica unificada, a República Federal da Alemanha — em outras palavras, uma estrutura comercial.”

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Foram discursos assim que começaram a alienar Heinrich XIII de seus parentes da Casa de Reuss. O chefe da família Reuss, um primo distante que, como todos os herdeiros ao trono de Reuss, também se chama Heinrich, classificou o parente como “um velho confuso” e apontou que, mesmo se seu golpe de Estado funcionasse, ele era apenas o 17.º na linha de sucessão ao trono.

“Isso significa que 16 de nós teríamos de morrer antes de chegar sua vez”, afirmou ele, acrescentando desconfiar de que seu primo distante pode ter sido atraído para esse mundo de teorias conspiratórias por anos de ressentimento contra os tribunais alemães.

Após a reunificação alemã, Heinrich XIII passou anos lutando para reaver propriedades de sua família que haviam sido nacionalizadas pela comunista Alemanha Oriental. “Ele jamais conseguiu restituições de terras”, afirmou o chefe da família Reuss, mas conseguiu recuperar parte do mobiliário de sua família e algumas obras de arte.

Heinrich XIII teve de, por fim, comprar de volta o chalé de caça, decorado ornamentalmente com javalis esculpidos na pedra e o torreão de aparência gótica.

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Muitos nesta cidade na profunda ex-Alemanha Oriental comunista compartilham da sensação de nostalgia — mesmo que em razão de um tipo muito diferente de passado.

Operação prendeu ao menos 25 pessoas em toda a Alemanha  Foto: Matthias Rietschel / Reuters

Burkhardt disse que ficou transtornado porque muitos simpatizantes locais das crenças do grupo Reichsbürger expressam saudades da Alemanha comunista e desprezam o atual governo alemão, desacreditado em seus olhos.

Uma vendedora local, que se recusou a informar seu nome, afirmou que gosta do príncipe — que ele lhe parece “nobre”. Ela não soube dizer se o complô violento do grupo Reichsbürger seria correto ou não. “Mas acho que muitos aqui têm essa sensação”, afirmou ela, “bem… de que algo tem de acontecer por aqui”.

Esse sentimento se fortaleceu desde a pandemia, quando teorias conspiratórias começaram a florescer. Agora, encarando a crise energética e o sofrimento arrasador da inflação, o ressentimento nas regiões mais pobres no leste da Alemanha cresce, e as elites governantes podem ser alvo fácil.

Burkhardt não possui estimativas firmes sobre quantas pessoas na cidade apoiavam ativamente o movimento Reichsbürger, mas elas são suficientes, afirmou ele, para tirar o sossego do lugar. A operação policial, afirmou ele, foi como um acerto de contas. “Já estava na hora”, afirmou Burkhardt. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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