Mais da metade da vida do mineiro Julio Cesar Ferreira, de 73 anos, foi dedicada ao mercado publicitário. Mas, há três anos, ele decidiu tomar um novo rumo e realizar o sonho de voltar a fabricar o doce de leite da Guaxupé Alimentos, marca criada pelo cunhado dele na década de 1960 e que encerrou as atividades há 29 anos, em 1996.
Ferreira usou a fórmula original da receita do doce e optou por terceirizar a produção, para administrar o negócio direto da cidade de Guaxupé (MG). Ele já adicionou goiabada e queijo ao portfólio da empresa, abriu uma segunda marca para vender água mineral e alcançou R$ 1,3 milhão em faturamento no ano passado.
Começou vendendo anúncios em jornal
Ferreira saiu de Guaxupé para morar em Belo Horizonte em 1971, onde fez faculdade de Administração. Ele não sabia o que era publicidade até receber o convite de um amigo para trabalhar como representante comercial de um veículo de comunicação da capital mineira, ainda em 1971. A função dele era negociar os espaços para anúncios no jornal com marcas da região.
“Meu amigo já trabalhava na área e perguntou se eu queria um emprego. Eu não tinha a menor ideia do que era publicidade, mas ele disse para eu arrumar um termo, porque ele daria um jeito no resto”, conta.

Já no início dos anos 1980, o publicitário foi trabalhar em uma revista no Rio de Janeiro. Depois de seis meses, seguiu para São Paulo, onde ficou até voltar para Guaxupé. Na capital paulista, Ferreira trabalhou em oito empresas de comunicação - de revistas a jornais e emissoras de televisão - e chegou a ser diretor comercial por 10 anos.
Depois de quase 50 anos como funcionário, ele deu o seu primeiro passo no empreendedorismo ao abrir uma agência de publicidade. Mas, em 2020, Ferreira desistiu do negócio.
“Fiquei cansado e decidi voltar para a minha terra. Eu sempre tive na cabeça essa ideia de relançar o doce de leite Guaxupé” afirma.
Guaxupé Alimentos encarou tragédia familiar
A Guaxupé Alimentos foi fundada em 1965, por Luiz Paulo Ferraz Ribeiro, cunhado de Ferreira. Ele abriu uma fábrica de doce de leite, que ganhou fãs em Minas Gerais. Logo vieram outros produtos, como goiabada, manteiga, compotas de frutas e extrato de tomate - esse último se tornou um dos destaques do negócio, segundo o publicitário.
Os primeiros 19 anos da empresa foram excelentes. A história mudou em 1984: Ribeiro se envolveu em um acidente de carro com a esposa e a sogra - irmã e mãe de Ferreira, respectivamente -, que não resistiram e morreram.
O empresário sobreviveu, mas ficou desestabilizado e deixou a gestão da Guaxupé Alimentos em segundo plano. “A fábrica começou a definhar até que quebrou completamente”, afirma Ferreira. Os problemas financeiros levaram ao encerramento das atividades em 1996.
Receita do doce de leite é a mesma dos anos 1960
Ferreira voltou para a sua cidade natal em 2020, mas só relançou a Guaxupé Alimentos em 2022. A receita do doce de leite é a mesma utilizada nos anos 1960, mas as embalagens sofreram algumas modificações.
“A gente manteve as cores, que são o vermelho e o branco, a vaca e o trevo verde. Não é idêntica à original, mas é inspirada”, explica. A principal mudança está no material dos recipientes: antes eram latas de alumínio e agora são potes de plástico ou vidro.
Para reduzir os custos, ele decidiu terceirizar a produção para fábricas parceiras. “Eu brinco até que eu sou uma Nike, porque a Nike é a maior vendedora de roupa esportiva do mundo e não tem uma fábrica”, comenta.
Um dos primeiros problemas enfrentados por Ferreira estava relacionado ao nome da empresa: depois do fechamento da fábrica nos anos 1990, a Exportadora de Café Guaxupé Ltda, responsável pelo leite Fazenda Bela Vista, registrou a marca Guaxupé no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
O publicitário conta que fez um acordo de licenciamento com a empresa para ter o direito de usar a marca Guaxupé no doce de leite por 10 anos, com a possibilidade de renovação. “Antes de lançar qualquer produto, eu pergunto se posso usar a Guaxupé. Se eles concordam, a gente faz uma adição ao contrato”.
Além do doce de leite, a empresa comercializa goiabada, queijo tipo árabe shanklish e a cachaça Iluminada, que tem uma homenagem à Catedral de Guaxupé no rótulo. “A embalagem da cachaça foi feita com tinta dourada. Quando você gira a garrafa, dá a impressão de que acende e ilumina a igreja”.
Ferreira criou uma segunda marca dentro da Guaxupé Alimentos, chamada Natury, com foco na venda de água mineral, mas já incorporou produtos variados ao catálogo, como farinha de milho, macarrão e mel. Ele também se tornou um representante da sorveteria Pimpinella em Minas Gerais, além de fornecer o doce de leite para a fabricação dos sorvetes.
“A gente diversifica os produtos para aumentar o nosso ticket médio. Se eu vendo só água, eu faturo menos do que se oferecer doces, massas e queijo também, por exemplo”, afirma o empreendedor.
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Ferreira resgata Guaxupé com ajuda do sobrinho
Além de Ferreira, a Guaxupé Alimentos tem um diretor financeiro: Gustavo Ferraz Ribeiro, de 54 anos, sobrinho de Ferreira e filho de Ribeiro. Para ajudar na popularização da marca, a dupla investe em marketing e tenta resgatar a memória afetiva dos consumidores.
“Como a marca foi encerrada há quase 30 anos, só quem lembra dela são os mais velhos. Mas a gente busca valorizar essa história na nossa comunicação com os clientes, falar sobre o que foi e como a qualidade era reconhecida”, afirma o publicitário.

Os desafios de abrir uma empresa aos 70 anos
Ele conta que o maior desafio de empreender aos 70 anos foi aprender a lidar com as diferenças entre as áreas de publicidade e de alimentos. Colocar os produtos da Guaxupé Alimentos nas prateleiras dos mercados não é uma missão fácil, já que exige negociações com diferentes profissionais, segundo Ferreira.
“Como publicitário, eu sempre fui vendedor. Mas agora o perfil do público é outro”, diz. O faturamento da empresa saiu de R$ 250 mil em 2022 - ano em que atuou de outubro a dezembro - para R$ 1,3 milhão em 2024. A expectativa do empreendedor é chegar a R$ 2,7 milhões neste ano.
Os itens da Guaxupé Alimentos são vendidos em mercados regionais de Minas Gerais e do interior de São Paulo e no Mercado Livre.
Para o futuro da marca, Ferreira conta que tem a intenção de levar os produtos para mais regiões de São Paulo e do Rio de Janeiro, mas diz que é preciso ter cuidado com a distância, especialmente em relação à água, já que a logística tem um custo alto.
“Nós pensamos em exportação também e conversamos com especialistas para nos ajudar nessa missão”, conclui Ferreira.
Avaliação dos clientes
A Guaxupé Alimentos não recebeu avaliações no Google e não tem reclamações registradas na plataforma Reclame Aqui.
Recorde de novos empreendedores com mais de 55 anos
Os empreendedores com 55 anos ou mais foram responsáveis por 13,3% dos novos negócios abertos no Brasil em 2024, número recorde para a faixa etária.
Os dados estão no relatório Global Entrepreneurship Monitor (GEM), que monitora o empreendedorismo no mundo e é conduzido no Brasil pela Associação Nacional de Estudos de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas (Anegepe), em colaboração com o Sebrae.
A analista do Sebrae-MG Viviane Soares afirma que a principal vantagem de empreender nessa faixa etária é a maturidade. Por ter mais experiência, tanto no trabalho quanto na vida pessoal, o empresário tem mais conhecimento para basear suas decisões.
Ela destaca que a principal diferença entre o perfil do empreendedor jovem e do sênior é a paciência. “Nada acontece imediatamente. Tudo precisa de um tempo de maturação, mas o jovem não costuma saber esperar. Já as pessoas mais velhas entendem que é preciso persistir”, diz.
Por outro lado, quem empreende depois dos 60 anos pode encontrar dificuldades para se adaptar a algumas tecnologias, como a inteligência artificial. Viviane aponta que essas ferramentas são fundamentais para ajudar a simplificar o dia a dia das empresas, o que obriga os empreendedores seniores a se habituar com as novidades.
Para facilitar a caminhada, as pessoas podem optar por negócios relacionados a áreas ou marcas com as quais já tenham familiaridade - como Julio Cesar Ferreira fez com a Guaxupé Alimentos.
Contudo, a analista afirma que é preciso entender que ter trabalhado em uma empresa do setor não garante que você saberá como lidar com todas as demandas do próprio negócio.
A única forma de driblar os desafios e realizar o sonho de empreendedor é estudar, segundo Viviane. “Se uma pessoa quer ser médica, ela estuda. Se quer ser contadora, ela estuda. Para ser empreendedor, também precisa estudar de forma contínua para sempre se atualizar”, conclui.