Opinião | Donald Trump é um homem mau e mente tanto quanto respira, mas Joe Biden é inapto para o cargo

Eleger Trump de novo seria como jogar roleta russa com revólver totalmente carregado. Por isso, Partido Democrata precisa construir candidato com vitalidade para barrá-lo; leia a coluna de Thomas Friedman

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Por Thomas Friedman (The New York Times)

Quando olho para a disputa presidencial no meu país, o primeiro pensamento que me vem à mente é que apenas o Diabo em pessoa poderia ter inventado essa bagunça excruciante.

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Ambos os homens disputando a presidência neste momento são inaptos para a função: um deles é um homem bom, em óbvio declínio cognitivo e físico; e o outro é um homem mau, que mente tanto quanto respira, cuja principal plataforma é vingar-se — e cuja cognição também despenca.

Mas a diferença mais importante para o país — onde é realmente possível ver o Diabo em ação — reside na diferença entre democratas e republicanos. O fato objetivo é que somente um partido do sistema bipartidário dos Estados Unidos está disposto a defender nossa ordem constitucional. O outro está interessado apenas em chegar e se aferrar ao poder como objetivo último.

Presidente americano Joe Biden durante encontro com o ucraniano Volodmir Zelenski às margens da Cúpula da Otan, em Washington,  Foto: Susan Walsh/Associated Press

O vazio moral do Partido Republicano manifesta-se de várias maneiras. O partido foi expurgado de virtualmente todos os políticos republicanos que não desejam se curvar ao seu Amado Líder — Donald Trump, que tentou reverter o resultado da nossa última eleição presidencial. A mulher de um ministro da Suprema Corte indicado pelos republicanos defendeu a reversão do resultado com argumentos absolutamente mentirosos, o que nos mostra a magnitude do desrespeito que esse partido passou a ter às nossas instituições sagradas. E o Partido Republicano está pronto para indicar Trump novamente mesmo que muitos dos indivíduos que trabalharam mais intimamente com ele em seu primeiro mandato — incluindo seus ex-vice-presidente, secretário da Defesa, comandante do Estado-Maior conjunto, conselheiro de Segurança Nacional, secretário de imprensa, diretor de comunicação e procurador-geral — alertaram o país em discursos, entrevistas e livros de memórias que Trump é errático, imoral e uma pessoa cuja entrada na Casa Branca jamais deve ser permitida novamente.

Um dos maiores erros que os americanos estarão cometendo se elegerem Trump outra vez é assumir que, por termos sobrevivido quatro anos ao seu comportamento delinquente, abusivo e isolacionista, nós conseguiríamos patinar nessa pista novamente sem nos machucar tanto. É o equivalente na política a assumir que, já que você jogou roleta russa uma vez e sobreviveu, pode jogar de novo. Isso é loucura.

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Mas é precisamente por isso que esta eleição é tão importante e precisamente por isso que o Partido Democrata, que ainda prioriza a defesa da nossa democracia, deve produzir urgentemente um candidato presidencial com perspicácia, vitalidade e apelo entre os independentes para construir uma maioria eleitoral que preserve nossa ordem constitucional.

Nada é mais importante agora — nada, nada, nada.

Mas o atual líder do Partido Democrata — o presidente Joe Biden, alguém que eu admiro mas que claramente perdeu o passo cognitivamente e fisicamente — tem fincado o pé combativamente, atacado seus críticos e os desafiado a concorrer contra ele na convenção, apesar de cada vez mais chamados para que ele se retire da disputa pela reeleição. Poderia se esperar que sua mulher e sua família, que certamente conhecem a dimensão de suas fragilidades físicas e mentais, o convencessem a se retirar, mas os Bidens não farão isso — aparentemente alheios ao risco que essa atitude representa para o país e o legado do presidente.

Meu Deus, o Diabo deve estar adorando isso. Eu não.

Se Biden vencer, todos precisaremos rezar para que ele consiga levantar da cama todos os dias para cumprir sua agenda tão bem como fez no passado. Se Trump vencer, todos precisaremos rezar para que ele fique na cama o dia inteiro para que não consiga cumprir sua agenda impulsiva, que parece regida acima de tudo pelo lado que ele sai da cama a cada dia.

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Nós somos capazes de algo melhor — e temos essa obrigação. Porque esta temporada eleitoral não é de nenhuma maneira comum. Nós estamos em um ponto de inflexão profundo na história, prestes a embarcar em uma montanha-russa de volatilidade laboral, geopolítica e climática.

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A revolução da inteligência artificial ocorrida nos quatro anos recentes deverá arrombar a porta do mercado de empregos dos trabalhadores de colarinho-branco nos próximos quatro anos como um furacão de categoria 5. A prolongada greve dos roteiristas de Hollywood no ano passado foi apenas um gostinho de como será essa revolução desestabilizadora no emprego de colarinho-branco.

Ao mesmo tempo, estamos em meio à definição da ordem do pós-pós-Guerra Fria, agora que a ordem do pós-Guerra Fria, dominada pelos EUA, malogrou com a invasão da Rússia à Ucrânia. Lidar com uma Rússia hostil — alinhada com uma China cada vez mais hostil, atores malignos como Irã e Coreia do Norte e superempoderada por entes não estatais como o Hamas, os houthis e o Hezbollah — requererá não apenas uma liderança americana incrivelmente sábia, mas também um líder americano capaz de forjar múltiplas alianças. O mundo do pós-pós-Guerra Fria não pode ser administrado por uma superpotência americana mandando seus aliados escolherem entre gastar mais em defesa ou ser abandonados pelos EUA à doce mercê de Vladimir Putin.

E finalmente, falando em furacões, tudo indica que nosso maior desafio em relação à mudança climática — como lidar com fenômenos climáticos cada vez mais nocivos que já são inevitáveis e evitar que o clima problemático se torne inadministrável — bate à nossa porta neste momento. As decisões que tomarmos nos próximos quatro anos podem ser nossa última chance de evitar o inadministrável.

Estes são apenas alguns dos desafios antecipados diante do próximo presidente. E Deus nos guarde dos não antecipados, como migrações massivas ocasionadas pelo clima e a amplificação da instabilidade geopolítica. Os EUA precisam de uma liderança lúcida e vigorosa, mas nós precisamos disso agora mais do que nunca.

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Os democratas, se forem responsáveis, precisam imaginar como Biden estará daqui a dois ou três anos, dada a inevitável marcha do tempo. Os coordenadores da campanha de Biden e os líderes democratas que dizem para Biden se manter firme realmente acreditam que daqui a dois anos ele terá capacidade de exercer a rigorosa função de um presidente, com todas as suas pressões, mesmo em um dia bom? Ele já diz que não quer agendar eventos após as 20h, mas a presidência nunca foi e nunca será um trabalho das 8h às 20h.

E vocês conseguem imaginar as teorias conspiratórias que circularão nas redes sociais e na Fox News sobre “quem está realmente tomando as decisões?” na Casa Branca de Biden quando as pessoas virem um presidente mais debilitado fisicamente e verbalmente daqui a dois anos? Os democratas pró-Biden — e a campanha de Biden — devem ao país uma resposta a esta pergunta. Fazê-la não me dá nenhum prazer, mas nós temos de perguntar.

Donald Trump em comício em Miami. Foto: Rebecca Blackwell/Associated Press

Idem para Trump. O que significará para os EUA na era da inteligência artificial ter um presidente que jurou num depoimento à Justiça, em um processo de 2022, que, “Desde pelo menos 1.º de janeiro de 2010 tem sido minha prática costumeira não me comunicar via e-mail, mensagem de texto e nenhum outro método digital de comunicação”?

O que significará ter um presidente amante do petróleo e cético em relação à mudança climática quando cerca de 70 milhões de americanos ficarem sob alerta de calor, como no último domingo, um dia em que as temperaturas em Las Vegas atingiram 48,9ºC pela primeira vez desde o início dos registros?

O que significará numa era em que nenhum problema importante pode ser solucionado por um país só — seja mitigação da mudança climática, regulação da IA, lidar com migrações globais massivas ou confrontar a proliferação nuclear — ter um presidente que acredita apenas nos EUA em primeiro lugar e que a maioria dos aliados aproveita-se do poder americano, que as tarifas nos EUA são pagas pela China, não pelos consumidores americanos, e que instituições multilaterais globais — como Otan, OMC, União Europeia, OMS e ONU — não passam de uma sopa de letrinhas de “globalistas” inúteis?

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Evidentemente, eu votarei em Biden se ele for o indicado do Partido Democrata. E vocês deveriam fazer o mesmo. Nós temos de fazer o que pudermos para impedir Trump. Mas os democratas que continuam insistindo em colocar Biden na chapa estão se comportando com uma imprudência perigosa.

Eu repito: não é porque nós mal conseguimos sobreviver ao teste de pressão de Trump sobre a nossa ordem constitucional uma vez — com alguns danos graves — que nossa democracia será capaz de sobreviver a mais quatro anos de Trump com sua sensação de impunidade agora reforçada pela Suprema Corte. Especialmente se combinarmos os níveis de pressão autoinduzidos por um segundo mandato de Trump com as ferventes pressões externas que já aumentam em torno de nós.

Seria de fato como jogar roleta russa de novo — só que desta vez com um revólver totalmente carregado. Um jogo que somente o Diabo em pessoa poderia ter inventado. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Thomas Friedman

É ganhador do Pullitzer e colunista do NYT. Especialista em relações internacionais, escreveu 'De Beirute a Jerusalém'

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