Nas semanas após a eleição de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos, em novembro de 2020, Rupert Murdoch, o poderoso dono da Fox News, temia que o então presidente Donald Trump, apoiado por ele, estivesse ficando “cada vez mais louco”. Ao contrário de muitos telespectadores da Fox, o magnata pareceu entender rapidamente que Trump havia perdido a eleição e achou o comportamento do presidente cada vez mais angustiante e errático.
A opinião de Murdoch está em milhares de páginas de documentos internos da Fox, em mensagens de texto e e-mails trocados entre ele e os principais diretores e apresentadores do canal, tornados públicos na terça-feira, 7, como parte de um processo de difamação movido pela Dominion Voting Systems, uma empresa que produz e vende hardware e software de votação eletrônica para os EUA, contra a Fox.
Um dos e-mails, enviado 13 dias após a eleição, indica que o empresário acreditava que Trump iria ceder à vitória de Biden eventualmente. Uma semana depois, ele permanecia com a mesma opinião, confiante que Trump estava saindo do cenário político. “Em mais um mês, Trump se tornará irrelevante e teremos muito a dizer sobre Biden, democratas e nomeações”, escreveu ao ex-executivo da Fox, Preston Padden, em novembro de 2020.
A confiança de Murdoch foi diminuindo à medida que Trump insistia em alegar fraude nas eleições. A um amigo, o dono da Fox News disse que o então presidente parecia cada vez mais louco. “Aparentemente, não está dormindo e muito hiperativo”, disse. “Não sei sobre Melania (esposa de Donald Trump) está. Os filhos dele também não estão ajudando”.
As posições pessoais de Murdoch contrastavam fortemente com a opinião transmitida todas as noites nos programas da Fox News. Apesar de suas opiniões, o proprietário do canal às vezes parecia preocupado em manter uma cobertura jornalística sem entrar em embates com Trump para não irritar a audiência, composta por apoiadores do republicano. As avaliações internas mostravam que os espectadores estavam saindo do canal para buscar outros veículos que abraçavam as mentiras de Trump.
Na semana passada, o ex-presidente Donald Trump escreveu uma mensagem que parecia responder às revelações dos documentos da Fox. “Rupert Murdoch deveria se desculpar com seus telespectadores e leitores por sua defesa ridícula da eleição presidencial de 2020. Quantas trapaças e manipulações ele tem a ver?”, disse.
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Mensagens antes das eleições
Nos e-mails anteriores às eleições, Murdoch se mostra um partidário a favor de Trump, sem medir equilíbrio nas preferências políticas. Em uma conversa com o genro e conselheiro sênior de Trump, Jared Kushner, ele deu opiniões e informações internas da Fox News sobre a campanha presidencial. “Saiba que vocês estão gastando menos na TV do que Biden”, escreveu um mês e meio antes das eleições. “No entanto, meu pessoal diz que os [anúncios] dele são muito mais criativos que os seus”.
No dia seguinte, Kushner respondeu dizendo que lançaria novas peças mais criativas durante a semana, após uma análise feita por ele. “Seu [anúncio] às 13h deste domingo é uma melhoria”, respondeu Murdoch.
Em 5 de janeiro de 2021, Murdoch orientou à equipe da Fox News que deveria se concentrar na disputa de segundo turno para o Senado na Geórgia, que ocorreu no contexto de ataques contínuos do ex-presidente às eleições presidenciais e determinaria o controle do Senado nos EUA. Quando alegações infundadas sobre a eleição continuaram a ser feitas, o empresário disse que eram “coisas realmente loucas e prejudiciais”. “Pode até levar a uma derrota dupla na Geórgia”, declarou.
Repercussões ao ataque do Capitólio
O ataque ao Capitólio dos EUA por apoiadores de Donald Trump no dia 6 de janeiro parece ter dado uma pausa a Murdoch. Dois dias depois, ele enviou um e-mail a um ex-executivo do seu canal afirmando que queria fazer de Trump uma “não-pessoa”. “Fox News muito ocupada mudando de direção”, declarou.
Um dia após a posse de Biden, em 21 de janeiro de 2021, o executivo voltou a trocar correspondências, dando indícios que estava revendo o papel da Fox nas semanas anteriores. “Talvez Sean e Laura (dois dos principais comentaristas do horário nobre da Fox) tenham ido longe demais”, disse.
Processo contra a Fox News
O processo da Dominion Voting Systems contra a Fox News alega que o canal de televisão difamou a empresa por notícias falsas que alegavam que as máquinas Dominion foram utilizadas para ajudar Biden a derrotar Trump. A Fox disse que divulgava as alegações do ex-presidente, mas não as endossava, e acusou a Dominion de distorcer e promover desinformação para “atropelar a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa”. O caso deve ir a julgamento no próximo mês.
Então com 89 anos de idade e uma das pessoas mais poderosas da mídia global, Murdoch aparece nos documentos anexados no processo como uma figura extremamente engajada e participativa na Fox News após a eleição de 2020. No início de dezembro de 2020, ele disse que o comportamento de Trump, que preparava um comício na Flórida no dia da posse de Joe Biden, para desviar a atenção, era “horrível” e tornava mais difícil para a Fox superar a eleição.
Os e-mails eram frequentemente enviados para o filho Lachlan Murdoch, filho e CEO da Fox News, e para Suzanne Scott, diretora-executiva do canal. Em outros, os destinatários eram diversos amigos do empresário, do ex-editor do New York Post ao dono de canais de TV do Afeganistão.
O processo também revela como Murdoch estava furioso com os pesquisadores que trabalharam para ele na Fox News – “Eu odeio nosso pessoal da Mesa de Decisões”, escreveu em um e-mail, enquanto o canal, com a análise dos pesquisadores, se preparava para declarar a vitória de Joe Biden.
Em outro e-mail, Murdoch também externa a sua preocupação com as ideias golpistas de Trump e de seus aliados estaduais de rejeitar as vitórias de Joe Biden nos Estados indecisos. Segundo o dono da Fox News, o medo era que as ideias “soassem ridículas” e causassem “motins como nunca antes”.
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