Se vocês estão confusos com as estratégias ziguezagueantes do presidente Donald Trump a respeito da Ucrânia, das tarifas, dos microchips ou de uma série de outras questões, não é sua culpa. A culpa é dele. Vocês estão testemunhando um presidente que concorreu à reeleição para evitar processos criminais e se vingar de pessoas que ele acusa falsamente de fraudar a eleição de 2020. Ele nunca teve uma ideia coerente sobre as maiores tendências no mundo hoje, nem sobre como melhor alinhar os Estados Unidos a essas tendências para prosperar no século 21. Não foi por isso que ele disputou a presidência.
E, uma vez que venceu, Trump trouxe de volta antigos ressentimentos e obsessões — com tarifas, Vladimir Putin, Volodmir Zelenski e o Canadá — e equipou seu governo com uma quantidade extraordinária de ideólogos limítrofes que atendessem a um critério primordial: lealdade primeiramente e sempre a Trump e seus caprichos acima da Constituição, dos valores tradicionais da política externa americana ou de leis básicas da economia.
O resultado é o que vocês veem hoje: um coquetel tresloucado de tarifas intermitentes, assistências intermitentes para a Ucrânia, cortes intermitentes em departamentos e programas governamentais nacionais e estrangeiros — decretos conflitantes, todos colocados em prática por secretários de gabinete e membros da equipe unidos pelo medo de serem objeto de tuítes de Elon Musk ou Trump caso se desviem de qualquer linha política que tenha surgido sem filtro nos últimos cinco minutos do feed de mídia social do nosso Querido Líder.

Quatro anos disso não vai funcionar, pessoal.
Nossos mercados sofrerão um surto nervoso devido a essa incerteza, nossos empreendedores surtarão, nossos industriais surtarão, nossos investidores — estrangeiros e nacionais — surtarão, nossos aliados surtarão; e nós faremos o mundo inteiro surtar.
É impossível governar um país, ser aliado dos EUA, dirigir uma empresa ou ser parceiro comercial de longo prazo dos EUA quando, num curto espaço de tempo, o presidente americano ameaça a Ucrânia, ameaça a Rússia, retira sua ameaça à Rússia, ameaça impor tarifas enormes sobre o México e o Canadá e as adia novamente, então dobra as tarifas sobre a China e ameaça impor ainda mais tarifas sobre a Europa e o Canadá.
Altas autoridades de nossos aliados mais antigos afirmam privadamente temer que estejamos não apenas ficando instáveis, mas realmente virando seus inimigos. A única pessoa tratada com modos é Putin, e os amigos tradicionais dos EUA estão em choque.

Economia dos EUA
Mas eis a maior mentira de Trump, entre todas as suas grandes mentiras: ele afirma que herdou uma economia em ruínas e por isso tem de fazer isso tudo. Bobagem. Joe Biden errou muito, mas no fim de seu mandato, com a ajuda de um sábio Federal Reserve, a economia de Biden estava realmente em muito boa forma e tendendo à direção correta. Os EUA certamente não precisavam de uma terapia de choque tarifário global.
Os balanços corporativos e domésticos estavam relativamente saudáveis; os preços do petróleo, baixos; o desemprego, em torno de apenas 4%; os gastos de consumo vinham aumentando; e o crescimento do PIB estava em torno de 2%. Nós sem dúvida precisávamos resolver o desequilíbrio comercial com a China — Trump estava certo sobre isso o tempo todo — mas esse era de fato o único item urgente da agenda, e nós poderíamos ter feito isso com aumentos tarifários direcionados aos chineses, coordenados com nossos aliados fazendo o mesmo, pois é assim que se faz Pequim se mexer.
Agora os economistas temem que a profunda incerteza que Trump vem injetando na economia possa reduzir as taxas de juros por todos os motivos errados — por causa de tanta incerteza dos investidores reduzindo o crescimento, tanto aqui quanto no exterior. Ou nós poderíamos ter uma combinação ainda pior: entre crescimento estagnado e inflação (ocasionado pelas tantas tarifas), um fenômeno conhecido como estagflação.
Mas Trump não desencadeou apenas aquela incerteza econômica cíclica do tempo dos nossos avós. A incerteza atual corta até o osso, é uma incerteza produzida por vermos um mundo que conhecemos há 80 anos sendo desfeito por seu jogador mais poderoso — que não sabe o que está fazendo e está cercado por bonecos bobbleheads.

O mundo desfrutou de um extraordinário período de crescimento econômico e ausência de guerras entre grandes potências desde 1945. Claro que não foi perfeito, houve muitos anos problemáticos e muitos países ficaram para trás. Mas em meio à amplidão da história mundial, esses 80 anos foram notavelmente pacíficos e prósperos para muita gente, em muitos lugares.
E a razão número 1 para o mundo ter sido assim foi os EUA terem sido do jeito que foram.
Os EUA daquele tempo foram resumidos em duas falas do discurso de posse de John Kennedy, em 20 de janeiro de 1961: “Que todas as nações saibam, quer nos desejem bem ou mal, que nós pagaremos qualquer preço, suportaremos qualquer fardo, enfrentaremos qualquer dificuldade, apoiaremos qualquer amigo e nos oporemos a qualquer inimigo para garantir a sobrevivência e o sucesso da liberdade”.
“Então, compatriotas americanos, não perguntem o que seu país pode fazer por vocês, perguntem o que vocês podem fazer por seu país. Cidadãos do mundo, não perguntem o que os EUA farão por vocês, mas o que podemos fazer juntos pela liberdade da humanidade”.

Discurso trumpista
Trump e seu vazio vice-presidente, JD Vance, viraram o desígnio de Kennedy completamente de cabeça para baixo. A versão Trump-Vance é:
Que todas as nações saibam, quer nos desejem bem ou mal, que os EUA de hoje não pagarão nenhum preço, não suportarão nenhum fardo, não enfrentarão nenhuma dificuldade, abandonarão qualquer amigo e se unirão a qualquer inimigo para garantir a sobrevivência política do governo Trump — mesmo que isso signifique se desviar da liberdade onde quer que nos seja lucrativo ou conveniente.
Então, compatriotas americanos, não perguntem o que seu país pode fazer por vocês, mas o que vocês podem fazer pelo presidente Trump. Cidadãos do mundo, não perguntem o que os EUA farão por vocês, perguntem-se quanto vocês estão dispostos a pagar para os EUA defenderem sua liberdade da Rússia ou da China.
Quando um país tão central quanto os EUA — que desempenharam um papel estabilizador crítico desde 1945, agindo por meio de instituições como a Otan a Organização Mundial da Saúde, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio e, sim, pagando uma fatia maior do que os outros para fazer o bolo crescer muito mais, o que nos beneficiou mais porque nós tínhamos a maior fatia — quando um país como o nosso de repente se afasta dessa função e vira um predador nesse sistema, cuidado.
Trump nunca propagandeou nenhuma filosofia de política externa discernível e consistente, o que ele pratica não tem paralelo na história.

“Trump é um isolacionista-imperialista”, disse-me outro dia o colunista Nahum Barnea, do jornal israelense Yedioth Ahronoth. Trump quer todos os benefícios do imperialismo, incluindo seus territórios e minerais, sem acionar tropas dos EUA nem pagar qualquer compensação.
Em vez de classificar a filosofia de política externa de Trump como “contenção” ou “engajamento”, eu a chamaria de “arrombar e se apoderar”. Trump aspira ser um ladrão geopolítico. Ele quer encher os bolsos com a Groenlândia, o Panamá, o Canadá e a Faixa de Gaza — simplesmente pegá-los das prateleiras sem pagar — e então correr de volta para seu abrigo seguro nos EUA. Nossos aliados do pós-guerra nunca viram EUA assim.
Se quiser conduzir os EUA a uma virada de 180 graus, Trump deve ao país um plano coerente, com base em economia sólida e com uma equipe que represente os melhores e os mais brilhantes, não os mais bajuladores e mais direitistas. E ele nos deve uma explicação sobre exatamente por que é bom para o país — e não apenas para ele — expurgar funcionários profissionais de agências críticas para manter a nação funcionando de governo a governo, seja no Departamento de Justiça ou na receita federal, e nomear ideólogos limítrofes para posições-chave.
E ainda mais — acima de tudo — ele deve a todos os americanos, independentemente de seu partido, alguma decência humana básica. A única maneira de qualquer presidente ter alguma chance remota de sucesso em qualquer virada radical, ou mesmo numa mudança menor, é se aproximando de seus oponentes e pelo menos tentando uni-los o máximo possível. Eu entendo, eles estão bravos. Mas Trump é o presidente. Ele deveria ser maior que isso.
Saiba mais
Só que infelizmente Trump não é assim. O que Leon Wieseltier disse certa vez sobre Binyamin Netanyahu é duplamente verdadeiro a respeito de Trump: um homem tão pequeno em um momento tão grande.
O contraste com o discurso de posse de Kennedy é o que mais me deprime hoje, mas o discurso de Lincoln em janeiro de 1838 no Liceu dos Jovens de Springfield, Illinois, é o que mais me atormenta — particularmente seu aviso sobre a única potência capaz de nos destruir ser nós mesmos, ao abusarmos de nossas instituições mais estimadas e uns dos outros.
“Em que ponto, então, a aproximação do perigo deve ser esperada?”, perguntou Lincoln. “Eu respondo que, se nos alcançar algum dia, ele deve surgir entre nós. Não pode vir de fora. Se destruição é o que nos cabe, nós mesmos devemos ser seus autores e a consumar. Enquanto uma nação de homens livres, nós devemos viver através dos tempos ou nos suicidar”.
Se essas palavras não os atormentam também, vocês não estão prestando atenção. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO