THE NEW YORK TIMES - No mês passado, Emma, a duquesa de Rutland, pesou os prós e os contras de morar no Castelo de Belvoir, uma estrutura imponente situada no alto de uma colina arborizada no interior da Inglaterra, com mais de 356 quartos e altas torres. É ali que fica a sede de sua família desde o século 16.
“É magnífico, é claro, e temos muita sorte, mas você nunca sabe quem está aqui. Não há a privacidade que a maioria das pessoas espera ter em suas casas. E nem me fale sobre os fantasmas.”
Um funcionário passou com uma bandeira gigante que precisava de reparos antes que pudesse tremular no telhado de 10 mil m² da construção. No andar de baixo, o salão de chá fervilhava com turistas degustando bolinhos com geleias produzidas na propriedade de Belvoir. Perto dali, um pelotão de picapes saltava pelo campo, recolhendo obstáculos de um recente evento de corrida. Para a duquesa, cujo nome de batismo é Emma Watkins, era um dia como qualquer outro.
Filha de um fazendeiro e nascida na fronteira com o País de Gales, ela se mudou para Belvoir em 2001, quando seu marido se tornou o 11º duque de Rutland, um dos títulos hereditários mais antigos da Inglaterra. Ele pode ter herdado um castelo de conto de fadas, mas também foi taxado em 12 milhões de libras (R$ 75 milhões) por impostos sobre herança e ganhou “batalhões de ratos e funcionários que preferiam os antigos moradores”.
Nos anos seguintes, ela negociou acordos de filmagens e eventos, simplificou as operações da propriedade e investiu uma grande quantia de dinheiro em uma restauração para preservar Belvoir para a próxima geração.
A duquesa tem estampado tabloides em razão de seu arranjo marital pouco convencional —ela e o duque estão legalmente separados e vivem em alas diferentes desde 2012. Construções históricas como Belvoir também têm estado cada vez mais no centro de uma inflamada guerra cultural sobre como o Reino Unido deve lidar com seu passado colonial. Mesmo assim, nos últimos tempos, ela tem demonstrado um gosto crescente pelos holofotes.
Em 2020, Emma iniciou um podcast, “Duchess”, ou duquesa, no qual entrevista outras duquesas. Uma loja na propriedade, a Duchess Gallery vende roupas de marca, utensílios domésticos, gins, vinhos e cidra. E no ano passado ela publicou o livro “The Accidental Duchess” (duquesa por acaso), uma autobiografia que inclui relatos dos casos amorosos de seu marido e a série de abortos espontâneos que ela sofreu enquanto criava cinco filhos.
Aos 59 anos, ela surge como um dos rostos mais amáveis da aristocracia britânica num momento em que muitos de seus membros preferem permanecer fora do radar. E ela é mais otimista do que a maioria para lavar a roupa suja.
Rápida, mas amigável, ela cruzou as pernas nuas e tonificadas (ela disse que corre cerca de três quilômetros todos os dias após uma xícara de chá Earl Grey ao nascer do sol) ao se lembrar de uma tentativa matinal de colocar um monte de roupas na máquina de lavar. Sua despensa, ela disse, fica do outro lado de um patamar de seus aposentos, que são escondidos do público por telas. Ela usava o que descreveu como “uma camisola de vovó” enquanto atravessava o corredor.
“Para meu horror, havia 20 ou 30 texanos hipnotizados de uma excursão de ônibus, todos apontando para mim de uma escada”, disse ela. Ela sorriu e acariciou o pequeno Shih Tzu do duque, Spitfire, que descansava em seu colo com ar resignado. “Sempre tem alguma coisa acontecendo aqui”, disse ela. “Fazemos o que precisamos para manter as luzes acesas.”
Uma idiossincrasia da paisagem cultural do Reino Unido é que muitas de suas casas senhoriais podem receber visitantes mesmo enquanto as famílias proprietárias continuam a morar no local. Cerca de um terço das casas históricas estão sob os cuidados de instituições de conservação, como o National Trust ou o English Heritage, mas o Castelo de Belvoir, em Leicestershire, permanece em mãos privadas.
“Muitas casas foram abertas pela primeira vez após a Segunda Guerra Mundial, quando as famílias precisavam encontrar novos fluxos de renda para pagar as contas das reformas necessárias. Algumas delas foram demolidas porque os proprietários não conseguiam mantê-las”, diz Ben Cowell, diretor-geral da ONG Historic Houses, que ajuda a preservar cerca de 1.500 propriedades privadas.
A partir da década de 1970, mudanças nas leis de impostos sobre heranças tornaram vantajoso abrir as casas ao público durante alguns dias por ano, gerando fundos para os custos de preservação. “Descobrimos que os visitantes realmente adoram ver casas que permanecem habitadas, em vez de serem peças de museu onde ninguém mora”, diz Cowell.
Alguns dos visitantes de Belvoir inclusive passam a noite lá, como hóspedes. O local fez as vezes de Castelo de Windsor na série “The Crown”, e apareceu em filmes como “O Código Da Vinci” e “A Jovem Rainha Vitória”.
O espaço costuma receber hóspedes para eventos de fim de semana e sessões de fotos. Eles podem dormir em quartos suntuosos, vários dos quais foram recentemente reformados, incluindo um que é forrado de papéis de parede pintados à mão. (Réplicas dos papéis de parede podem, é claro, ser encomendadas no castelo.)
A preservação dos papéis de parede costuma ser uma prioridade para a duquesa, que já foi decoradora de interiores, corretora de imóveis e cantora de ópera. É a pedra angular de sua nova iniciativa beneficente, American Friends of Belvoir Castle, que sediará um baile de gala para arrecadar fundos em Palm Beach, na Flórida, no próximo ano.
A reverência americana pelas grandiosas casas britânicas tem sido fundamental para os cofres do castelo. Afinal, Belvoir custa cerca de 1 milhão de libras (R$ 6,3 milhões) por ano “só para ficar de pé”, segundo a duquesa. Ela está sempre em busca de doadores. “Os americanos adoram descobrir suas origens, e também amam o peso histórico das coisas aqui. É maravilhoso ter tantos ouvintes de ‘Duchess’ lá.”
Mas por que a duquesa de Rutland, que disse que nem sabia o que era um podcast até a ideia ter sido apresentada a ela, concordaria em entrevistar outras mulheres que dirigem mansões senhoriais, incluindo “lady” Henrietta Spencer Churchill, do Palácio de Blenheim, a duquesa de Argyll, do Castelo de Inveraray, e a condessa Spencer, de Althorp House? Ela não temia que um projeto de nicho, com foco descaradamente elitista, pudesse dar errado? A duquesa parece chocada com a pergunta.
“As pessoas podem gostar de mim ou me odiar, mas nunca fui de me importar com a negatividade dos outros. Em ‘Duchess’, queria mostrar às pessoas como é ser uma mulher administrando uma dessas propriedades, um trabalho que pode ser muito árduo. Acho que nunca tomei café da manhã na cama nas duas décadas em que moro aqui.”
O podcast foi sugerido pela filha mais velha da duquesa, Violet Manners, que teve a ideia quando estudava na Universidade da Califórnia em Los Angeles. Entrevistadora hábil, a duquesa se tornou uma “apresentadora de luxo”, nas palavras dela, e ficou contente de poder fazer sua parte.
Lady Violet encontrou inspiração para o podcast após anos ouvindo conversas após o jantar entre duquesas sentadas perto da lareira de Belvoir, trocando recomendações para fabricantes de cortinas e pedreiros ou dicas sobre o que fazer quando ocorre uma enchente ou um teto desaba. O que impressionou a duquesa ao gravar os podcasts foi que muitas das mulheres, ou “garotas”, como ela as chamava, tinham uma mentalidade semelhante. Ou seja, que eram guardiãs de monumentos coletivos da importante história nacional e não tinham medo de sujar as mãos.
“Também percebi que a aristocracia britânica tem sido bastante prática em escolher o tipo certo de esposa de que precisam em um determinado momento, o que é em parte o motivo pelo qual eles continuaram por gerações”, disse a duquesa. É como um visionário artístico ou uma herdeira americana. Ou alguém como ela.
“Fui criada em uma fazenda”, disse ela. “Eu não vim com um título ou sei nada sobre os mundos da herança ou classe, mas farei tudo o que puder para que Belvoir prospere enquanto eu estiver aqui.”
Parte desses esforços foi além do que muitos estariam preparados para enfrentar. Em sua autobiografia, a duquesa descreve como chorava ao amamentar seu filho Charles, o herdeiro de Belvoir, quando percebeu pela primeira vez a infidelidade do duque.
Em sua festa de aniversário de 50 anos, em 2009, que tinha como tema os anos 1920, ela teve uma revelação semelhante, que a deixou “como se tivesse levado um soco, sem conseguir respirar”.
Ela se trancou na sala de jantar para fumar cigarros, beber vinho e dançar “I Will Survive”. Um advogado disse que ela poderia sair de um divórcio com 30 milhões de libras (R$ 190 milhões), mas ela preferiu continuar vivendo no castelo, mas em alas separadas. “É um arranjo muito moderno, mas ao mesmo tempo com muita cara da França do século 18″, escreveu Nicky Haslam, designer de interiores e socialite, em um artigo na Vanity Fair.
O duque, que é um grande fã de Donald Trump e foi a favor do Brexit, já morou no castelo com várias parceiras desde a separação. A duquesa, por sua vez, manteve um relacionamento com Phil Burtt, o administrador da propriedade, na última década.
“Há certas complicações, mas quando alguma coisa é perfeita?”, questiona a duquesa, que disse que sofreu um colapso em 2017. Ela enfatizou que está “muito melhor”, graças à ajuda de cristais, reiki e meditação.
Emma diz que ela e o duque estão “na mesma página” e são amigos, além de manterem um acordo que permite que ela continue morando em Belvoir e ocupe a posição de CEO do castelo até os 65 anos. Eles até jantam juntos às vezes.
“O dinheiro não é meu deus”, diz ela. “Mas seria horrível entrar para a história como a pessoa que levou este lugar à falência depois de centenas de anos.”
A duquesa ainda acredita na primogenitura, ou no direito de sucessão pertencente ao filho primogênito, e não acha que seus outros quatro filhos iriam querer o fardo de tal herança de qualquer maneira. Lady Violet, Lady Alice e Lady Eliza, antes conhecidas como as belas “irmãs mal-educadas” por causa das festas londrinas tão barulhentas que seus vizinhos reclamavam aos jornais, agora trabalham em consultoria criativa, estilo e design de interiores, enquanto Charles trabalha na cidade de Londres e seu irmão Hugo frequenta a Newcastle University.
E embora tenha adorado trabalhar no podcast, disse a duquesa, agora está entregando as rédeas a Lady Violet para a próxima série, que começa em 17 de agosto e apresenta os guardiões de casas históricas em episódios individuais. A duquesa quer se concentrar nos empreendimentos comerciais da propriedade, incluindo uma vila de varejo e uma fazenda, bem como uma nova série do YouTube que investiga a história de Belvoir, em vez de casas em outros lugares.
Talvez a construção de uma mídia social multiplataforma seja parte integrante de ser uma duquesa de sucesso do século 21?
“Ah, não, não, acho que não”, disse a duquesa. “A maioria das garotas que entrevistei provavelmente pensa ‘Oh não, o que diabos ela está fazendo agora?’ Expor-se e falar sobre dinheiro ainda pode ser visto por grande parte da aristocracia britânica com um revirar de olhos. Mas eu apenas faço o trabalho e continuo. Eu sei porque faço o que faço.”
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