O ditador russo, Vladimir Putin, continua indo de mal a pior com sua invasão à Ucrânia. De sua perspectiva, a semana passada foi uma catástrofe incontestável.
A impressionante e surpreendentemente bem-sucedida ofensiva da Ucrânia em Kharkiv continuou a transcorrer, libertando já estimados 9 mil quilômetros quadrados de território do jugo russo - ou seja, mais do que as áreas combinadas dos Estados americanos de Delaware e Rhode Island. Tropas ucranianas estão entrando agora na região de Luhansk, que havia sido perdida em julho. Isso torna cada vez mais improvável a possibilidade de Putin alcançar até mesmo seu objetivo diminuído, de conquistar apenas o Donbas (Luhansk é uma das duas províncias do Donbas).
As forças russas continuam tentando - até agora, sem sucesso - restabelecer uma nova linha defensiva. Durante o fim de semana, tropas ucranianas atravessaram o Rio Oskil, uma barreira natural para seu avanço. O recuo russo revelou confusão e baixo moral entre fileiras do Exército de Putin. Em Izium, as tropas russas deixaram para trás covas coletivas de suas vítimas para serem descobertas por investigadores de crimes de guerra.
Putin jamais pretendeu ser amado, mas seu governo tem dependido de uma aura de medo e poder que agora está sendo drenada — para ser substituída por repugnância e desprezo.
O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, um dos principais importadores de energia e armas russas, repreendeu Putin abertamente durante a cúpula da Organização para Cooperação de Xangai, em Samarcanda, no Usbequistão. O chinês Xi Jinping não criticou abertamente Putin, mas também não expressou apoio ao ditador russo.
Empresas chinesas não estão suprindo o vácuo deixado pelas empresas ocidentais que têm deixado a Rússia, e a China não está fornecendo armamentos para os russos, forçando Putin a fazer compras no Irã e na Coreia do Norte.
Um indicador do status reduzido de Putin no mundo foi o quanto tantos líderes mundiais o deixaram esperando antes de se reunir com ele em Samarcanda — empregando contra ele uma de suas principais táticas para sublinhar dominância.
Rompimentos
Outro sinal dos tempos: a Assembleia-Geral da ONU aprovou por 101 votos a 7 na sexta-feira uma resolução para permitir um pronunciamento televisivo do presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski. Além da Rússia, os únicos países que votaram contra foram outros Estados párias: Belarus, Cuba, Eritreia, Nicarágua, Coreia do Norte e Síria. A Rússia está quase completamente isolada. Até o Casaquistão, no passado um dos aliados mais próximos de Moscou, rompeu com Putin na ONU como parte de uma recusa mais ampla em apoiar sua guerra de agressão. Outra aliada da Rússia, a Armênia, é vítima de uma ofensiva renovada do Azerbaijão, que pode estar tirando vantagem de um Kremlin distraído.
Mais sobre a guerra de Putin
Dadas as pesadas baixas de soldados e material que a Rússia tem sofrido desde o início de sua mal concebida guerra (cerca de 70 mil mortes e a perda de 6,2 mil veículos, 11 navios e mais de 200 aeronaves de todos os tipos), será difícil se recuperar. Putin ainda parece receoso em ordenar uma mobilização geral por temer a insatisfação social que poderia ser ocasionada por uma conscrição expandida.
Portanto, ele está se fiando em excrescências da sociedade para que levem a cabo sua luta. “O chef de Putin”, Yevgenii Prigozhin, aparentemente tem optado por recrutar mercenários para seu Grupo Wagner em prisões. Enviar mais criminosos para a frente de batalha provavelmente minará ainda mais a baixa qualidade das indisciplinadas e descontentes forças russas na Ucrânia, elevando o risco de um colapso generalizado.
Mas mesmo que a Rússia esteja em desvantagem, ela ainda não foi derrotada. Mais de 150 mil pessoas foram libertadas do jugo russo nas semanas recentes, mas outro 1,2 milhão de ucranianos ainda vive sob a brutal ocupação. A Rússia continua a ocupar cerca de 20% da Ucrânia, e a Ucrânia precisará de mais equipamentos militares do Ocidente para terminar de libertar seu território. A Ucrânia quer desesperadamente sistemas de armamentos mais avançados, como caças de combate F-16, drones Gray Eagle, baterias de mísseis Patriot de defesa antiaérea, mísseis de maior alcance e tanques de batalha como o Leopard 2, alemão, e o M1 Abrams, americano.
Mesmo que as Forças Armadas ucranianas tenham mostrado que são capazes de assimilar rapidamente armamentos ocidentais sofisticados, como os sistemas de foguetes de artilharia de alta mobilidade (himars), os Estados Unidos e seus aliados ainda estão relutantes em fornecer as armas que Kiev está pedindo. A razão essencial, uma vez que todas as desculpas evaporam, é que ainda estamos sendo dissuadidos pelas ameaças de retaliação da Rússia. Na realidade, quanto mais Putin age, com mais medo parecemos ficar. O subsecretário de Defesa Colin Kahl acaba de publicar um comunicado afirmando: “O sucesso da Ucrânia no campo de batalha pode fazer com que a Rússia se sinta acuada contra a parede, e temos de continuar a ser cuidadosos com isso”.
Para mim, isso parece um erro fundamental de leitura do momento. Putin está cambaleando. Agora é a hora para os ucranianos pressionarem para valer-se da sua vantagem. Aproveitem o momento. Não deem aos russos tempo de se reorganizar e se recuperar. Dado o lamentável desempenho do Exército russo, Putin deveria ter mais medo de nós do que nós temos dele.
No fim, a maneira mais garantida de evitar consequências econômicas e estratégicas desestabilizadoras de um conflito continuado é diminuir a duração da guerra ajudando a Ucrânia a vencê-la — e isso provavelmente exigirá o abrandamento de algumas de nossas restrições autoimpostas a respeito de fornecer sistemas de armamentos mais avançados. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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