É possível impedir Nicolás Maduro de roubar a eleição na Venezuela?

Protestos pacíficos e diplomacia cuidadosa oferecem alguma esperança

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Por The Economist

Chega um momento na derrocada de um país rumo à ditadura quando um regime fortemente armado tenta obrigar milhões de pessoas a aceitar que o preto é branco, o mau é bom e os perdedores são vencedores. Ao roubar tão descaradamente a eleição presidencial em 28 de julho, o ditador Nicolás Maduro garantiu que esse momento chegou para a Venezuela.

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Segundo todas as medidas, exceto as do regime, Edmundo González venceu a votação com folga. Ele é um ex-diplomata de modos gentis em torno do qual a oposição se uniu depois que Maduro impediu a mais importante líder oposicionista, María Corina Machado, de concorrer.

Pesquisas de boca de urna e contagens paralelas de várias seções eleitorais apontaram para a vitória de González com mais de 65% dos votos. No entanto, depois de um atraso suspeito, a autoridade eleitoral, comandada por lacaios do regime, anunciou que Maduro vencera por uma pequena margem.

Durante seus onze anos no poder, Maduro ficou cada vez mais antidemocrático. Desta vez, seu regime inventou milhões de votos para roubar o resultado. A escala da fraude supera em muito eleições fraudulentas anteriores.

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A Venezuela agora lembra a República Democrática do Congo, um dos países mais pobres do mundo, onde milhões de votos foram fabricados para garantir a vitória do perdedor, em 2018. O estratagema do Congo deu certo. O de Maduro não pode dar.

A líder da oposição María Corina Machado acena com uma bandeira da Venezuela enquanto saúda seus apoiadores durante um comício em Caracas  Foto: Matias Delacroix / AP

Se Maduro terá êxito ou não depende sobretudo da população venezuelana. O roubo é tão flagrante que os cidadãos talvez se recusem a aceitá-lo. Protestos irromperam por todo o país, até mesmo em lugares antes vistos como bastiões do regime. Pelo menos vinte pessoas morreram. Caracas, a capital, tem ouvido o barulho de panelas e frigideiras. Multidões derrubaram pelo menos seis estátuas do falecido Hugo Chávez, a quem Maduro sucedeu em 2013 como líder da “revolução bolivariana”, de inspiração socialista.

Os venezuelanos também estão fartos da ruína do país depois de 25 anos de governos personalistas. Sob Maduro, a hiperinflação disparou (hoje, é de “apenas” 50%). Nos oito anos até 2021, a economia encolheu em três quartos. A corrupção é abundante. Dissidentes desaparecem em masmorras. Um quarto da população – 7 milhões de pessoas – fugiu para o exterior.

Infelizmente, o exército está barrando a mudança – e será difícil convencer os militares a abandonar Maduro e defender o processo eleitoral da constituição. Maduro conta com inteligência cubana para manter os oficiais na linha. A oposição deve se esforçar para mostrar em detalhes irrefutáveis que a eleição foi roubada. Com base nisso, deve organizar grandes protestos pacíficos. Muitos soldados de infantaria, cujas famílias vivem as atuais dificuldades dos venezuelanos, não são necessariamente leais ao regime.

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O mundo exterior também pode fazer sua parte. Sem dados eleitorais completos e confiáveis, as potências ocidentais devem rejeitar os resultados oficiais. A recusa do regime em fornecer esses dados deve resultar em novas sanções econômicas e processos no Tribunal Penal Internacional por possíveis crimes contra a humanidade. O Ocidente também deve usar sanções individuais contra o círculo interno de Maduro, até mesmo seus generais, cujas famílias se deleitam em hotéis luxuosos em Madri e em outros lugares.

Mais crucial será o papel do presidenteLuiz Inácio Lula da Silva, do Brasil. Antigo aliado do chavismo, Lula agora está contrariado. Ele também exigiu a divulgação dos dados eleitorais. Em privado e, idealmente, com o apoio dos governos de esquerda da Colômbia e do México, Lula deve ser muito mais duro e dizer a Maduro que, se ele insistir em ficar no poder, seus amigos de sempre vão renegá-lo – e impor sanções à sua família.

O mundo tem uma última coisa a oferecer: uma saída segura para Maduro e seus comparsas mais próximos para uma vida confortável em alguma praia do Brasil ou do Caribe, possivelmente com imunidade judicial. Isso deixaria indignados aqueles que querem ver Maduro enfrentar a justiça em Haia. Mas é um preço que vale a pena pagar para evitar derramamento de sangue e começar a reconstruir a Venezuela.

Após protestos sobre eleição roubada, os capangas atacam

Somente uma razão explica por que Nicolás Maduro se tornou presidente da Venezuela. Não foi seu talento para vencer eleições. Nem sua disposição para roubá-las. Com certeza não foi sua oratória. Foi simplesmente porque seu carismático antecessor, Hugo Chávez, doente de câncer, o apontou como herdeiro. No período que antecedeu a mais recente eleição presidencial venezuelana, realizada em 28 de julho (aniversário de 70 anos de Chávez), um vídeo do falecido populista anunciando sua decisão, em 2012, foi transmitido sem parar, como uma espécie de talismã.

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Será que, se soubesse das consequências terríveis, o caudilho realmente teria escolhido Maduro? Tão desastroso tem sido seu governo nos últimos onze anos que ambos os líderes agora se tornaram alvos de opróbrio nacional. Em uma explosão de iconoclastia no dia seguinte ao presidente roubar uma eleição que ele jamais teria conseguido vencer de forma justa, símbolos da era Chávez foram alvejados – entre eles pelo menos cinco estátuas do falecido líder arrancadas de seus pedestais, sob aplausos eufóricos. As multidões estavam ansiosas para que o governo Maduro fosse o próximo a cair. Cartazes eleitorais cor-de-rosa com um Maduro radiante foram arrancados de postes de luz e pisoteados.

Os protestos se espalharam por toda parte, das favelas de Caracas a Valle Lindo, no estado de Anzoátegui, que tradicionalmente era profundamente leal ao regime. Como seria de se esperar, Maduro mandou seus capangas para as ruas, enquanto seus propagandistas perpetuavam caricaturas preguiçosas: os que protestavam eram todos mimados de classe média, ou viciados em drogas, ou vândalos. As alegações foram negadas pelos próprios manifestantes. “Nós não somos ricos. Somos da periferia!”, gritava um grupo no distrito operário de Petare, na capital. Pelo menos sete pessoas, entre elas um soldado, estavam mortas no final da noite (quando esta reportagem foi publicada, cerca de vinte haviam morrido, a maioria nas mãos das forças de segurança ou de bandidos pró-governo).

O ditador Nicolás Maduro junto aos juízes do Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela em 31 de julho Foto: Marcelo Garcia/Presidência da Venezuela via AFP

Um dia antes, o otimismo havia aumentado. Os venezuelanos votaram no que parecia ser a melhor e possivelmente última chance de livrar o país do déspota. Todos sabiam que desde o início o processo estava distorcido a favor de Maduro. A candidata mais popular da oposição, a conservadora María Corina Machado, vencedora das primárias oposicionistas, foi proibida de participar por motivos enganosos. Seu substituto foi Edmundo González, ex-diplomata de estilo discreto. Maduro tinha acesso total a uma mídia cativa, luxo que foi negado a González.

Machado, que em 2002 criou uma ONG especializada em monitoramento de votos, fez preparativos diligentes para enfrentar possíveis fraudes. A oposição recrutou milhares de testemunhas eleitorais e as posicionou nas quase 16 mil seções eleitorais do país. Sua principal tarefa era manter um registro das atas, ou recibos de votação, que as máquinas eleitorais imprimem antes de transmitir os resultados à comissão eleitoral nacional. Conforme as urnas fechavam, as pessoas começaram a ter um pouco de esperança. “Ousei acreditar que meu primeiro voto seria importante”, disse Arturo Silva, estudante de 19 anos em Caracas.

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Não foi o que aconteceu. Quando o burocrata à frente da autoridade eleitoral, Elvis Amoroso, anunciou os resultados, eles não tinham nenhuma semelhança com as pesquisas de opinião antes da votação, nem com as pesquisas de boca de urna, nem com uma contagem rápida de 30% das atas feita pela oposição. Maduro, declarou Amoroso, havia conquistado 51,2% dos votos, contra 44,2% de González. Até o momento, a autoridade não publicou nem mesmo um relatório detalhando os resultados de cada seção eleitoral. González e Machado denunciaram fraude e têm evidências para sustentar a alegação. Suas equipes coletaram cópias de 81% das atas, mostrando que González derrotou Maduro de forma esmagadora – talvez 67% dos votos contra 30% do atual presidente.

A resposta do regime foi, absurdamente, acusar a oposição de fraude. As autoridades alegam que Machado encomendou um ataque cibernético, originário da Macedônia do Norte, na tentativa de alterar a votação. O Carter Centre, organização sem fins lucrativos fundada pelo ex-presidente americano Jimmy Carter, enviou representantes para monitorar a eleição e emitiu um contundente relatório preliminar em 30 de julho. O centro declarou que o processo venezuelano não atendeu aos “padrões internacionais de integridade eleitoral” e desrespeitou “inúmeras disposições” das leis do país. O governo do presidente Joe Biden expressou “sérias preocupações” sobre a alegação de vitória do regime.

Tempos sombrios estão por vir. Horas antes do relatório do Carter Centre ser divulgado, Maduro começou a prender figuras da oposição, entre elas o líder Freddy Superlano, que aparece em um vídeo sendo jogado na parte de trás de um carro por homens mascarados diante de sua casa em Caracas. Jorge Rodríguez, que é chefe da assembleia nacional e, com a vice-presidente, Delcy Rodríguez (sua irmã), está entre as figuras mais poderosas da camarilha governante, classifica González e Machado como “fascistas” e exige sua prisão. Enquanto isso, Maduro pede que alcaguetes pró-regime denunciem os manifestantes, por meio de um aplicativo do governo.

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Alguns protestos podem continuar, mas, em um país onde 7 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população, emigraram na última década, muitos não têm mais energia para lutar. Além disso, diz um morador de Petare, “Eles têm armas”. Phil Gunson, do think-tank International Crisis Group, diz que é improvável que os protestos por si só consigam destituir Maduro.

Hugo Chávez e Nicolás Maduro, em evento em Montevidéu, Uruguai, em 18 de dezembro de 2007 Foto: Matilde Campodonico/AP

Uma última esperança pode ser o exército. Por enquanto, os militares continuam leais a Maduro. A Venezuela tem uma das forças armadas mais pesadas do mundo, com cerca de 2 mil generais e almirantes, o dobro do que os Estados Unidos. Graças ao capitalismo de compadrio de Maduro, eles foram autorizados a enriquecer, ao passo que os suspeitos de vacilar são implacavelmente punidos. Membros das forças armadas compõem cerca de metade dos cerca de trezentos presos políticos do país, conforme classificados pelo Foro Penal, um grupo de assistência jurídica em Caracas.

Algumas democracias da região ainda exercem certa influência sobre Maduro e seu regime. O Brasil provavelmente está melhor posicionado para tentar evitar que a Venezuela se torne uma ditadura ainda mais sombria. No entanto, após conversas privadas com Maduro e González, Celso Amorim, o principal conselheiro de política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, declarou ao jornal Guardian em 30 de julho: “Estou preocupado. Estou saindo daqui preocupado”. Os Estados Unidos e os países da região, preparando-se para mais venezuelanos em fuga para o exterior, também estão. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU