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Economia da Ucrânia começa a retomar o ritmo conforme se adapta à guerra

Economistas preveem um retorno no crescimento, mas há muitos desafios no caminho, incluindo cidades devastadas pela guerra e escassez laboral

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Por Constant Méheut

THE NEW YORK TIMES — Quando as forças russas se aproximaram de Kiev, no início de sua invasão, no ano passado, a equipe da padaria e confeitaria Zavertailo, popular entre os habitantes da capital ucraniana, fecharam a loja e começaram a preparar saladas gratuitas para os soldados que defendiam a cidade. Os estoques de alimentos diminuíram conforme os combates se arrastaram em torno de Kiev, e as finanças da Zavertailo ruíram, conforme os gerentes continuaram a pagar os salários dos funcionários.

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“Os negócios pararam completamente, e a renda esperada não entrou”, afirmou a fundadora do estabelecimento, Anna Zavertailo. “Foi necessário muito trabalho para reativar pouco a pouco a empresa.”

Mas valeu a pena. Nesta primavera (Hemisfério Norte) a Zavertailo abriu uma segunda unidade em Kiev, impulsionada por uma crescente demanda de consumo conforme a vida na capital foi se ajustando gradualmente às condições do tempo de guerra e retornou para uma normalidade semelhante à rotina de sempre. “Novas oportunidades se abriram para nós”, afirmou a diretora de operações da Zavertailo, Viktoriia Kolomiiets.

Uma moradora cumprimenta um vizinho do lado de fora de uma loja danificada por estilhaços e buracos de bala em Posad-Pokrovske, região de Kherson, Ucrânia, em 11 de outubro de 2023.  Foto: Nicole Tung / NYT

A expansão da padaria é parte de uma recuperação mais ampla, ainda que modesta, da economia ucraniana. Apesar da produção econômica da Ucrânia ainda ser consideravelmente modesta do que antes da guerra — a economia do país encolheu em cerca de um terço após a invasão russa em escala total no ano passado — este ano haverá um crescimento de 3,5%, segundo previsão do Banco Mundial. A expansão é ocasionada por uma retomada no gasto doméstico e enfatizada pelo fluxo constante de ajuda estrangeira.

Economistas afirmam que levará muitos anos para a economia da Ucrânia retornar aos níveis anteriores à guerra, e projeções em momentos de combates intensos são fadadas à incerteza. Desafios enormes despontam no horizonte, incluindo a custosa reconstrução das cidades ucranianas devastadas, um déficit governamental que continuará a inflar conforma a guerra se arrastar e faltas de trabalhadores ocasionadas por um êxodo de ucranianos que fogem da guerra e da mobilização de cidadãos economicamente ativos para os combates.

Ainda assim, afirmam analistas e empresários locais, uma sensação de resiliência e relativa estabilidade se manifesta após quase 20 meses de guerra, melhorando a confiança entre consumidores e investidores.

“A economia da Ucrânia está se adaptando à guerra”, afirmou Olena Bilan, economista-chefe do banco de investimento Dragon Capital, de Kiev. Ela acrescentou que as pessoas mudaram de um “modo poupança” para uma situação em que agora “sentem-se mais relaxadas e começam a gastar mais”.

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O Banco Mundial estimou em um relatório recente que o consumo privado na Ucrânia deverá crescer 5% este ano, após contrair-se em mais de um quarto no ano passado. Em cidades como Kiev e Dnipro, longe da zona de combate mas sob ameaça dos ataques aéreos russos, os consumidores estão retornando a restaurantes que reabrem e voltando a fazer compras.

“Hoje, a maioria dos ucranianos entende que a guerra poderá ser longa, e eles precisam continuar a viver nessas novas circunstâncias”, afirmou Andrii Cherukha, fundador da fábrica de vishivankas — os tradicionais trajes bordados da Ucrânia — Etnodim. Ele afirmou que as vendas em sua loja triplicaram este ano em comparação com o ano anterior, impulsionadas em parte por um aumento no patriotismo.

Os ucranianos, acrescentou Cherukha, “continuam a trabalhar e comprar roupas e outros itens que podem não ser considerados essenciais, mas são uma maneira de manter uma sensação de normalidade”.

Olga Kustenko, a coproprietária do First Point Espresso Bar no descolado bairro de Podil, em Kiev, afirmou que as pessoas precisam de rotinas para suportar a guerra. Os clientes têm retornado ao seu café, afirmou ela, porque buscam um lugar familiar para passar o tempo. Ela abriu um segundo café nesta primavera para atender à demanda crescente.

Os gastos maiores que o esperado fizeram instituições financeiras melhorarem suas projeções para a economia ucraniana. Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional previu que o PIB total do país crescerá 2% este ano, um pouco menos otimista que a projeção do Banco Mundial, mas uma melhora significativa em relação a uma previsão inicial de uma contração de 3%.

**EMBARGO: No electronic distribution, Web posting or street sales before THURSDAY 12:01 A.M. ET, OCT. 19, 2023. No exceptions for any reasons. EMBARGO set by source.** FILE — People buy coffee and drinks at a stand inside Voznesenivskyy Park in Zaporizhzhia, Ukraine, Aug. 5, 2023. Ukraine’s economy starts to rebound as It adapts to the war; economists predict a return to growth but many challenges lie ahead, including the rebuilding of war-torn cities and labor shortages. (Diego Ibarra Sanchez/The New York Times) Foto: NYT / NYT

Certamente, a economia da Ucrânia cresce a partir de uma base baixa após o primeiro ano de guerra que devastou os principais ativos econômicos do país. O complexo siderúrgico Azovstal, responsável por um quinto da produção de aço da Ucrânia, foi destruído nos combates por Mariupol no ano passado.

Índices de crescimento também podem ser um indicador impreciso da saúde econômica de um país em tempo de guerra, já que a produção com frequência é inflada pela indústria militar, cuja produção é determinada pelo governo. O governo ucraniano dedicou grande parte de seu orçamento para cobrir a folha de pagamento do Exército e dar apoio à produção de armas.

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Mas economistas afirmam que a capacidade da Ucrânia se adaptar a vários desafios no tempo de guerra, como manter o fornecimento de eletricidade apesar da campanha de inverno de Moscou contra sua infraestrutura energética, ajudou a colocar a economia em um caminho estabilizante.

“Nós não tivemos nenhuma falta de luz desde meados de fevereiro”, afirmou Bilan, do Dragon Capital. “Esse foi o primeiro fator positivo que impulsionou a produção.”

Em outro sinal de resiliência, a Ucrânia exportou mais de 110 mil megawatts-hora de eletricidade no mês passado, um volume recorde para 2023, a maioria produzida nas usinas nucleares do país, apesar desse montante continuar uma fração das exportações ucranianas de eletricidade anteriores aos ataques da Rússia contra infraestruturas de energia.

Maria Repko, vice-diretora do Centro para Estratégia Econômica, de Kiev, notou que a abertura de novas rotas comerciais que contornam o bloqueio do Mar Negro por parte de Moscou também está ajudando a retomada das exportações agrícolas, responsável pela maior parte do lucro da Ucrânia antes da guerra.

O Banco Mundial estima que as exportações totais da Ucrânia continuarão a diminuir este ano, antes de crescer 15% em 2024 e 30% em 2025 — um possível respiro econômico se a guerra se arrastar.

Em grande medida da mesma forma que a economia russa, a economia ucraniana está sendo reestruturada em torno da guerra. Mais da metade do gasto do governo no próximo ano, cerca de US$46 bilhões serão destinados a defesa.

Mas com pouca receita tributária para financiar esse todo gasto, o déficit do orçamento da Ucrânia alcançará 21% do PIB total do país no próximo ano, segundo afirmou o primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal, na semana passada. Ele acrescentou que seu governo precisaria de US$ 42 bilhões em ajuda financeira para cobrir essa lacuna.

Poderá provar-se difícil assegurar esse montante conforme o apoio à Ucrânia cambaleia nos Estados Unidos, de longe os maiores apoiadores financeiros de Kiev, e a atenção do mundo se desvia para a guerra entre Israel e o Hamas. “A situação parece realmente preocupante”, afirmou Repko.

As empresas ucranianas também sofrem escassez laboral conforme os homens são convocados para o Exército e como resultado do êxodo de refugiados ocasionado pela invasão russa a partir do ano passado. Mais de 6 milhões de ucranianos — cerca de 15% da população anterior à guerra — continuam fora do país e quase um quarto não tem certeza se retornará depois que a guerra acabar, de acordo com uma pesquisa recente das Nações Unidas.

Em sua padaria, Anna Zavertailo afirmou que tem enfrentado dificuldades para contratar mais funcionários, mas os meses de guerra a ensinaram a transformar problemas em oportunidades.

No ano passado, a padaria pediu aos clientes doações para fornecer cafés gratuitamente para os soldados — uma maneira de apoiar o esforço de guerra ucraniano ao mesmo tempo que reativa os negócios. O programa levantou mais de US$ 40 mil. “Nós inventamos várias soluções que ajudaram a nos manter vivos”, afirmou Zavertailo, “nos dando potencial para mais crescimento”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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