O ex-parlamentar russo Ilia Ponomarev, um renegado, tem uma ideia provocadora: ele argumenta que a única maneira de pôr fim à guerra na Ucrânia em termos aceitáveis é por meio de um golpe de Estado que derrube o presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Pessoalmente, eu considero o plano de Ponomarev potencialmente perigoso tanto para os Estados Unidos quanto para a Ucrânia. Um preceito central da resistência ucraniana à invasão russa, afinal, é que países não deveriam enviar forças militares para além de suas fronteiras para fomentar violência. E ainda que suas ideias sejam interessantes, não há maneira de confirmar independentemente algumas de suas alegações e afirmações.
Mas dada a estagnação que acomete a guerra na Ucrânia — descrita francamente na semana passada pelo comandante-chefe das forças de Kiev, general Valeri Zaluzhni, num ensaio na revista The Economist — ideias não convencionais, como as de Ponomarev, receberão atenção. A Ucrânia e seus aliados buscam maneiras de acabar com o impasse sangrento sem um acordo negociado que conceda território para a Rússia.
Ponomarev fala sério quando descreve sua conspiração militar: ele se definiu em entrevista como líder político de um grupo chamado Legião Liberdade da Rússia, segundo ele um exército de quatro batalhões no exílio — normalmente totalizando cerca de 1,6 mil pessoas — com base na Ucrânia, assim como de 5 mil a 10 mil adeptos dentro da Rússia.
O líder russo no exílio colabora com a gestão de um Congresso dos Delegados do Povo, um parlamento clandestino com base na Polônia que conta com 100 membros, 40 deles dentro da Rússia, e que, de acordo com ele, coordena a legião. Esse grupo está desenvolvendo novas leis e uma nova Constituição para uma Rússia pós-Putin e tem marcado um grande encontro em Varsóvia este mês, para o desenvolvimento de uma transição para eleições livres na Rússia.
Ele descreveu operações dentro da Rússia: um ataque de drones contra o Kremlin praticado por um grupo guerrilheiro frouxamente aliado a Ponomarev e ao Congresso dos Delegados do Povo; ataques da legião no território russo contra Belograd e Shebekino, próximo à fronteira ucraniana, em junho; e o que ele afirma ser ataques diários de sabotagem contra linhas ferroviárias dentro da Rússia. Ponomarev disse que o grupo está se fortalecendo para uma marcha decisiva sobre Moscou.
O líder no exílio também ligou seu grupo ao assassinato, em agosto de 2022, de Daria Dugina, filha de um proeminente escritor nacionalista russo. Autoridades de inteligência dos EUA tinham atribuído o ataque à inteligência da Ucrânia e declararam que se opuseram à ação, de acordo com um relato publicado no New York Times em outubro de 2022. Ponomarev afirmou que seu grupo trabalha proximamente com a espionagem ucraniana.
O ex-parlamentar russo também reivindicou funções não especificadas em dois ataques realizados este ano contra figuras pró-Kremlin: o assassinato, em abril, de um blogueiro pró-guerra chamado Vladlen Tatarski e a tentativa de assassinato, em maio, do escritor pró-Kremlin Zakhar Prilepin.
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“A motivação para esses ataques individuais é simples”, explicou Ponomarev. “Nós queremos mandar uma mensagem para todos os apoiadores do governo: se vocês têm relação com a guerra, vocês não estão em segurança.”
Conforme discorreu calmamente sobre seus planos golpistas, numa sala de estar, em Washington, Ponomarev não soou como um revolucionário fanático, mas como o parlamentar e executivo que foi antes de assumir a posição político emigrado. Ponomarev afirmou que, após votar contra a anexação da Crimeia na Duma, abriu uma empresa de petróleo e gás natural em Kiev chamada Trident Acquisitions, atualmente listada na Nasdaq. E se comparou a Charles de Gaulle, que organizou uma minúscula força francesa para lutar contra o governo francês apoiado pelos nazistas durante a 2.ª Guerra.
“Numa crise, uma força pequena e disciplinada pode desempenhar um papel decisivo”, afirmou Ponomarev. E este é precisamente seu objetivo. Ao recrutar voluntários russos (ele disse que recebe mil candidaturas mensalmente, das quais extrai 40 recrutas confiáveis), Ponomarev espera conseguir construir uma força que marchará sobre Moscou da mesma maneira que a milícia de Ievgeni Prigozhin pretendeu em junho — Prigozhin interrompeu sua marcha e posteriormente morreu num misterioso desastre de avião. Mas Ponomarev diz que vai até o fim.
Ele argumenta que derrubar Putin é a única maneira de cessar a excruciante guerra de atrito na Ucrânia. “Qual é a luz no fim do túnel? Mudança de regime. É a alternativa mais barata”, insistiu.
Ponomarev afirmou que tem apoio do serviço de inteligência militar da Ucrânia para sua conspiração golpista — e que os EUA se opõem fortemente. Ele afirmou que a mensagem que recebeu das autoridades de Washington foi: “Nós não queremos ser parte disso”.
Neste momento, a campanha de Ponomarev parece mais uma série de testes modestos em vez de uma operação verdadeira. Consideremos o ataque de drones de 3 de maio contra o Kremlin. Ponomarev afirmou que o grupo levou drones ucranianos clandestinamente para a Rússia. Operadores dispararam um deles de uma posição a leste do Kremlin e outro de um ponto a sudoeste. Os drones carregavam apenas 1 quilo de explosivos e, admitiu Ponomarev, não causaram muito estrago, mas tiveram como objetivo demonstrar sua capacidade de atingir alvos precisos.
Ponomarev considerou um certo triunfo quando Putin diminuiu sua parada do Dia da Vitória, que celebra as glórias de Moscou na 2.ª Guerra, em maio — talvez porque o ataque de drones tenha preocupado o público. Ele disse que seus operadores têm “vários” outros drones na manga para ataques futuros.
A história russa é repleta de conspirações golpistas e complôs, reais e imaginados. Mudança de regime, disse-me Ponomarev, requer três elementos: força militar crível, elites domésticas perdendo esperança no status quo e um governo alternativo. Ponomarev afirma estar trabalhando nos três./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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