Alto custo de moradia, baixos salários, dificuldade de inserção no mercado de trabalho e preconceito são alguns dos problemas enfrentados pelos brasileiros que vivem em Portugal. Com a maior comunidade estrangeira no país europeu, que conta com cerca de 400 mil pessoas, segundo números oficiais, os brasileiros observam com lupa as eleições legislativas em Portugal, marcadas para o próximo domingo, 10.
Depois de oito anos de governo de esquerda, os eleitores do país europeu podem optar por uma guinada para o outro lado, com uma possível vitória da Aliança Democrática (AD), coalizão de partidos da chamada direita tradicional. A legenda Chega, de extrema direita, também deve crescer, segundo as pesquisas de opinião.
Com uma retórica antissistema, o carismático André Ventura, de 41 anos, lidera o partido que se tornou a terceira maior força política do país após as eleições legislativas de 2022. Ventura, um advogado de formação que já quis ser padre, ganhou fama por ter atuado como comentarista de futebol e com declarações inflamadas contra diversas minorias, como a comunidade cigana e imigrantes.
O líder do Chega faz do tema imigração uma de suas principais bandeiras. Segundo Ventura, é necessário limitar a imigração porque o alto fluxo de imigrantes está pressionando o sistema de saúde e o setor da habitação. O político também relacionou o número de imigrantes com um aumento da criminalidade em Portugal, discurso que é contestado por especialistas.
“O Chega foca no tema clássico do populismo de extrema direita da Europa de que a culpa dos baixos salários e do aumento da criminalidade é dos imigrantes”, avalia António Costa, professor de ciência política da Universidade de Lisboa.
Com uma onda de casos de preconceito contra brasileiros em Portugal que são relatados desde 2018, a ascensão da extrema direita preocupa. “Não sei em quem eu vou votar, só sei que não vai ser no Chega”, afirma o produtor cultural brasileiro Tiago Fernandes, um dos 3 brasileiros residentes do país europeu que foram entrevistados pelo Estadão.
Brasileiros em Portugal
Fernandes aponta que mora em Lisboa desde 2018 e possui passaporte português por sua mãe ter nascido no país europeu. Natural de Recife, o brasileiro de 43 anos acredita que o preconceito contra brasileiros em Portugal existe, mas não se difere de outros lugares com grandes comunidades de brasileiros.
“Não acho que isso é uma característica só de Portugal, os brasileiros sofrem muito preconceito no Reino Unido, Irlanda e também na Itália”, diz Fernandes.
Em novembro do ano passado, uma brasileira de 35 anos foi alvo de ataques xenófobos em um aeroporto da cidade de Porto, em Portugal. Uma mulher portuguesa chamou a brasileira de “porca” e se identificou como “portuguesa de raça” após um incidente envolvendo uma mala. O caso não é isolado. Em abril de 2019, fotos de cartazes xenófobos oferecendo pedras grátis para jogar em estudantes brasileiros na Universidade de Lisboa viralizaram nas redes sociais.
O jornalista e professor universitário soteropolitano Paulo Victor Melo, aponta que já ouviu portugueses classificarem a imigração brasileira como “invasão”. “Portugal é um país que ainda não compreendeu a complexidade de todo o processo de violência colonial que o país realizou contra o Brasil e outros países africanos, então há muito preconceito e racismo que se mescla com xenofobia”.
O professor de 37 anos desembarcou em Portugal em 2021 para fazer um pós-doutorado. Morador de Lisboa, ele se diz feliz no país. “O que fez a diferença para mim foi ter uma boa posição profissional para conseguir pagar um bom aluguel. As pessoas que conseguem isso tem mais perspectiva de permanecerem em Portugal, mas infelizmente essa não é a realidade para maioria dos brasileiros”, avalia Melo.
De acordo com Melo, muitos compatriotas não conseguem emprego e, se conseguem, as remunerações são baixas. “O custo de vida também tem aumentado bastante, eu pude perceber a diferença nos preço dos alimentos e aluguéis de 2021, quando eu cheguei, para 2024″. O brasileiro destaca que existe uma desinformação sobre a vida em Portugal nas redes sociais, que promovem o país como sendo barato e com grandes oportunidades de emprego. “Muitas pessoas vêm para Portugal achando que o país vai ser assim e acabam se desiludindo”.
Já a brasileira Karol Ximenes, consultora internacional de 42 anos, diz que tem um vínculo com uma grande quantidade de brasileiros morando em Portugal e que a maioria se adaptou bem ao país europeu. Natural de Fortaleza, Ximenes vive em Lisboa há nove anos. “O clima é excelente durante quase o ano inteiro, tem segurança, transporte público decente, educação e acesso a cultura”.
A consultora internacional diz que os brasileiros que desembarcam no país europeu sem planejamento podem passar por dificuldades. “Não é como tirar férias, é preciso planejar para um período muito maior do que 30 dias e o começo é sempre difícil”. Ximenes reconhece que o preconceito contra brasileiros existe em Portugal, mas presenciou poucas situações.
A brasileira conseguiu o passaporte português após 5 anos vivendo legalmente em Portugal. “Vai ser a primeira vez que vou às urnas em Portugal, ainda não sei em quem vou votar, mas estou analisando as propostas e assistindo a alguns debates para decidir. Sei que não quero contribuir com o crescimento da extrema direita”.
Eleições
Os portugueses irão às urnas por conta da renúncia do primeiro-ministro António Costa em novembro do ano passado, após denúncias de um escândalo de corrupção relacionado a negócios de lítio e hidrogênio no país. O político optou por essa decisão depois de o Ministério Público de Portugal indiciar um de seus ministros e seu chefe de gabinete.
Costa segue como primeiro-ministro interino até as eleições e abriu espaço para uma renovação em sua legenda, com a entrada de Pedro Nuno Santos como líder do Partido Socialista (PS).
Os socialistas estão no poder em Portugal desde 2015. Nas últimas eleições, que foram realizadas em janeiro de 2022, a legenda de esquerda conseguiu uma ampla maioria, conquistando 117 cadeiras de 230 possíveis, sem ter que negociar com os outros partidos, como aconteceu nas eleições de 2015 e 2019.
Para 2024, os portugueses ensaiam sinais de que querem uma mudança. De acordo com uma pesquisa de opinião feita pela Universidade Católica para o jornal português Público, a coligação Aliança Democrática (AD), que inclui o Partido Social Democrata (PSD), legenda de centro-direita, e dois partidos de direita, o CDS-Partido Popular (CDS-PP) e o Partido Popular Monárquico (PPM), tem 32% das intenções de voto. O Partido Socialista está na segunda colocação, com 28%. Já uma outra enquete feita pelo Instituto Universitário de Lisboa para o jornal Expresso e a emissora SIC coloca os socialistas na liderança com 29%, seguidos pela Aliança Democrática que aparece com 27%.
O professor da Universidade de Lisboa, António Costa, avalia que existe um cansaço do eleitorado português com o Partido Socialista, mas que a legenda vai continuar com um apoio sólido. “O principal desafio está à direita do espectro político. Os socialistas têm uma base importante e podem tentar fazer uma coalizão com outros partidos de esquerda. O problema é se a AD ganhar”.
No sistema parlamentarista português, os eleitores votam nos partidos e não diretamente nos políticos, que definem uma lista de candidatos antes do pleito. O primeiro-ministro não precisa necessariamente da legenda vencedora por conta de negociações entre os partidos para a formação de uma coalizão.
Mas a formação de uma maioria parece estar distante, independente de quem ganhar, por conta do aumento de popularidade do Chega. O presidente do Partido Social Democrata (PSD), líder da coalizão de centro-direita Aliança Democrática (AD), Luís Montenegro, ressaltou que só será primeiro-ministro se for o vencedor do pleito e que não irá fazer uma coalizão com o Chega para governar. A AD poderia governar com uma coalizão minoritária, mas precisaria do aval dos socialistas.
“Teremos que ver como esses partidos vão se ajeitar, se a centro-direita em Portugal vai diminuir o Chega ou a agenda do Chega vai dominar a direita em Portugal”, destaca Costa. O líder da AD, Luís Montenegro, ensaiou prometer medidas que combatam a imigração, bandeira que foi lançada pelo Chega.
O efeito Chega
Para Costa, o Chega representa o mesmo movimento de extrema direita de outros países europeus como o Vox, de Santiago Abascal, na Espanha, o Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen, na França, e o Irmãos da Itália, da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni.
André Ventura, o líder da sigla, tem explorado os casos de corrupção nos governos socialistas para se colocar como um contraponto. “O Chega quer fazer com que os portugueses acreditem que a classe política é corrupta e também explora a agenda de lei e ordem, do crime associado a imigração”. Além da imigração brasileira e dos países africanos lusófonos, Portugal recebeu imigrantes de países da Ásia como Nepal, Bangladesh e Paquistão nos últimos anos.
Saiba mais
O discurso do Chega tem até atraído brasileiros. É o caso de Marcus Santos, empresário brasileiro que é candidato a deputado nas eleições portuguesas pelo Chega. Santos já ressaltou que nunca sofreu discriminação dentro do Chega por ser negro ou brasileiro e que a comunidade brasileira aumentou em Portugal porque fugiu do “socialismo” no Brasil.
Próximo do ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro, o líder do Chega criticou a visita do atual mandatário brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, a Portugal em abril do ano passado e afirmou que ele é “na perspectiva de qualquer cidadão de direita, o pior que a política representa”.
Apesar da agenda conservadora, o Chega não é eurocético, de acordo com o professor de ciência política da Universidade de Lisboa. “O partido é conservador, mas não toca em temas que são positivos para a sociedade portuguesa, como a participação do país na União Europeia. Isso nunca foi questionado”.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.