Em meio à onda populista que, em 2016, resultou no Brexit e na eleição de Donald Trump, a Holanda testa nas urnas nesta quarta-feira a força da extrema direita. Em uma eleição concorrida e marcada pela fragmentação do eleitorado, o atual primeiro-ministro, Mark Rutte, do Partido Popular Liberal e Democrata (VVD), é favorito para vencer o ultraconservador Geert Wilders, do Partido pela Liberdade (PVV).
A legenda xenofóbica, no entanto, pode registrar um desempenho recorde, que preocupa analistas políticos e ameaça a União Europeia (UE).
A disputa holandesa ganhou relevância nos últimos meses por ser o primeiro grande teste eleitoral na Europa depois da surpreendente vitória dos partidários do Brexit, no Reino Unido. A votação também é a primeira de uma série que será realizada no máximo até fevereiro de 2018 em quatro das maiores potências da UE: Holanda, França, Alemanha e Itália.
Em comum, os cenários eleitorais nos quatro países têm o crescimento de legendas de extrema direita, que pregam o fim da UE, o abandono do euro, o retorno das fronteiras dentro do continente e uma guinada radical na política imigratória, com fortes restrições aos muçulmanos.
Na Holanda esse papel é desempenhado por Wilders, de 53 anos. O candidato ultraconservador do PVV iniciou sua conversão ao nacionalismo de extrema direita ao viver e estudar durante dois anos em Israel nos anos 1980.
Segundo testemunho de seu próprio irmão, Paul Wilders, à revista alemã Der Spiegel, até então Geert não tinha engajamento ideológico nem à esquerda, nem à direita e não era xenofóbico. Mas com a tensão entre judeus e palestinos no Oriente Médio suas convicções políticas acabaram forjadas contra os muçulmanos. De volta à Holanda, seu estilo agressivo lhe rendeu uma condenação por “incitação ao ódio racial” e várias ameaças de morte – ele vive e faz campanha sob proteção policial.
Hoje, Wilders é o pivô eleitoral na Holanda. Durante toda a campanha, pesquisas de opinião frisaram seu favoritismo, com até 20% do eleitorado. Suas bandeiras, como a realização de um referendo pelo “Nexit” – a saída holandesa da UE – e a expulsão em massa de muçulmanos, em especial marroquinos e turcos, pautaram as discussões políticas, o que lhe valeu comparações com a francesa Marine Le Pen, da Frente Nacional, partido nacionalista de extrema direita que lidera a campanha ao Palácio do Eliseu.
Usuário frequente do Twitter, o radical de direita também acabou sendo comparado a Trump. “Não digo que todos os muçulmanos são maus ou terroristas. Mas em todos os países em que o Islã é a religião dominante nós observamos falta de liberdade, de democracia e de estado de direito”, argumentou na última semana.
Espaço. A questão da eleição desta quarta-feira é se Wilders levará sua legenda a quebrar seu próprio recorde eleitoral. Em 2010, o PVV obteve 15,4% dos votos na eleição legislativa, passando de 9 a 24 assentos no Parlamento – de um total de 150. O resultado transformou o partido na terceira força política do país, ampliando a visibilidade dos temas caros à extrema direita.
Para o cientista político Koen Damhuis, autor de Wegen naar Wil-ders (um jogo de palavras que poderia ser traduzido como Caminhos para Wilders), um livro que é resultado de sua pesquisa com eleitores do ultraconservador, força do candidato não está na denúncia da globalização ou do modelo econômico, como ocorreu no Reino Unido e nos EUA, mas no sentimento de injustiça.
“Os eleitores têm um forte sentimento de injustiça, com a ideia de que há imigrantes ou trabalhadores do Leste Europeu que são privilegiados em relação a eles”, explica. “Imigrantes são vistos como ameaça.”
O risco de que um candidato lepenista, trumpista e anti-UE chegue ao poder até na Holanda, um país conhecido por sua tolerância multicultural, levou analistas europeus a preverem uma eleição sombria. Mas nos últimos dias o risco parece estar se dissipando. Pesquisa divulgada na noite de segunda-feira pela Universidade de Leiden indicou vantagem para o VVD, partido de Mark Rutte, que teria 16,5% dos votos.
“A tendência é que seja eleito o mesmo primeiro-ministro, Rutte, e uma coalizão de quatro ou até cinco partidos seja necessária para a formação do governo”, diz Famke Krumbmüller, analista de risco político da consultoria OpenCitiz.
Em tendência de queda, o PVV de Wilders disputaria o segundo lugar com o partido democrata-cristão (CDA), ambos em torno de 14% das preferências. Em qualquer hipótese, salvo enorme surpresa, sua legenda deve ser incapaz de indicar o primeiro-ministro. Isolado no quadro político holandês, o PVV não deve nem participar da coalizão governamental.
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