ENVIADA ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO - É dado como certo que o México vai eleger uma mulher como presidente pela primeira vez na história neste domingo, 2. Líder nas pesquisas, Claudia Sheinbaum promete continuidade e sua vitória poderia consolidar o domínio do Morena, partido de Andrés Manuel López Obrador, na política local. Ela é seguida por Xochitl Gálvez, nome da coligação de oposição que une antigos rivais.
Sheinbaum tem 51% das intenções de voto, segundo a última pesquisa da consultoria Mitofsky. São 15 pontos porcentuais de vantagem sobre Gálvez, que aparece com 36%. Em um distante terceiro lugar está Álvarez Máynez, do Movimento Cidadão, com 10%. Ou seja, ao que tudo indica, a disputa se dará entre duas mulheres. Ainda assim, as discussões se concentram em torno de um homem: AMLO, como é conhecido o presidente.
“Esta eleição ocorre em um contexto de enorme polarização. Uma polarização a partir da lógica das eleições, do contraste de ideias, de diferentes posições que são discutidas, mas também da negação do outro, da lógica do nós contra eles”, afirma a ex-conselheira do Instituto Nacional Eleitoral do México Pamela San Martín.
“Foi uma retórica da qual o presidente da república participou enormemente, mas da qual também participaram, digamos, os opositores do presidente. Grande parte da discussão se centrou em estar a favor ou contra o projeto de López Obrador”, acrescenta.
É neste clima de polarização que os quase 100 milhões de mexicanos aptos a votar renovam também a Câmara e o Senado, que somam 628 legisladores; elegem os governadores de oito Estados e da Cidade do México — que costuma ser trampolim para disputas ao Palácio Nacional; e preenchem mais de 19 mil cargos municipais. Nas ruas da capital às vésperas da eleição, os cartazes de candidatos são tão presentes quanto a música, símbolo da cultura mexicana.
Os números fazem dessa a maior eleição da história do México. E também a mais violenta: foram 82 assassinatos relacionados ao processo eleitoral, sendo 34 de candidatos ou aspirantes, de acordo com o think tank Laboratório Eleitoral.
Esses crimes políticos são reflexo da guerra entre os cartéis de drogas, que tentam influenciar no resultado das eleições para aumentar a sua infiltração no Estado mexicano. Sem controle, essas organizações criminosas têm se estendido pela América Latina, inclusive, com participação na onda de violência no Equador.
A segurança pública tem sido uma das principais frentes de campanha de Gálvez, candidata do Partido Ação Nacional (PAN) em coligação com o antigo rival Partido Revolução Institucional (PRI) — que governou o México por sete décadas antes da alternância de poder iniciada nos anos 2000 — e com o Partido Revolução Democrática (PRD).
Durante a campanha, Gálvez criticou o desempenho do governo AMLO em matéria de segurança pública. Ela propõe usar o Exército no combate ao crime organizado e construir um presídio de segurança máxima no país.
Apesar da violência, Obrador deixa a presidência com aprovação na casa dos 60%, estimam as pesquisas. A resposta está na economia. Seus apoiadores afirmam que a vida no México melhorou com a valorização do salário mínimo e com os benefícios sociais do seu governo de esquerda. Se eleita, Sheinbaum promete que vai seguir a cartilha do seu padrinho político na economia.
Quem são os candidatos?
Protegida do presidente, Claudia Sheinbaum, de 61 anos, é parte da geração de políticos de esquerda que surgiu no movimento estudantil das universidades mexicanas. Filha da elite intelectual, estudou física, fez doutorado em engenharia de energia e se especializou em pesquisas sobre a crise do clima — o que mais tarde lhe renderia participação no Nobel da Paz concedido ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), em 2007.
Em 2000, quando Obrador foi eleito o Chefe de Governo da Cidade do México, ele a nomeou como secretária do Meio Ambiente. Em 2018, no mesmo ano em que AMLO chegou à presidência, Sheinbaum se tornou a primeira mulher eleita para governar a capital mexicana, ocupando o lugar que anos antes havia sido do seu padrinho político.
A proximidade é tanta que ela, de perfil mais introvertido, tem como desafio deixar uma marca própria.
Já Xóchitl Gálvez, também de 61 anos, tem origens indígenas e veio de uma família pobre, marcada pela violência doméstica. Empresária, ela foi a primeira mulher mexicana a entrar na lista de 100 lideranças do futuro do Fórum Econômico Mundial de Davos, em 2000. Naquele mesmo ano, deu início à carreira política que a levou a ser eleita senadora em 2018.
Das fileiras do partido conservador PAN, ela é crítica feroz do governo López Obrador e não livrou Claudia Sheinbaum de críticas durante a campanha.
O terceiro candidato ao Palácio Nacional é o jovem ex-deputado Jorge Álvarez Máynez. Aos 38 anos, ele disputa a eleição pelo Movimento Cidadão e tenta navegar na terceira via, se apresentando como uma alternativa à polarização que tem sido marcante nas eleições do México. Mas não deslanchou nas pesquisas.
O que está em jogo?
A eleição opõe visões opostas para o país que tem a segunda maior economia da América Latina, mas também desperta preocupações sobre o futuro da democracia mexicana. Alguns dizem que ela está em perigo. Outros, que já não existe de forma plena.
Para Pamela San Martín, o país vive uma transição democrática que começou no final da década de 1970 e caminhou a passos lentos até a alternância de poder a partir dos anos 2000. “E a alternância na presidência da República não significa, é claro, que já havíamos transitado para um regime absolutamente democrático, mas vimos muitos avanços”, afirma.
Saiba mais
A eventual vitória de Claudia Sheinbaum poderia consolidar o domínio do Morena que, hoje, tem a presidência, o controle do Congresso e 23 de 32 governadores. Os críticos do governo temem que o grupo político de AMLO ganhe poderes suficientes para mudar a Constituição e que o país retroceda no aspecto democrático.
“O projeto político que está no governo defendeu o fim de órgãos autônomos que me parecem fundamentais na nossa democracia e tem propostas que enfraqueceriam as instituições eleitorais”, afirma San Martín. “Mas isso não depende apenas de quem está à frente da presidência. Nessa eleição, também está em jogo todo o poder legislativo. Teremos de definir se avançaremos para estabelecer maiores contrapesos no Congresso ou não. Porque a divisão de poderes é um elemento fundamental das democracias”, conclui.
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