Dezesseis anos depois, a Alemanha terá um novo chanceler. Mais de 60 milhões de eleitores estavam aptos a comparecer às urnas neste domingo, 26, para a votação que define a composição do Bundestag, o Parlamento do país - a primeira, desde 2005, que não teve Angela Merkel como candidata.
Além de definir o novo líder da maior economia da Europa pelos próximos quatro anos, as eleições parlamentares alemãs também chamam a atenção do mundo, que observa a direção política que o país vai seguir.
Em uma das corridas eleitorais mais abertas em décadas, três partidos despontam como favoritos: A União Democrática-Cristã (CDU), partido de Merkel, o Partido Social-Democrata (SDP) e o Partido Verde.
Independente de quem seja, o novo chanceler vai assumir com o objetivo de liderar não apenas a Alemanha, mas também a União Europeia, em um momento em que a pandemia de covid-19 representa um grave problema de saúde e econômico, e as relações com atores como EUA, Rússia e China apresentam desafios específicos.
Veja o que você precisa saber sobre as eleições na Alemanha
Quem são os candidatos a chanceler na Alemanha?
Ao contrário do Brasil, onde o eleitor escolhe o chefe do Executivo pelo candidato, os alemães não votam diretamente no nome do próximo chanceler, e sim no partido. No entanto, as principais legendas envolvidas na disputa já anunciaram seus aspirantes ao cargo.
União Democrata-Cristã (UDC): O partido de Angela Merkel definiu que Armin Laschet, de 60 anos, é o responsável por tentar manter a sigla no poder. Governador da Renânia do Norte-Westfália, Estado mais populoso do país, Laschet é uma liderança dentro do partido e venceu uma disputa interna com a liderança da União Social-Cristã (CSU) - espécie de sigla irmã do CDU - para ser indicado como candidato único da coalizão. Laschet e os conservadores iniciaram a corrida eleitoral na liderança, mas sua candidatura foi marcada por alguns incidentes que o fizeram perder popularidade, incluindo uma gafe, quando foi pego sorrindo durante uma cerimônia em memória das vítimas das enchentes mortais no país em julho.
Partido Social-Democrata (SPD): Segundo partido mais popular da Alemanha, o SPD indicou como candidato a chanceler o atual vice-chanceler de Angela Merkel e ministro das Finanças, Olaf Scholz, de 63 anos. Considerado o gestor mais experiente entre os candidatos na disputa, Scholz viu sua popularidade subir nas últimas semanas, quando o SPD ultrapassou os conservadores nas pesquisas eleitorais. Considerado mais técnico que carismático, o candidato vem se aproveitando de suas experiências em governos anteriores para passar uma imagem de estabilidade e segurança.
Partido Verde: Co-líder do Partido Verde desde 2018, Annalena Baerbock, de 40 anos, é a mais jovem e a única mulher entre os principais concorrentes na disputa pelo poder na Alemanha. Considerada mais pragmática que muitos de seus colegas de partido - cuja base vem de movimentos estudantis e pelo meio ambiente no século passado. Depois de um começo forte nas pesquisas de intenção de voto, Baerbock sofreu com ataques dos rivais, que questionaram sua falta de experiência no governo. Ela também se viu envolvida em denúncias de plágio em seu currículo.
Qual a chance dos outros partidos?
Dezenas de partidos estão concorrendo nas eleições alemãs, mas a maioria deles não deve superar a cláusula de barreira de 5% dos votos, exigida para conquistar representação no Bundestag. Algumas legendas, no entanto, devem alcançar um número considerável de cadeiras no Parlamento, o que deve permitir que exerçam um papel importante na escolha do próximo chanceler - apesar de serem baixas as chances do próximo líder do país sair de uma delas.
Pesquisas eleitorais apontam que nenhuma das legendas deve conquistar uma quantidade de assentos majoritária no Parlamento, o que significa que a definição do novo chanceler passa pela capacidade da sigla mais votada em formar um governo de coalizão em torno de um nome escolhido.
O Partido Democrático Liberal (FDP), atualmente o quarto com mais cadeiras no Parlamento, aparece como um parceiro prioritário, com seu apoio sendo disputado por SPD e CDU. A sigla pode ser decisiva para a escolha do próximo chanceler.
O Partido Social-Democrata também não descartou uma aliança com o Die Linke (A Esquerda), sigla que ainda sofre com o estigma de ter relações com figuras remanescentes do Partido Comunista da antiga Alemanha Oriental. A formação de um futuro governo também apresentaria questões problemáticas: uma das bandeiras de política externa do Die Linke, por exemplo, é dissolver a Otan.
No campo da extrema-direita, o Alternativa para a Alemanha (AfD), sigla que há quatro anos conquistou a posição de terceiro partido com mais representação no parlamento, não conseguiu usar suas bandeiras anti-imigração como propulsor nas eleições deste ano, até o momento, de acordo com as pesquisas. As principais forças políticas do país descartaram qualquer possibilidade de alinhamento ao AfD.
Como funcionam as eleições na Alemanha?
As eleições na Alemanha são notoriamente complicadas, mesclando elementos de votação direta - no sistema conhecido como First Past The Post, utilizado no Reino Unido e em ex-colônias britânicas - e de votação proporcional. Isso significa que os mais de 60 milhões de eleitores alemães votam com duas cédulas distintas: uma delas para o candidato de sua preferência, e a segunda para o partido - e esta é a que define a representação dos partidos no Bundestag.
Uma complicação deste processo são os "assentos sobressalentes", que ocorre quando um partido ganha mais cadeiras eleitas na votação direta do que sua parcela na votação proporcional. Neste caso, outros partidos podem adicionar mais assentos no Parlamento para ajustar as proporções. É por isso que o atual Bundestag, que deveria ter 598 membros, tem 709.
Quando Angela Merkel deixa o cargo?
Merkel não deixará o cargo imediatamente. Até um novo governo ser formado - um processo que pode levar de semanas a meses -, a chanceler permanece no cargo, e continua a governar o país. Após as eleições de 2017, por exemplo, foram necessários cinco meses para que o novo governo fosse empossado.
Apenas uma vez um partido conquistou sozinho maioria para definir o chanceler na história da Alemanha no pós-guerra. Com uma política extremamente fragmentada, nenhum partido sai da eleição com uma posição sequer próxima de conquistar o Parlamento, exigindo negociações entre mais de dois partidos muitas vezes.
Merkel entregou a liderança do seu partido em dezembro de 2018, mas segue como chefe do Executivo até depois da eleição. A entrega do partido a deixou em uma posição de dificuldade para aprovar uma série de medidas no Parlamento, especialmente no segundo ano de pandemia. Ela prometeu ficar fora da campanha eleitoral, mas fez uma série de declarações demonstrando apoio ao candidato de seu partido, Armin Laschet.
Quais os cenários para a Alemanha após a eleição?
O novo chanceler da Alemanha assumirá o cargo sob pressões internas, principalmente no que diz respeito à pandemia da covid-19 e do restabelecimento da economia. A agenda ambiental no tocante às mudanças climáticas, bem como a cobrança por novas políticas ecológicas e por uma transformação verde na indústria ganharam caráter de urgência após as enchentes e inundações de julho. Quem quer que chegue ao poder, também terá que decidir sobre as políticas adotadas no período Merkel e sobre o quanto se deve colocar o país em um novo rumo.
Na frente da política externa, tanto os conservadores da União Democrata-Cristã quanto o Partido Social-Democrata buscariam, em grande parte, a continuidade do comércio da Alemanha com a China e o atual posicionamento quanto a Rússia. Isso inclui o gasoduto Nord Stream 2 que foi concluído no início de setembro. As autoridades alemãs agora têm quatro meses para aprovar o gasoduto antes que ele comece a transportar gás natural da Rússia diretamente para a Alemanha, contornando a Ucrânia e outros países do Leste Europeu. Os Verdes são contra essa operação.
Todos os partidos políticos - exceto o AfD - concordam que a Alemanha pertence firmemente à União Europeia. Os Verdes estão pressionando por um renascimento mais ambicioso do projeto europeu, com ações mais duras contra a Hungria e outros membros que não defendem os princípios democráticos.
Durante anos, a abordagem da Alemanha para a China tem sido "mudança por meio do comércio", mas a repressão da China a dissidentes internos e as demonstrações de força do país no exterior colocaram essa estratégia em questão. Os Estados Unidos pressionaram aliados relutantes a adotar uma postura mais dura com a China, mas a Alemanha sob o comando de Merkel relutou em cumprir o prometido, e isso não deve mudar sob um governo liderado por seu partido ou pelos social-democratas.
Por que as eleições na Alemanha são importantes?
No âmbito da União Europeia, a Alemanha é constantemente vista como a líder de fato do bloco. O país tem, ao mesmo tempo, a maior população e a maior economia entre os integrantes do bloco, e é reconhecido como principal tomador de decisões e propositor de legislações, ao lado da França.
Sob a liderança de Merkel, que se tornou uma das líderes mais experientes dentre os chefes de governo dos 27 Estados-membros, essa influência cresceu ainda mais, mesmo com derrotas em questões centrais, como a falta de consenso sobre uma política para refugiados e impedir uma crise democrática na Hungria e na Polônia.
A chanceler também usou o peso do país como quarta maior economia do mundo e parte do Grupo dos Sete (G7) para impulsionar políticas climáticas globais e para pressionar por sanções à Rússia pela anexação da Crimeia. Seu sucessor herdará questões espinhosas de como lidar com uma China cada vez mais poderosa e a pressão de alguns países da União Europeia que estão prontos para restaurar o comércio com Moscou. O relacionamento central com os Estados Unidos está apenas começando a se firmar novamente após quatro anos desestabilizadores do governo Trump.
Durante os quatro mandatos de Merkel, a nação de 83 milhões passou por uma mudança geracional, tornando-se mais diversificada etnicamente, mas também envelhecendo consideravelmente - mais da metade de todos os eleitores elegíveis têm 50 anos ou mais. As normas sociais se tornaram mais liberais, com o direito ao casamento gay e uma opção de gênero não binária nos documentos oficiais. Mas um ressurgimento da extrema direita e um colapso do discurso político em nível local ameaçam a coesão do país./ W. POST e NYT
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