Na Argentina, a direita tradicional tem suas fraturas expostas. Alvo de duras críticas dentro da coalizão Juntos pela Mudança, a candidata derrotada Patricia Bullrich voltou à carga contra os adversários internos ao justificar o apoio ao libertário Javier Milei para o segundo turno: “venci as primárias, tenho legitimidade”, advertiu aos críticos. Enquanto isso, o peronista Sergio Massa corre em busca de alianças e se reuniu com governadores de 18 províncias argentinas.
Com o Juntos pela Mudança dividido entre o apoio a Milei e a neutralidade, Patricia Bullrich usou uma entrevista à imprensa argentina para passar o recado. “Eu ganhei as PASO. Ganhei de todos, de Morales, Lousteau, Larreta, de todos. Tenho uma legitimidade construída por esse apoio popular”, alfinetou.
“Eu fui a candidata à presidência e o que estou fazendo é dizer aos 6 milhões de argentinos que me escolheram que nós temos duas opções, a continuidade do kirchnerismo ou a mudança. Essa foi a mudança que propusemos? Não, mas nós não ganhamos. Então essa é a mudança possível”, concluiu Patricia Bullrich.
A declaração faz referência ao governador Gerardo Morales e ao senador Martín Lousteau, ambos da União Cívica Radical (UCR), e ao prefeito de Buenos Aires, Horácio Rodríguez Larreta. Todos optaram pela neutralidade e criticaram o apoio a Milei, encabeçado por Bullrich e pelo ex-presidente Mauricio Macri.
Apesar do racha, não há sinal de apoio a Sergio Massa entre as lideranças do Juntos pela Mudança. “Pelas declarações, a posição está definida. Eles devem se manter neutros. Até porque, mudar agora não seria interessante politicamente”, avalia María Lourdes Puente, diretora da escola de política e governo da UCA, Universidade Católica Argentina. “Eles não devem se manifestar [a favor de qualquer um dos candidatos] ou aceitar qualquer posição dentro dos governos. Pelo menos não antes da eleição”.
A ideia de que o apoio a Massa não seria interessante politicamente para esta ala da direita tradicional foi reforçada pelo doutor em relações internacionais Matheus Oliveira. “Parte do cálculo neste momento, é pensando nas próximas eleições. Nesse sentido, o Larreta, busca se manter como oposição ao peronismo, mas uma oposição que não se confunde com a extrema direita”.
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A corrida de Sergio Massa
Sem grandes expectativas de apoio dentro do Juntos pela Mudança, Sergio Massa reuniu 18 governadores peronistas, entre outros políticos ligados ao movimento. O encontro é parte do esforço para manter a base que o levou até o segundo turno e passar a imagem de “unidade nacional”, o mote da campanha contra o libertário.
Na saída, ao falar com jornalistas argentinos, ele minimizou o fratricídio do Juntos pela Mudança. “Entendo que é um tema que gera muita confusão pelas contradições, mas não é um tema da nossa força política”, declarou Massa.
Matheus Oliveira pontua que o apoio dos governadores pode até ser menos simbólico, mas tem efeito mais prático já que são eles quem têm o poder de mobilizar a máquina dos Estados para a campanha. Um exemplo disso se viu no último domingo, quando o apoio do governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, reeleito em primeiro turno, foi considerado fundamental para vitória de Sergio Massa.
“Não é trivial. A Patricia Bullrich precisar dizer que é ela quem tem a legitimidade, mostra o quanto tem sido contestada. E enquanto este campo está debatendo sobre quem tem mais legitimidade e quem deve apoiar, Sergio Massa acionou a máquina dos governadores para pedir voto”, destaca o analista.
Disputa imprevisível
Agora, resta saber qual será a capacidade real de transferência. E Sergio Massa, vale lembrar, é o ministro da Economia do governo Alberto Fernández, que vai entregar o país com inflação anual na casa dos 140%. O cenário é de uma eleição extremamente polarizada, marcada pelo cansaço dos argentinos com a crise e com a política.
“O apoio dos governadores tem um peso, mas não sabemos até que ponto isso vai interferir no voto em si. Está muito difícil de ler a sociedade argentina. O instrumento das pesquisas está defasado, não conseguimos ver de antemão. A eleição tem sido marcada por surpresas”, lembra María Lourdes Puente.
“O que Sergio Massa tenta mostrar é que ele não será a continuidade deste governo, fala o tempo todo de futuro para tentar se afastar desse peso do anti-kirchnerismo. Tudo que ele faz vai na direção de se afastar do governo. Inclusive, no discurso após a vitória no primeiro turno, quando apareceu no palco sozinho”, conclui.
O mesmo, no entanto, vale para o Javier Milei. Ele tem o apoio formal de Patricia Bullrich e Mauricio Macri, mas ainda não está claro o quanto vai herdar entre os 23% dos eleitores que foram com o Juntos pela Mudança no primeiro turno.
A parcela mais moderada, que tem um pé atrás com o radicalismo do libertário pode votar em branco ou simplesmente ficar em casa no dia do segundo turno. O voto não é obrigatório na Argentina e analistas tem apontado que a maior abstenção tende a favorecer Sergio Massa desta vez, já que ele tem uma base mais sólida, com o voto do peronismo, apesar de enfrentar maior rejeição.
No caso Javier Milei também será preciso observar como o seu eleitorado mais fiel percebe o apoio da direita tradicional para o segundo turno. O economista teve uma ascensão meteórica na política argentina com um discurso contra o sistema ou contra a “casta”, como costuma dizer. Agora, segundo a imprensa local, teria prometido cargos no eventual governo em troca do apoio de Macri e Bullrich, a quem acusou de terrorismo durante a campanha pelo passado como militante peronista.
“É sempre muito arriscado quando um político que se apresenta como antissistema, abraça políticos tradicionais. E Patricia Bullrich tem um passado que, aos olhos do eleitor de Milei, é ruim”, aponta Matheus Oliveira.
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