No dia 19 de novembro, quando a Argentina vai eleger um novo presidente entre o libertário Javier Milei e o peronista Sergio Massa, “tudo pode acontecer”. A avaliação é de Cristian Buttié, o diretor da CB Consultoria, que fez a primeira pesquisa para o segundo turno da disputa. O resultado é um empate técnico com leve vantagem para Milei (50,7%) sobre Massa (49,3%).
No cenário de disputa acirrada que se projeta agora, a participação deve ser decisiva, mais até do que a declaração de apoio da terceira colocada Patricia Bullrich a Javier Milei. Esse eleitorado macrista, disse Buttié ao Estadão, parecia ter se dividido mesmo antes do apoio formal desta quarta-feira, 25. E boa parte já encarava o libertário como segunda opção na corrida à Casa Rosada.
Veja a primeira pesquisa para decisão na Argentina
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Os candidatos estão muito perto um do outro. Como podemos analisar a pesquisa a partir desses outros fatores como o piso e o teto?
Temos um cenário de extrema paridade com possibilidade para ambos. Há um empate técnico. A base eleitoral que já foi demonstrada nas eleições de domingo passado é de 36 pontos para o peronismo com a coalizão União pela Pátria e 30 pontos para o Liberdade Avança de Javier Miller.
Ou seja, temos um terço da Argentina que deve primeiro definir se vai votar, segundo, se vota em branco e, terceiro, se for escolher um candidato, qual deles representa o mal menor.
Acredito que existem fatores como a participação que vão incidir e muito sobre os resultados. Quanto maior a participação, maior a possibilidade de Javier Milei vencer as eleições. Enquanto a menor participação, pela base eleitoral que já tem o peronismo, aumenta a possibilidade de Sergio Massa vencer.
Ambos chegam com possibilidades iguais porque, na nossa avaliação, metade da Argentina vai votar pela raiva, pelo cansaço, pela rejeição ao governo Alberto Fernández e a Sergio Massa como ministro da Economia. A principal preocupação dos argentinos é a inflação e a desvalorização da moeda. E a outra metade vai votar com medo, escolhendo Sergio Massa como o mal menor.
Já dá pra dizer quem tem mais chance?
A pesquisa é o primeiro frame do filme que vamos começar a ver a partir de agora com medições sistemáticas para entender a evolução das campanhas. No primeiro turno, só na última pesquisa interna, já depois do prazo para pesquisas públicas, é que foi possível identificar a vantagem de Massa. Com uma margem tão pequena, precisamos medir até o final para saber. Também temos que avaliar os impactos das campanhas, das propostas, das declarações...
São muitas variáveis. O fim de semana de 19 de novembro é um fim de semana prolongado na Argentina, as pessoas podem viajar. Esse um terço que já se sente distante do processo porque não se vê representado por nenhum candidato pode ter uma desculpa para não votar. E aqui vale a mesma hipótese: quanto menor a participação, mais chance tem Sergio Massa e vice-versa.
É curioso porque no primeiro turno foi justamente o contrário. O aumento da participação foi apontado como fator decisivo para a vitória de Massa…
Acredito que o aparato peronista não estará tão presente agora como foi nas eleições gerais. No caso dos prefeitos, por exemplo, eles já foram eleitos no último domingo, não vão mobilizar os eleitores para se eleger e, consequentemente, eleger a Sergio Massa. Ou seja, o voto será mais emancipado, mais livre. Foi justamente esse aparato peronista com as eleições locais na região de Buenos Aires, que concentra 25% dos eleitores, que impulsionou Sergio Massa.
Podemos ver algo muito parecido com o que aconteceu no Brasil, uma eleição muito disputada no segundo turno.
Você citou o Brasil... Marqueteiros ligados ao PT foram à Argentina para ajudar na eleição de Sergio Massa. Já dá pra ver algum impacto na campanha?
Vejo uma virada de 180 graus na campanha depois das PASO (quando chegou a equipe brasileira) se comparado com a campanha antes das primárias. Parte disso pelo aprendizado que o próprio PT teve em 2018 com a derrota de Fernando Haddad. Acho que eles entenderam esses erros e corrigiram na eleição de Lula contra Bolsonaro. Acho que Sergio Massa também colhe os frutos disso.
Eles não foram para o ataque. A campanha tem focado em questões factuais, não no simbolismo. Porque no simbolismo -- assim como Bolsonaro ganhou em 2018 porque representou esse cansaço com o sistema político -- agora é justamente Javier Milei que canaliza esse sentimento e representa a mudança disruptiva.
Temos as duas últimas eleições brasileiras como parâmetro. Em 2018, Haddad carregava essa rejeição ao PT e ao governo Dilma, assim como Sergio Massa carrega agora a rejeição ao governo Fernandez. Mas também precisamos olhar para 2022 porque Sergio Massa usa essa estratégia de chamado à união nacional com a ideia de que Javier Milei é um perigo para Argentina, como Lula fez ao sugerir que Bolsonaro era um risco para o Brasil. O resultado foi uma eleição muito próxima.
Hoje Bullrich anunciou apoio a Milei, mas há um racha na coalizão Juntos pela Mudança. Como deve ser essa transferência de votos?
A pesquisa foi feita antes do anúncio, mas temos acompanhado os eleitores de Patricia Bullrich. Entre eles, 27,5% votariam em branco ou não votariam, 11,8% estão indecisos e entre os que definiram seu voto, 46,6% votarão em Javier Milei, 14,1% em Sergio Massa.
Será importante ver principalmente o que vão fazer esses 11% que estão indecisos. Mas não acho que o anúncio fará uma grande diferença porque antes disso, o núcleo duro do eleitor macrista, do eleitor de Bullrich, já considerava Milei como uma segunda opção e vice-versa. O resto da coalizão [Juntos pela Mudança] tem Milei como limite e veem como opção o voto em branco. Sergio Massa assegurar parte desse voto se, com essa proposta de unidade nacional, fizer ofertas concretas para essa parte da coalizão que tem Milei como limite, mas mesmo antes desse anúncio, metade dos eleitores de Bullrich já estava com Milei.
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