PUBLICIDADE

Eleição na Venezuela é democrática e justa? Oposição tem chance? Entenda como funciona

Votação terá consequências para o futuro do país e dos quase 8 milhões de imigrantes que fogem da crise

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação

CARACAS - Nicolás Maduro, o ditador da Venezuela, enfrentará neste domingo, 28 de julho, seu mais difícil desafio eleitoral desde que assumiu o cargo em 2013.

PUBLICIDADE

O resultado da votação presidencial terá consequências para o futuro do país, bem como para os quase oito milhões de venezuelanos que deixaram a Venezuela e contribuíram para um aumento da imigração nos Estados Unidos.

O governo autodenominado socialista da Venezuela está sendo desafiado pelo ex-diplomata Edmundo González Urrutia, à frente de uma oposição ressurgente comandada por María Corina Machado, impedida pela ditadura chavista de participar das eleições, além de um grupo de oito outros candidatos com menos peso.

Maduro, que presidiu um colapso econômico que levou milhões de pessoas a emigrarem, e seu Partido Socialista Unido da Venezuela impediram os rivais de participarem das eleições e têm se esforçado para pintá-los como elitistas em aliança com potências estrangeiras.

Desta vez, Maduro prometeu permitir que a coalizão de oposição Plataforma Unitária participasse da eleição em um acordo que trouxe ao seu governo algum alívio das sanções econômicas paralisantes impostas pelos Estados Unidos.

Esse alívio, no entanto, durou pouco, pois os EUA reimpuseram as sanções em meio às crescentes ações do governo contra a oposição, incluindo o bloqueio da candidatura da líder da oposição, María Corina Machado.

Entenda o que está em jogo.

Publicidade

Candidato da oposição Edmundo Gonzalez e líder opositora María Corina Machado em comício na Venezuela. Foto: Ariana Cubillos/Associated Press

Por que essa eleição é importante?

Nos últimos 25 anos, o governo da Venezuela tem sido controlado pelo chavismo, o movimento autoproclamado socialista que começou com a eleição democrática de Hugo Chávez em 1998 e, desde então, tornou-se autoritário. Quando Chávez morreu em 2013, seu protegido Nicolás Maduro venceu por pouco as eleições e chegou à presidência.

A economia da Venezuela implodiu há quase uma década, provocando um dos maiores deslocamentos do mundo. O fluxo de venezuelanos e outros migrantes para os Estados Unidos tornou-se um tema dominante na campanha presidencial dos EUA.

Esta é a primeira eleição venezuelana em mais de uma década em que um candidato da oposição tem uma chance razoável de vencer. Uma mudança na liderança teria sérias implicações para o país: além de abrir a porta para o retorno da democracia, poderia permitir um alívio nas sanções impostas pelo Ocidente e uma abertura econômica, além de conter a migração em massa.

Também está em jogo o futuro das reservas de petróleo da Venezuela, as maiores do mundo; a força contínua das alianças do país com a China, a Rússia e o Irã; e a trajetória de uma crise humanitária interna que levou uma nação outrora próspera a um imenso sofrimento.

A eleição será livre e justa?

PUBLICIDADE

Desde que a eleição foi convocada, ficou claro que não será totalmente livre nem justa. O ditador Nicolás Maduro, 61 anos, controla o legislativo, os militares, a polícia, o sistema judiciário, o conselho eleitoral nacional e grande parte da mídia, sem mencionar as violentas gangues paramilitares.

Mas uma eleição presidencial mais livre e justa parecia uma possibilidade no ano passado, quando o governo de Maduro concordou em trabalhar com a coalizão Plataforma Unitária, apoiada pelos EUA, para melhorar as condições eleitorais em outubro de 2023.

Um acordo sobre as condições eleitorais rendeu ao governo de Maduro um amplo alívio das sanções econômicas dos EUA sobre seus setores estatais de petróleo, gás e mineração.

Publicidade

Soldados venezuelanos patrulham centros preparados para votação em Caracas.  Foto: Yuri Cortez/AFP

Mas as esperanças ruíram dias depois, quando as autoridades disseram que as primárias da oposição eram contra a lei e, mais tarde, começaram a emitir mandados e a prender defensores dos direitos humanos, jornalistas e membros da oposição.

Um painel apoiado pela ONU que investiga as violações dos direitos humanos na Venezuela relatou que o governo aumentou a repressão aos críticos e opositores antes das eleições, submetendo os alvos a detenções, vigilância, ameaças, campanhas difamatórias e processos criminais arbitrários.

O governo também usou seu controle sobre os meios de comunicação, o fornecimento de combustível, a rede elétrica e outras infraestruturas do país para limitar o alcance da campanha de Machado-González.

As crescentes ações tomadas contra a oposição levaram o governo Biden, no início deste ano, a encerrar o alívio das sanções que havia concedido em outubro.

Mais de 30 ativistas da oposição foram detidos ou se esconderam desde janeiro, de acordo com o principal partido da oposição. Muitos estão detidos em uma instalação conhecida como Helicoide, onde uma missão das Nações Unidas encontrou evidências de tortura.

Uma proposta na legislatura poderia permitir que o governo suspendesse a campanha da oposição a qualquer momento. A grande maioria dos milhões de venezuelanos que vivem no exterior não conseguiu se registrar para votar devido às novas restrições que, segundo os especialistas em eleições, constituem fraude eleitoral.

Nas semanas que antecederam a eleição, grupos independentes observaram um aumento no número de seções eleitorais, o que poderia desacelerar o processo de votação e dificultar o monitoramento de fraudes.

Publicidade

Embora todas as principais pesquisas mostrem que Maduro perderá em uma eleição geral, muitos críticos temem que seu governo não divulgará nem aceitará os resultados, se isso acontecer.

Analistas afirmam que qualquer situação em que Maduro deixe o cargo quase certamente seguirá um acordo de saída negociado com a oposição, no qual ele provavelmente tentará se proteger de processos em um tribunal internacional por acusações de crimes contra a humanidade.

Mas poucos venezuelanos esperam que a eleição resulte na saída de Maduro do cargo de presidente. Em vez disso, analistas políticos, especialistas em eleições, figuras da oposição e quatro ex-funcionários de alto escalão do governo de Maduro acreditam que ele provavelmente está pensando em várias opções para manter o poder.

“Esta pode ser a última grande oportunidade que a Venezuela tem em muito tempo para restaurar a democracia”, disse Ryan Berg, diretor do Programa para as Américas do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. “O nível de fraude que (o governo Maduro) vai exigir será tão óbvio para todos que não haverá forma de avançar com as eleições de forma crível. Eles vão pegá-los em flagrante”.

Quem é o candidato que desafia Maduro?

O nome mais comentado da disputa não está na cédula de votação: María Corina Machado, ex-legisladora, surgiu como uma estrela da oposição em 2023, preenchendo o vazio deixado quando uma geração anterior de líderes da oposição foi para o exílio.

Seus ataques à corrupção e à má administração do governo levaram milhões de venezuelanos a votar nela nas primárias da oposição em outubro.

Mas o governo de Maduro declarou que as primárias eram contra a lei e abriu investigações criminais contra alguns de seus organizadores. Desde então, o governo emitiu mandados de prisão para vários apoiadores de Machado e prendeu alguns membros de sua equipe, e o tribunal superior do país confirmou a decisão de mantê-la fora das urnas.

Publicidade

Mesmo assim, ela continuou fazendo campanha, realizando comícios em todo o país e transformando a proibição de sua candidatura em um símbolo da perda de direitos e das humilhações que muitos eleitores vêm sentindo há mais de uma década.

Ela deu seu apoio a Edmundo González Urrutia, ex-embaixador que nunca ocupou cargo público, ajudando uma oposição dividida a se unificar em torno dele.

Embora González, 74 anos, fosse desconhecido para a maioria dos venezuelanos até recentemente, o apoio de Machado à sua candidatura o torna um desafiante viável.

Apoiadores de María Corina Machado lotam evento da campanha.  Foto: Federico Parra/AFP

Extremamente popular, Machado, 56 anos, tem reunido eleitores em seu nome em eventos em todo o país, onde é recebida como uma estrela do rock, lotando quarteirões das cidades. Há outros candidatos na cédula, mas eles não são vistos como concorrentes sérios.

Eles estão fazendo campanha juntos, prometendo uma economia que atrairá de volta os milhões de venezuelanos que migraram desde que Maduro se tornou presidente em 2013.

Na quinta-feira, o ônibus que levaria Machado e González por uma seção de Caracas foi temporariamente parado pela polícia, com ambos em pé em uma plataforma fixada no veículo. Os policiais argumentaram que a parada era um procedimento de rotina para verificar a validade dos documentos do motorista.

“As pessoas reunidas na passeata da oposição que marcou o início oficial da campanha gritaram “Liberdade! Liberdade! Liberdade!” e E vai cair, e vai cair, esse governo vai cair”. Eles agitavam bandeiras venezuelanas enquanto aguardavam a chegada da dupla, e os motoristas se juntavam a eles buzinando.

Publicidade

González iniciou sua carreira diplomática como assessor do embaixador da Venezuela nos Estados Unidos no final da década de 1970. Ele teve cargos na Bélgica e em El Salvador e serviu como embaixador de Caracas na Argélia. Seu último cargo foi o de embaixador na Argentina durante os primeiros anos da presidência de Hugo Chávez, que começou em 1999.

Mais recentemente, González trabalhou como consultor de relações internacionais e escreveu um trabalho histórico sobre a Venezuela durante a Segunda Guerra Mundial.

Apoiador aponta para foto de Edmundo Gonzalez em cópia da cédula eleitoral.  Foto: Cristian Hernandez/Associated Press

Quem vai votar?

Existem mais de 21 milhões de eleitores registados na Venezuela para votar, mas espera-se que o êxodo de mais de 7,7 milhões de pessoas devido à crise prolongada - incluindo cerca de 4 milhões de eleitores - reduza o número de eleitores em potencial para cerca de 17 milhões.

A votação não é obrigatória e é feita em máquinas eletrônicas. A lei venezuelana permite que as pessoas votem no exterior, mas apenas cerca de 69.000 preencheram os critérios para votar em embaixadas ou consulados durante essa eleição.

Os pré-requisitos governamentais caros e demorados para o registro, a falta de informações e a obrigatoriedade de comprovação de residência legal em um país anfitrião impediram muitos migrantes de se registrarem para votar.

Os venezuelanos nos EUA enfrentam um obstáculo intransponível: os consulados, onde os cidadãos no exterior normalmente votariam, estão fechados porque Caracas e Washington romperam relações diplomáticas após a reeleição de Maduro em 2018.

Um grupo limitado de observadores eleitorais, incluindo uma equipe do Carter Center, uma organização sem fins lucrativos criada pelo ex-presidente dos EUA Jimmy Carter, estará no terreno para monitorar a votação depois que as autoridades venezuelanas revogaram em maio um convite para que a União Europeia enviasse um delegação, citando as sanções do bloco ao país.

Publicidade

Mas as opções para a oposição e a comunidade internacional serão limitadas se Maduro se recusar a desistir do poder, disse Berg, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS). “A oposição pode sair às ruas, pode mobilizar-se, pode exigir certas coisas, mas se o regime chegar ao poder e tiver poder de fogo para reprimir, como vimos noutros casos sob o governo de Maduro, as coisas podem ficar muito feias,” ele disse.

Se a oposição for vitoriosa, um período de transição de seis meses provavelmente incluirá negociações intensas sobre a anistia para Maduro e membros do seu governo, que analistas dizem que ele certamente exigirá antes de qualquer possível transferência de poder.

Maduro enfrenta atualmente acusações de tráfico de drogas e corrupção nos Estados Unidos e está sendo investigado por crimes contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional.

Machado indicou nos últimos meses que a oposição manifestou a sua vontade ao governo venezuelano de estabelecer uma “negociação séria com garantias” para Maduro e seus aliados, no caso de Maduro e o seu Partido Socialista Unido da Venezuela chegarem a um acordo diante da derrota.

“Sabemos a responsabilidade que temos com a história e se há sentimentos que animam este processo é de reunificação, convivência e justiça, nunca de vingança e perseguição”, disse Machado no início deste mês.

Nicolas Maduro e a mulher Cilia Flores no encerramento da campanha em Caracas.  Foto: Yuri Cortez/AFP

Quais são os principais problemas?

A principal preocupação da maioria dos venezuelanos é simplesmente ter uma chance legítima de votar para tirar a ditadura de Maduro do poder.

As pesquisas ao longo do tempo mostram que cerca de dois terços do país se opõem ao chavismo e provavelmente apoiarão qualquer candidato que possa desafiar Maduro, a quem culpam pelo colapso econômico do país.

Publicidade

A economia venezuelana entrou em queda livre em meio à má administração do setor de petróleo, uma crise exacerbada por sanções rigorosas impostas pelos Estados Unidos em 2019. A inflação corroeu os salários e as economias.

Há anos, os venezuelanos estão se recuperando, tentando alimentar seus filhos com ganhos escassos, vendo membros da família morrerem de doenças evitáveis e esperando horas na fila da gasolina.

Maduro ainda pode contar com um quadro de fiéis obstinados, conhecidos como chavistas, incluindo milhões de funcionários públicos e outros cujos negócios ou empregos dependem do Estado. Mas a capacidade de seu Partido Socialista Unido da Venezuela de usar o acesso a programas sociais para levar as pessoas às urnas diminuiu à medida que a economia do país se desgastou.

Essa tendência autoritária foi parte da justificativa que os EUA usaram para impor sanções econômicas que prejudicaram o setor petrolífero crucial do país.

O governo de Maduro e sua base culpam os adversários estrangeiros pelos problemas do país, principalmente os Estados Unidos, que, segundo eles, estão travando uma guerra econômica contra a Venezuela.

A reunificação de famílias separadas pela migração também surgiu como uma questão importante, dado o enorme número de venezuelanos que deixaram o país. / AP, NYT, AFP e W. Post

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.