Eleição no Uruguai tem candidato de Mujica favorito à presidência contra centro-direita

Yamandú Orsi, candidato de ‘Pepe’ Mujica, deve ir ao segundo turno contra o herdeiro político de Lacalle Pou, Alvaro Delgado, mas nome jovem ameaça segundo lugar do atual governo

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Foto do author Carolina Marins
Atualização:

Provando ser uma ilha na América Latina, o Uruguai realiza neste domingo, 27, o primeiro turno de suas eleições presidenciais sob um clima de tranquilidade e sem grandes surpresas. Pesquisas mostram a centro-esquerda como favorita para retornar ao poder contra a centro-direita do atual governo. Um nome jovem, porém, que promete abalar a política tradicional, ganhou ímpeto nos últimos dias e tenta embaralhar uma disputa que até agora tem sido considerada morna.

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Segundo as principais pesquisas, Yamandú Orsi, da coalizão de esquerda Frente Ampla e apadrinhado político do ex-presidente José “Pepe” Mujica, é o nome certo para o segundo turno, com algumas sondagens sugerindo que ele poderia levar já de primeira. Em segundo está o herdeiro do atual presidente Luis Lacalle Pou, Alvaro Delgado, do Partido Nacional, que busca surfar na alta popularidade do mandatário, mas choca com sua própria falta de carisma.

A novidade desta vez é Andrés Ojeda. Com apenas 40 anos, o advogado fez fama participando de programas de rádio e TV e promete ser uma renovação da velha política uruguaia. Até então em terceiro lugar, pesquisas recentes dão sinais de que Ojeda, com sua agenda de centro-direita levemente mais conservadora, pode tirar o segundo lugar do partido governista. Sua campanha foi inteiramente feita por redes sociais, onde ostenta seus treinos na academia, fotos com animais e crianças.

Além dos três, outras nove chapas concorrem à presidência, nenhuma com chances de vitória.

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O candidato a presidente do Uruguai pela Frente Ampla, Yamandú Orsi Foto: Matilde Campodonico/AP

Embora sejam baixas as suas chances de chegar à presidência, o jovem Ojeda trouxe energia para uma corrida eleitoral marcada por campanhas mornas que pouco engajou a população. Na realidade, os uruguaios se veem mais motivados a ir às urnas para votar em dois plebiscitos de reforma da Constituição que ocorrerão no mesmo dia.

“São eleições diferentes, porque nenhum dos candidatos conseguiu atrair maior atenção por seu carisma junto à opinião pública”, explica o analista e estrategista político uruguaio Daniel Supervielle. “Os programas apresentados pelas diferentes equipes de governo não diferem muito entre si. Embora todos tenhamos claro que é muito diferente se um ou outro ganha, pelo estilo ou pela personalidade, em nível programático nenhum tema se estabeleceu na campanha como polarizador que muda a história”.

Foi uma campanha que se caracterizou pelo desânimo. As pessoas não se engajaram e não estão vibrando como sempre vibraram no Uruguai.

Daniel Supervielle, analista, estrategista político e diretor de comunicação no Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social

Centro versus centro

O cenário mais provável, neste momento, é um segundo turno entre Orsi e Delgado, repetindo o que tem sido as disputas políticas uruguaias dos últimos quase 30 anos: uma alternância entre a centro-esquerda e a centro-direita.

O professor de história e ex-prefeito de Canelones Yamandú Orsi venceu as primárias da Frente Ampla graças ao apoio de Mujica. O ex-presidente subiu ao palco no último fim de semana, apesar do tratamento contra o câncer, para endossar seu apoio. De acordo com as últimas pesquisas, Orsi conta com mais de 40% das intenções de voto. Para vencer em primeiro turno, precisaria de 50% mais um voto.

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Atrás, com um pouco mais de 20%, vem o braço direito de Lacalle Pou. Alvaro Delgado, um veterinário de formação, se tornou secretário da presidência e foi o rosto do governo durante a pandemia de covid-19. Em sua peça de campanha, promete “continuar o que foi um bom governo”. Mas o perfil burocrata e pouco carismático o trai ao tentar engajar a popularidade de seu padrinho.

O candidato à presidência do Uruguai pelo Partido Nacional, Alvaro Delgado, e sua candidata à vice-presidência, Valeria Ripoll Foto: Eitan Abramovich/AFP

Embora sejam ideologicamente diferentes, com a Frente Ampla defendendo uma presença maior do Estado na economia e na proteção social e o Partido Nacional de viés mais liberal, na prática os programas de governo não propõem mudanças tão radicais. O que explica porque o uruguaio não está brigando nas ruas e nas redes sociais por um ou outro candidato.

Diferentemente de disputas eleitorais nos Estados Unidos, no Brasil, na Colômbia, na Argentina e outras do continente, não está em jogo no Uruguai duas propostas antagônicas de país.

“Os dois oferecem um Uruguai manso, um Uruguai tranquilo, sem discursos estridentes, fortes e polêmicos”, observa Supervielle. “São homens de Estado, sem grandes atributos políticos nem como oradores, mas são muito bons funcionários públicos, ambos. Então, não há muita diferença entre os dois.”

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A maldição de ser o candidato do governo

O que chama a atenção é o favoritismo da centro-esquerda diante de um governo de centro-direita muito bem avaliado. A vantagem de Orsi em absolutamente todas as sondagens, de primeiro e segundo turno, o permite ignorar entrevistas na imprensa sem grandes constrangimentos e fazer política nas ruas, quase como uma campanha a prefeito.

O atual presidente uruguaio configura como o líder latino-americano mais popular do continente e seu índice de aprovação interna sempre esteve acima de 50%, mesmo em momentos de escândalos de corrupção dentro de seu governo. No Uruguai não existe reeleição, por isso Lacalle Pou não concorre agora.

Neste cenário, parece lógico que o candidato do governo, ainda mais um braço direito do presidente, tenha o favoritismo. Mas, novamente provando ser um ponto fora da curva, ser o candidato da situação no Uruguai pode ser uma maldição.

O candidato presidencial do Partido Nacional do Uruguai, Alvaro Delgado, almoça com o presidente uruguaio Luis Lacalle Pou em um restaurante no centro de Montevidéu em 23 de outubro de 2024 Foto: Pablo Porciuncula/AFP

“Digamos que ser o candidato do governo é sempre difícil porque as pessoas sempre querem algo melhor e, neste caso, o governo tem muitos méritos, mas tem alguns problemas também. Não é que tudo esteja funcionando bem e funcionou bem nesses anos”, explica Adolfo Garcé, professor e pesquisador na Universidade da República do Uruguai.

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É muito difícil no Uruguai que as pessoas queiram repetir o mesmo governo, mesmo quando um governo funciona bem. Delgado é obviamente o candidato de um governo relativamente bem-sucedido. Mas a pergunta que as pessoas também fazem é se não poderíamos, por exemplo, ter evitado alguns erros ou se não poderíamos estar melhor.

Adolfo Garcé, professor e pesquisador no Departamento de Ciência Política da Universidade da República do Uruguai.

Para convencer o eleitorado de que, mesmo sendo governo ele será diferente, Delgado diz que será um segundo nível da gestão Lacalle Pou, em que manteria os acertos e corrigiria os erros. Só que este argumento bate de frente com a forte crítica da oposição da Frente Ampla que faz questão de amplificar os erros. “A oposição no Uruguai é sempre muito severa”, diz Garcé.

Por outra parte, joga contra o atual governo a forte base eleitoral que sempre teve a Frente Ampla. Com um leque que abarca partidos de centro, esquerda progressista, esquerda liberal e esquerda extrema, a coalizão sempre poderá contar com seus 40% de votos. Já a direita se dividiu entre os partidos Nacional e Colorado, tornando uma concorrência com a Frente Ampla mais inalcançável.

A novidade Ojeda

O que tem chacoalhado as bases da tradicional política uruguaia é a chegada do advogado Andrés Ojeda. Se antes ele aparecia muito atrás em seu terceiro lugar, nas últimas três semanas sua campanha ganhou força e agora ele desponta com quase 20%, representando um perigo a Alvaro Delgado.

O candidato repete em sua campanha fórmulas bem conhecidas dos últimos “outsiders” da política latino-americana, especialmente o argentino Javier Milei. Mas está longe de ter os mesmos ideais dentro de um país onde os extremos não ganham espaço. No espectro político, estaria para uma centro-direita mais inclinada à direita que o atual governo.

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O candidato presidencial uruguaio do Partido Colorado, Andres Ojeda Foto: Dante Fernandez/AFP

Ojeda diz ser contra a velha política, mas é filho dela. Fez carreira na militância política do Partido Colorado e já era conhecido pelos uruguaios acostumados a ver seus comentários jurídicos na televisão. Ao se lançar candidato, viralizou com um vídeo em suas redes onde mostrava seus músculos na academia. Se vende como o jovem buscando espaço dentro de uma política feita por velhos.

“Ele se apresenta como o novo presidente, o porta-voz da nova política, dos novos tempos, dos tempos que entendem a política vinculada às redes sociais, aos temas que interessam às pessoas, como o cuidado dos animais, a saúde mental e esse tipo de coisa”, afirma Daniel Supervielle.

“Ele diz: ‘essa disputa não é entre esquerda e direita, mas sim entre o novo e o velho. Eu sou o novo, Delgado e Orsi são o velho’. E ele conseguiu muito habilmente fazer com que isso se estabelecesse”, completa.

Ganhou a simpatia do público, mas que isso se converterá em votos, os analistas são céticos. “Ojeda trouxe muita novidade, energia e dinamismo, mas conduziu uma campanha que, com o passar dos dias, tornou-se cada vez mais difícil de entender e que gera suspeita ao uruguaio. É uma campanha muito estranha para as práticas políticas uruguaias”, diz Adolfo Garcé.

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Segundo o professor de ciência política, diferente de seus vizinhos, o Uruguai não tem uma política personalista, mas sim muito mais baseada nos partidos. Isso em parte explica porque Ojeda, apesar de ser cada vez mais popular, não se torna o fenômeno que Milei se tornou na Argentina. E também explica porque Lacalle Pou não transferiu ao seu herdeiro a sua popularidade.

Apoiadores do candidato presidencial uruguaio do Partido Colorado, Andres Ojeda, participam de seu comício de encerramento de campanha em Montevidéu, em 19 de outubro de 2024 Foto: Dante Fernandez/AFP

Os três partidos Movimento de Participação Popular (líder da Frente Ampla, de Mujica), Nacional e Colorado são as bases da política uruguaia, muito mais que os presidentes que elegem. No dia da votação - que também escolherá senadores e deputados - um eleitor só pode eleger nomes do mesmo partido. Ao escolher uma folha de votação, já virá associada a ela o presidente, o vice, o senador e o deputado em disputa.

“Embora Ojeda diga o contrário porque afirma que estamos vivendo uma nova era na política uruguaia, esta não é uma política personalizada, não é uma política de pessoas, é uma política de partidos”, diz Garcé.

Mesmo que seja difícil Ojeda ir ao segundo turno neste domingo, ninguém arrisca dizer que é impossível. “Essa eleição é um experimento porque ele está fazendo política de uma maneira diferente, mas é um experimento de resultado incerto, não sabemos o que vai acontecer”, completa o professor.

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