Eleições antecipadas e queda de premiê: entenda como a França chegou a crise política atual

Destituição de Michael Barnier segue a decisão do presidente Emmanuel Macron em junho de dissolver o Parlamento e convocar novas eleições, que resultaram na diminuição da sua base e em um governo cada vez mais isolado.

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Foto do author Luiz Henrique Gomes
Atualização:

A decisão do Parlamento francês em destituir o primeiro-ministro Michael Barnier nesta quarta-feira, 4, deixou a França mais uma vez este ano numa incerteza política. A queda segue a decisão do presidente Emmanuel Macron em junho de dissolver o Parlamento e convocar novas eleições, que resultaram na diminuição da sua base e em um governo cada vez mais isolado.

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Foi a primeira vez em 62 anos que um primeiro-ministro foi deposto na França. Barnier estava no cargo há menos de 90 dias e havia sido indicado por Macron, que se recusou a formar o governo com a coalizão de esquerda, vencedora das eleições de julho. Com o maior número de deputados, a esquerda foi responsável por convocar a moção de censura votada nesta quarta e contou com o apoio da direita radical.

A sustentação de Michael Barnier como primeiro-ministro era frágil desde o começo. Deputado pelo partido Republicanos, a escolha de Barnier foi apoiada pelo partido Juntos, do presidente, e por outras legendas da direita, incluindo o apoio constrangido do Reunião Nacional, de Marine Le Pen. A coalizão de esquerda, no entanto, rejeitou o seu nome desde o início.

Imagem do dia 2 mostra deputados franceses reunidos na Assembleia Nacional, em Paris. Moção de censura da oposição levou a queda do primeiro-ministro Michael Barnier, no cargo há menos de três meses Foto: Michel Euler/AP

A queda se tornou inevitável na segunda-feira depois que Barnier decidiu usar um atalho constitucional para aprovar o orçamento francês sem o aval do Parlamento. A proposta orçamentária previa a redução de déficit do Estado em € 60 bilhões (R$ 380 bilhões) com aumento de impostos e corte de gastos, sendo recebida com impopularidade. O ato foi o último da crise na política francesa que começou com a dissolução do Parlamento.

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Dissolução do Parlamento e eleição antecipada

A decisão de Macron de dissolver a Assembleia Nacional em junho e convocar novas eleições surpreendeu os franceses. O anúncio foi feito depois do seu partido ter um desempenho fraco nas eleições do Parlamento Europeu, que teve o avanço da extrema direita. “Não é um bom resultado para os partidos que defendem a Europa”, declarou Macron na época.

As eleições ocorreram no mês seguinte. Desde o início, o Reunião Nacional aparecia à frente das pesquisas, o que contrariava a expectativa de Macron de uma renovação da sua base política, mas o resultado eleitoral terminou com a vitória da Nova Frente Popular (NFP), a coalizão dos partidos de esquerda.

Apesar da vitória, a NFP obteve 182 vagas, abaixo dos 289 necessários para formar a maioria no Parlamento. A coalizão de centro de Macron obteve 166 assentos e o Reunião Nacional, de Le Pen, 143.

Com três blocos distintos e insuficientes para formar a maioria, Macron foi obrigado a negociar.

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Escolha de Michael Barnier

Com agendas políticas divergentes, o presidente não chegou a um consenso com a esquerda para formar o governo e indicou Barnier para o cargo em setembro, quase dois meses depois das eleições. Conservador e experiente, Barnier era visto como um político habilidoso para resolver impasses e ajudou Macron a formar o governo com o seu partido, o Republicanos, que tem 47 cadeiras.

Com a Assembleia Nacional dividida e sem maioria, Barnier tinha a tarefa de negociar apoio da esquerda ou da ultradireita para conseguir a aprovação de projetos. Desde o início, no entanto, a esquerda declarou que seria oposição pelo presidente ter ignorado o resultado das eleições. Defensores de um gasto público maior, eles também consideraram a proposta de orçamento inaceitável desde o início.

O Reunião Nacional ajudou a aprovar a indicação de Barnier depois de concessões feitas pelo premiê, que incluiu a nomeação de um Ministro do Interior, mas também rejeitou a proposta de orçamento – o que o deixou em uma situação insustentável.

O que Macron pode fazer agora?

Nada impede Macron de designar Barnier de novo. Em 1962, o então presidente Charles de Gaulle nomeou novamente George Pompidou, o único primeiro-ministro a cair até agora em uma moção de censura desde 1958, mas houve eleições nesse ínterim.

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O presidente francês também pode buscar a direita mais uma vez para formar o novo governo. A nomeação de Barnier em setembro foi possível porque partido Republicanos (LR) decidiu deixar a oposição e governar ao lado da aliança centrista.

O antecessor de Barnier, o macronista Gabriel Attal, defendeu “um acordo de não censura” com o LR, mas também com o Partido Socialista, que faz parte da coalizão de esquerda Nova Frente Popular (NFP).

O governo que surgiria desse pacto incluiria ministros da aliança de Macron, de acordo com Attal, de centro-direita, e poderia evitar que sua sobrevivência dependesse do Reunião Nacional.

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Macron também pode tentar formar governo com a esquerda. Entretanto, após as eleições, ele se recusou a nomear a economista Lucie Castets, do partido França Insubmissa (que compõe a coalizão vencedora das eleições), para o cargo.

Embora Castets tenha dito na terça-feira que está “pronta para governar”, os socialistas defenderiam a proposta de um pacto “sem censura”, com acordos pontuais com todos os outros partidos, exceto a extrema direita, mas com um governo de esquerda.

A NFP é composta por vários partidos: o partido de extrema esquerda França Insubmissa; o mais moderado Partido Socialista; o partido verde Ecologista; o Partido Comunista Francês; o centro-esquerda Place Publique, e outros pequenos partidos.

A coalizão foi formada poucos dias após Macron convocar a eleição antecipada. Na campanha eleitoral, a NFP defendeu o aumento do salário mínimo mensal da França para € 1,6 mil euros (R$ 9,5 mil) e limitar o preço de alimentos essenciais, eletricidade, combustível e gás.

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O partido também se comprometeu a revogar a reforma da previdência de Macron, uma política aprovada com impopularidade que aumentou a idade de aposentadoria na França de 62 para 64 anos. Na política externa, a NFP se comprometeu a “reconhecer imediatamente” um Estado palestino e um cessar-fogo entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza.

O que defendem os outros partidos?

Conhecido por defender uma política austera, o Juntos deu sustentação à reforma previdenciária de Macron. O governo do centrista busca equilibrar as finanças públicas da França, atacando o déficit orçamentário que foi de 5,5% do PIB em 2023 e é projetado para 6,1% este ano, quase o dobro do máximo permitido na zona do euro. A redução do déficit era o principal objetivo da proposta orçamentária que levou à queda de Barnier.

Já o Reunião Nacional defende reduzir impostos, aumentar salários e uma política mais rígida com relação aos imigrantes. O partido também fez críticas à reforma da previdência de Macron, mas não está claro se, uma vez no governo, a revogaria. /Com AFP

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