Eleições na Argentina: Buenos Aires, a cidade que escolheu Bullrich e rejeita ‘el loco’ Milei

Milei encontra dificuldade em levar o maior eleitorado do país frente ao histórico reduto do Juntos pela Mudança na capital e do peronismo na província

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Foto do author Carolina Marins
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - Damian Ernesto tem 53 anos e esta será a primeira vez que votará em alguém que verdadeiramente o agrade. O motorista de táxi de Buenos Aires, na Argentina, é um admirador da linha-dura Patricia Bullrich e confia na mudança que ela promete trazer sem “explodir tudo”, como afirma que quer fazer o libertário Javier Milei.

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A cidade portenha foi uma das poucas que não se pintou inteira de violeta, cor da coalizão A Liberdade Avança, de Milei, como ocorreu em quase todo o país durante as eleições primárias de agosto. A capital argentina, que concentra o maior eleitorado do país, ainda mantém uma certa fidelidade com o Juntos pela Mudança, coalizão de Bullrich, ainda que na província de Buenos Aires quem se saia melhor seja o governo do peronista Sergio Massa.

Buenos Aires serve como uma vitrine para a gestão da coalizão opositora ao governo. Seu líder, o ex-presidente Mauricio Macri, foi prefeito da cidade antes de se lançar nacionalmente. Um caminho que é natural dentro do Proposta Republicana (PRO), seu partido. Esperava-se que o mesmo ocorresse com Horacio Rodríguez Larreta, que é o atual prefeito e tentou ser candidato a presidente. Mas frente ao sentimento de cansaço do argentino, foi Bullrich com seu discurso de segurança que ganhou a vaga nas eleições primárias.

A candidata presidencial pelo Juntos pela Mudança, Patrícia Bullrich, em comício em Buenos Aires, 16 de outubro de 2023 Foto: Natacha Pisarenko/AP

Nem Milei nem o peronismo conseguem até o momento adentrar a disputa portenha. “O eleitorado da cidade de Buenos Aires é um eleitorado que há muitos anos vota na aliança entre o PRO, a União Cívica Radical e a Coalizão Cívica, que formam o Juntos pela Mudança”, explica o professor de Ciência Política da Universidade de Buenos Aires, Facundo Galván. “Os setores médios não estão inclinados a votar opções peronistas ou opções outsiders. Historicamente, a capital federal foi um eleitorado radical, mais progressista e mais de classe média.”

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“A cidade de Buenos Aires é o setor dos conservadores, nunca foi governada pelo peronismo, sempre foi governada pelos partidos conservadores e sempre esteve mais associada aos setores do radicalismo, depois ao PRO quando surgiu como um partido”, concorda o cientista político e sociólogo Sebastián Cruz Barbosa.

Basta caminhar nas ruas de Buenos Aires, especialmente das regiões de Palermo e Recoleta, para encontrar alguém que admira Bullrich. No caso de Ernesto, sempre votou pela oposição e jamais votaria em um peronista, mas via em Larreta o “mais do mesmo”, reflexo do cansaço com a política tradicional.

Já Bullrich, por mais que venha de uma das famílias mais tradicionais da política argentina, conquista o eleitorado que quer uma mudança, mas sem apelar à explosão do Banco Central, afirma.

Consolidando esta preferência pelo Juntos pela Mudança na cidade, Jorge Macri, primo de Mauricio Macri é o favorito para vencer a disputa para a prefeitura, sendo seguido por Leandro Santoro, do peronismo, e Ramiro Marra, candidato de Milei.

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Cidade conservadora, província peronista

Nas PASO (Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias), o Juntos pela Mudança levou a cidade de Buenos Aires com 48% dos votos. Já o União pela Pátria aparece com 23,6% e só então vem Javier Milei, com 17%. Já na província, a coalizão peronista levou a melhor com 32% dos votos, seguidos pela oposição com 29% e A Liberdade Avança com 24%.

Em termos provinciais, quem sai ganhando é o peronismo. “O peronismo sempre teve mais chances de vencer na província de Buenos Aires porque é o bastião tradicional, ou seja, o fenômeno do peronismo, que é um fenômeno dos anos 1940 na Argentina, nasceu com a gestação da classe trabalhadora da Argentina e com a classe trabalhadora das indústrias urbanas, principalmente da província de Buenos Aires”, explica Barbosa, que estuda o peronismo.

Desde a redemocratização, as únicas vezes em que o peronismo não esteve na província de Buenos Aires foram entre 1983 e 1987, quando governou a União Cívica Radical, e entre 2015 e 2019 quando María Eugenia Vidal, do PRO, comandou o cargo.

Mas esta eleição da província, dada certa para o peronista Axel Kicillof, pode estar em risco frente a um escândalo dentro da cúpula do seu governo. Seu então chefe de gabinete, Martín Insaurralde, foi flagrado ostentando uma vida de luxo ao lado de uma modelo na Espanha, na mesma semana em que saíram os novos dados de pobreza que mostravam mais de 40% da população abaixo dessa linha.

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O atual governador e candidato a reeleição pela província de Buenos Aires, Axel Kicillof, e o ministro da Economia e presidenciável, Sergio Massa Foto: Juan Mabromata/AFP

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O escândalo abalou a campanha de Massa, que pediu publicamente a cabeça do kirchnerista. No fim, Insaurralde desistiu de sua campanha para a prefeitura de Lomas de Zamora, cidade da grande Buenos Aires, e do seu cargo com Kicillof. Mas o atual governador foi criticado por não ter sido ele a despedir o funcionário.

O caso acirrou os ânimos dentro do peronismo, especialmente entre Kicillof e o grupo jovem chamado de La Cámpora, encabeçado por Máximo Kirchner, filho de Cristina Kirchner. Há tempos que os dois se estranham, mas depois do escândalo, Cristina precisou intervir diretamente para evitar uma cisão dentro da coalizão que poderia provocar a histórica derrota na província.

Até o momento, as pesquisas não mostraram um impacto forte do caso nas intenções de voto de Kicillof. Além dele, concorrem pela província: Néstor Grindetti, do Juntos pela Mundança, e Carolina Píparo, do A Liberdade Avança.

Milei em Buenos Aires

O que fica clara é a dificuldade de Milei em entrar neste gigantesco eleitorado. Segundo Galván, o fato de não possuir um poder político consolidado e nem um aparato de partido, explica porque Milei não consegue levar nem a capital federal e nem a província de Buenos Aires. O Juntos pela Mudança entrou na corrida com o maior orçamento e os peronistas têm a vantagem de ter a máquina estatal a favor.

“A província de Buenos Aires concentra 37% do padrão eleitoral apenas na área suburbana, onde o aparato político do Partido Justicialista é o mais relevante porque é onde está mais consolidado”, explica o professor da UBA.

Apoiadores de Javier Milei comapnham seu fechamento de campanha em Loma de Zamora, cidade da grande Buenos Aires Foto: Luis Robayo/AFP

“Já Milei não tem aparato fiscalizador, pelo menos não teve nas PASO e não tem referências fortes nas prefeituras dos subúrbios e isso também não o ajuda a ganhar muitos votos, teve sucesso com relativamente poucos dos mais 130 prefeitos que concorrem na província de Buenos Aires, a maioria são figuras desconhecidas ou que romperam com o peronismo, então isso também ajuda a entender um pouco o seu desempenho fraco aqui nas primárias, temos que ver o que acontece no geral eleições”, completa.

Na intenção de vencer já em primeiro turno, Javier Milei encerra sua campanha justamente na província de Buenos Aires, tendo inclusive passado pela cidade de Martín Insaurralde, Lomas de Zamora, nesta segunda-feira, 16.

“Estamos a poucos pontos de vencer no primeiro turno e para conseguir precisamos do apoio de todos aqueles que querem uma mudança”, disse o candidato durante sua caravana que tem percorrido o país. “Na província de Buenos Aires temos a oportunidade histórica de vencer o kirchnerismo e eliminá-los para sempre”.

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