ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - A terceira colocada nas eleições presidenciais da Argentina, Patricia Bullrich, declarou nesta quarta-feira, 25, seu apoio público ao libertário Javier Milei para o segundo turno contra Sergio Massa. O anúncio, no entanto, abre frente para uma fragmentação da coalizão do Juntos pela Mudança, já que outros partidos da chapa declararam neutralidade e condenaram a posição da ex-candidata.
Milei vai enfrentar o atual ministro da Economia e candidato do peronismo na votação marcada para 19 de novembro. Os mais de 6 milhões de eleitores de Bullrich, que representam 23% dos votos, são considerados cruciais para a corrida à Casa Rosada.
“Com Milei, temos diferenças, por isso competimos. Mas nos encontramos diante do dilema entre a mudança e a continuidade mafiosa. A maioria escolheu a mudança e nós representamos isso”, justificou Patricia Bullrich durante uma coletiva de imprensa ao lado de seu então candidato a vice Luis Petri. Ela afirmou ter perdoado o candidato pelas acusações que fez contra ela durante a campanha - acusações estas que renderam denúncias na Justiça contra Milei - e disse que quer combater o kirchnerismo.
Se o kirchnerismo vencer, o Juntos pela Mudança irá à dissolução total. Nossa decisão é unilateral e baseada em princípios. Não queremos que a Argentina continue no caminho da corrupção e do crime”, afirmou a ex-candidata presidencial.
O apoio foi decidido na noite de terça-feira durante um encontro com Milei na casa do ex-presidente Mauricio Macri. Segundo a imprensa argentina, além da entrega de cargos em um eventual governo, Javier Milei teria concordado com um pedido de desculpas a Patricia Bullrich pela acusação de que ela teria colocado “bombas em jardins de infância”.
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A acusação no meio do primeiro turno foi uma referência ao passado dela, que entrou para a política ainda na adolescência como militante peronista e foi cunhada de Rodolfo Galimberti, líder da guerrilha Montoneros. Apesar da proximidade com o guerrilheiro, ela nega ter participado de ações armadas e chegou a processar Milei pela declaração.
Milei não se pronunciou oficialmente sobre o apoio, mas postou em sua conta na rede social X (antigo Twitter) uma ilustração de um leão abraçando um pato. O leão é o símbolo de Milei entre seus apoiadores e “Pato” é o apelido de Patricia, cujo perfil nas redes sociais é “Pato Bullrich”.
Milei se reuniu esta tarde com legisladores eleitos do A Liberdade Avança para tratar dos próximos movimentos. De acordo com o jornal argentino La Nación, a equipe estava tensa com os recentes acenos de Bullrich e Macri, vendo uma associação de Milei com “a casta”. Ao jornal, fontes do partido negaram que tenha sido negociados cargos com os membros do Juntos pela Mudança.
Fratura na coalizão
Bullrich, no entanto, reforçou que seu apoio e de Petri são de cunho pessoal, já que o seu partido, o Proposta Republicana (PRO) ainda faz reuniões para alinhar uma posição. Mas a declaração já está provocando fraturas dentro da coalizão de direita, que se vê em risco de romper completamente a depender das decisões tomadas nos próximos dias.
“Tanto o PRO quanto o radicalismo têm liberdade de ação”, afirmou Luis Petri durante a coletiva de imprensa. “Espero que isso não signifique uma ruptura do diálogo interno”.
Mais cedo, os líderes da União Cívica Radical (UCR), o segundo principal partido da coalizão, declarou neutralidade na corrida e acusou o líder da chapa, Mauricio Macri, de estar ele próprio rompendo a aliança.
“A posição de Patricia não é surpresa alguma”, afirma Fabian Calle, professor de Ciência Política da Universidade Católica Argentina. “Macri tem uma excelente relação com Milei e Patricia claramente joga por onde joga Macri”.
Quando foi questionada durante a coletiva de imprensa sobre o papel de Macri em sua decisão, Bullrich respondeu que “Macri tem a mesma responsabilidade que os milhares de ativistas do Juntos pela Mudança, a principal responsabilidade [pela derrota] cabe a nós dois”.
Já a líder da Coalizão Cívica ARI, outro partido que compõe a coalizão, foi dura nas palavras contra Bullrich e Macri, acusando-os de cometer um “erro histórico”. “Não vamos dar um salto no vazio da venda de órgãos de quem viola os direitos humanos. Não concordamos com a venda de crianças, tudo isso vai levar a crimes contra a humanidade”, afirmou. Ela também disse não apoiar Massa, a que por anos acusou de corrupção.
Tanto os líderes do UCR quanto da Coalizão Cívica acusaram Macri de favorecer o kirchnerismo ao “ir com Milei”.
“Se a coalizão vai se desfazer, saberemos nos próximos dias”, afirma Facundo Galván, professor de Ciência Política na Universidade de Buenos Aires. “Também é muito importante esclarecer que tanto a Patrícia Bullrich quanto o Luis Petri, mas principalmente a Patrícia, falam que mantiveram uma reunião privada com Milei e que o apoio é a título pessoal. É muito provável que o PRO e o UCR formalmente, tal como fez a Coalizão Cívica, digam que não vão apoiar ninguém.”
Os dois principais líderes do UCR, Gerardo Morales e Martín Lousteau, disseram esta quarta que “Milei é indigerível” para o partido e apostam em não apoiar ninguém.
A posição de neutralidade dos líderes radicais, e que possivelmente devem deixar os seus partidários livres para decidirem o que fazer, é significativa devido ao número de governadores e prefeitos que o partido elegeu nessas eleições. Ideologicamente, apontam analistas, a tendência é de que o radicalismo penda para o lado de Massa.
O partido irá governar cinco províncias, entre elas as importantes Santa Fé, Mendoza e Jujuy. “O radicalismo não vai ser neutro”, afirma Fabian Calle. “No fim, suas tropas vão votar da forma que bem entenderem. Os radicais que têm uma boa relação histórica com Massa vão jogar com Massa, os radicais de províncias fortemente anti-peronistas vão jogar com Milei. Hoje em dia não existe mais essa de líderes dizer em quem votar. Uns 10% ou 15% que obedecem, o resto vota como quiser”.
Para completar a possível cisão da chapa, o atual prefeito de Buenos Aires e candidato derrotado por Patricia nas primárias, Horacio Rodríguez Larreta, decidiu não acompanhar a colega e será neutro. Apesar de sua amizade com Massa, ele Larreta negou que poderia apoiar o peronista, dizendo que nunca apoiaria o kirchnerismo. Sua colega e ex-governadora de Buenos Aires, María Eugenia Vidal, também optou pela neutralidade./Colaborou Jéssica Petrovna, em São Paulo
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