Eleições na Colômbia: temor de reforma agrária faz campo aderir a Hernández contra Petro

Discurso anticorrupção de Hernández, com seu lema ‘não roubar, não mentir e não trair’, também faz sucesso numa região onde a imagem da classe política está desgastada

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Foto do author Fernanda Simas

ENVIADA ESPECIAL A VENTAQUEMADA, COLÔMBIA - O populista de direita Rodolfo Hernández surpreendeu os demais rivais na reta final do primeiro turno das eleições na Colômbia graças, em parte, a um consistente crescimento na zona rural do país. Agora, conta com apoio do campo contra o esquerdista Gustavo Petro, favorito nos principais centros urbanos, para se tornar presidente do país, em uma disputa equilibrada no segundo turno.

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No Departamento de Boyacá, onde 51,6% dos eleitores escolheram o direitista Rodolfo Hernández para presidente no primeiro turno, produtores rurais têm ao menos dois argumentos consolidados contra Petro. O primeiro é o temor de que ele implemente uma reforma agrária que os afete. O segundo é um receio com seu passado de guerrilheiro.

Nos anos 80, o ex-prefeito de Bogotá militou no M-19, um dos muitos grupos armados em ação durante o largo conflito colombiano. Algumas das regiões rurais do centro do país, como Cundinamarca, Meta e Tolima, eram zonas controladas pela ex-guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), e as regiões na fronteira com a Venezuela, como Casanare, Arauca e Norte de Santander, - onde Hernández também ganhou no primeiro turno - são centros de operações do Exército de Libertação Nacional (ELN), grupo armado ainda ativo no país.

“Se Petro ganhar, a coisa ficará muito complicada. Ele tem argumentos de guerrilheiro e não nos interessa, não interessa ao nosso Departamento (Estado)”. O argumento do produtor agrícola Dom Tito é compartilhado por outros agricultores da cidade de Ventaquemada, a 108 km de Bogotá.

Reforma agrária preocupa produtores

O medo de que Petro realize uma reforma agrária e exproprie terras é outro ponto em comum entre os produtores rurais locais. Andrés Bautista, agricultor de 35 anos que vende cenouras e batatas, acredita que, caso Petro seja eleito,a Colômbia pode passar por uma reforma agrária que o prejudique. “Temo que Petro nos tire as propriedades”, diz.

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“Os agricultores mais organizados, com melhor representação sindical, que são os médios e grandes, estão com Rodolfo, porque existe no país essa ideia de que Petro vá expropriar a terra e fazer uma reforma agrária. Então, os que têm alguma propriedade de terra, principalmente os criadores de gado, que são uma parte muito importante do setor agropecuário do país, estão com Rodolfo”, explica o professor e analista econômico Mario Valencia.

Dom Tito mostra que batatas estão quase prontas para serem colhidas Foto: Fernanda Simas/ ESTADAO CONTEUDO

Na noite de terça-feira, Petro fez um pronunciamento em suas redes sociais tentando atender, em parte a esses temores sobre a reforma agrária entre eleitores indecisos e outros inclinados a votar em Hernández. O candidato de esquerda elencou cinco pontos mais alinhados ao centro que pretende respeitar caso seja eleito, entre eles o respeito à propriedade privada e austeridade econômica.

“Digo, enfaticamente, que nunca pensei e nem pensarei em confiscar o menosprezar o direito a propriedade privada”, declarou o candidato, que aproveitou para falar sobre o passado na guerrilha. “Não chegarei ao governo para buscar vinganças pessoais, e nunca usarei o poder para meu próprio benefício”

Discurso anticorrupção e campanha por Hernández

O discurso anticorrupção de Hernández, com seu lema “não roubar, não mentir e não trair”, também faz sucesso numa região, onde a imagem da classe política está desgastada. “Ele é um candidato independente, que não vai roubar. Vivemos num país cheio de corruptos”, afirma Bautista.

Segundo a última pesquisa de intenção de voto divulgada pela Invamer (Investigación y asesoría de mercado), em parceira com a Noticias Caracol, o jornal El Espectador e a Blu Radio, neste mês 54,3% dos consultados na zona rural da Colômbia vão votar em Hernández, contra 39,4% de Petro. No cenário nacional, o direitista aparece com 48,2% das intenções e Petro, com 47,2%.

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Enquanto o grupo de produtores se reúne no local onde as cenouras são lavadas e embaladas para serem distribuídas a outros Departamentos do país e para a Venezuela, alguns separam cartazes de Hernández e distribuem entre os carros para que todos levem um punhado para suas casas e regiões.

“Aqui o fundamental é o agronegócio. Tenho minhas mãos para trabalhar. Não quero que o Estado me dê algo, quero liberdade de escolher meu candidato. E meu apoio incondicional é com Rodolfo”, diz Román Moreno, produtor de 51 anos.

Uma relativa bonança

Considerado autossuficiente em produção de tubérculos, principalmente batatas, o Departamento passou de forma mais confortável pela pandemia e, segundo os produtores, não viu o problema de chegada de alimentos.

“O que a gente não tem aqui, como arroz, substituímos por batatas, então conseguimos sobreviver ao período da pandemia sem problema de fome”, afirma Luis Emilio Díaz, assessor independente que atua na campanha de Hernández.

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Atualmente, 70% dos alimentos da Colômbia procedem da agricultura familiar e comunitária e, segundo o Ministério da Agricultura, esses sistemas produtivos cobrem mais de 60% da superfície agropecuária do país.

Para o analista político Basset, os votos são definidos por um conjunto de razões. “O voto rural não necessariamente se divide pela questão de classes. O voto rural se divide mais por razões culturais e geográficas.”

Pacífico e Caribe com Petro

As regiões rurais da costa colombiana, como nos Estados de Cauca, Vale de Cauca e Nariño, votaram por Petro no primeiro turno. Em Cauca, o ex-guerrilheiro teve 69,8% dos votos, contra 10,2% de Hernández. Em Nariño, a diferença foi de 70,1% a 10,7%.

“Os pequenos e médios produtores estão muito dispersos pelo país e muito informais, por isso representam uma porção da terra muito pequena, mas estão com Petro”, explica o economista Valencia.

“Há a divisão de que os centros urbanos votam de forma mais liberal e os rurais, mais conservadores. Mas aqui na Colômbia, também entra de forma importante o papel da desigualdade e da densidade populacional. Na zona do Pacífico a desigualdade é brutal, e aí as populações estão mais juntas”, explica Mario Aller professor de relações internacionais da Universidade Javeriana.

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