Eleições na Colômbia: entenda o que está em jogo e quem pode ganhar

Colombianos definem o próximo presidente do país em votação neste domingo, após uma acirrada campanha entre adversários polarizados

PUBLICIDADE

Por Samantha Schmidt

BOGOTÁ, Colômbia – No domingo, a Colômbia realizará uma eleição presidencial diferente de qualquer outra em sua história.

Os eleitores do terceiro maior país da América Latina exigiram mudanças, rejeitando um establishment político que detém o poder no país há gerações. Seja qual for o vencedor, o novo presidente indicará o início de uma era possivelmente transformadora.

Mas o país historicamente conservador elegerá seu primeiro presidente de esquerda? Ou será que vai apostar em um outsider?

Panfleto mostra Gustavo Petro e Rodolfo Hernández, candidatos à Presidência da Colômbia. Foto: Luisa Gonzalez/ Reuters

PUBLICIDADE

A eleição está entre dois candidatos populistas: Gustavo Petro, um senador de esquerda e ex-guerrilheiro disputando sua terceira eleição presidencial, e Rodolfo Hernández, um ex-prefeito sem papas na língua concorrendo com uma plataforma anticorrupção.

A eleição de domingo será o resultado do ciclo eleitoral mais tenso e violento em mais de uma década. Pesquisas recentes mostram Petro e Hernández quase empatados, levando a preocupações de que o candidato perdedor ou seus apoiadores possam contestar o resultado e encorajar tumultos.

Publicidade

Ambos os candidatos foram ameaçados de morte. Petro e sua companheira de chapa, Francia Márquez, apareceram em comícios de campanha no mês passado usando coletes à prova de balas. Hernández prolongou uma viagem à Flórida na semana passada e cancelou todos os eventos de campanha em público por causa de preocupações com a segurança.

“Este é um ponto de ruptura na política colombiana”, disse Sandra Botero, cientista política da Universidade del Rosario, na Colômbia. “Acho que não temos uma eleição tão acirrada e na qual há tanto em jogo há décadas. Independentemente de quem vencer, parecemos estar em um momento chave.”

Quem são os candidatos?

Petro, senador, 62 anos e ex-prefeito de Bogotá, promete transformar uma das sociedades mais desiguais da América Latina. Ele propõe políticas redistributivas como o ensino superior gratuito e um sistema universal de saúde pública. Ele diz que aumentaria os impostos para os quatro mil colombianos mais ricos e instituiria um salário mínimo para mães solteiras. Ele planeja acabar com a nova exploração de petróleo e estimular o uso de energia de fontes renováveis.

A candidatura de Petro galvanizou comunidades que costumavam se sentir esquecidas, inclusive jovens, pobres, moradores de áreas rurais, afro-colombianos e indígenas. Muitos de seus apoiadores foram atingidos de forma severa pela pandemia de covid-19, em um país onde metade da população não tem o suficiente para comer e 40% estão vivendo na pobreza.

Sua campanha explorou o desespero e a raiva daqueles que tomaram as ruas no ano passado em protestos em massa em todo o país. Mas também gerou pânico entre alguns no establishment político e financeiro conservador, que alertam que uma vitória de Petro prejudicaria as relações com os Estados Unidos. Outros preveem que ele não será capaz de cumprir suas promessas com uma legislatura dividida.

Publicidade

Petro se estabeleceu como o favorito durante grande parte da disputa, atacando o governo nada popular do atual presidente Iván Duque. Mas ele foi forçado a adaptar rapidamente sua mensagem de mudança depois do impressionante segundo lugar de Hernández no primeiro turno das eleições no mês passado.

Hernández oferece uma alternativa que agrada aos eleitores antiDuque e antiPetro. Mas suas políticas são vagas, e ele não tem as alianças, a bancada no Congresso e a estrutura de campanha que Petro construiu ao longo de seus anos na política, disse Sandra. “Ele é um ponto de interrogação muito maior”, acrescentou.

Os presidenciáveis colombianos Gustavo Petro (esquerda) e Rodolfo Hernández (direita). Foto: Luisa Gonzalez/ Reuters

Engenheiro rico e magnata da construção, Hernández prometeu erradicar a corrupção do governo, cortar gastos e reduzir o déficit nacional. Ele se opõe ao fracking e sugere fomentar a infraestrutura nas áreas rurais. Hernández, 77 anos, é considerado desbocado e se recusou a participar da maioria dos debates e comícios públicos, mas conquistou seguidores com seus vídeos peculiares no TikTok, criados por uma equipe de jovens assistentes de mídias sociais.

Ambos os candidatos foram acusados de tendências autoritárias em seus mandatos como prefeitos. Em Bogotá, Petro ganhou a reputação de gestor teimoso que se recusava a ouvir seus assessores. Na cidade de médio porte de Bucaramanga, Hernández era conhecido por insultar seus funcionários e foi suspenso por dar um tapa no rosto de um vereador.

Hernández também foi acusado pelo procurador-geral da Colômbia de distribuir indevidamente contratos de gerenciamento de resíduos para beneficiar seu filho. Ele nega as acusações, mas seu julgamento está programado para julho, poucas semanas antes da posse do próximo presidente.

Publicidade

Ambos os candidatos sugeriram adotar medidas extraordinárias para mobilizar recursos estatais sem passar pelo Congresso. Hernández propôs um estado de emergência para combater a corrupção, enquanto Petro disse que declararia uma emergência econômica para combater a fome.

“É uma competição entre duas versões de mudança”, disse Francisco Gutiérrez, cientista político da Universidade Nacional da Colômbia. “A questão é qual deles é melhor, mais crível e menos arriscado.”

Quem ganhará?

Os candidatos estão empatados nas pesquisas mais recentes. A Colômbia proíbe pesquisas na semana anterior à eleição, tornando ainda mais difícil prever o vencedor. Algumas pesquisas indicam que uma porcentagem significativa de colombianos – algo em torno de 7% a 14% – ainda está indecisa ou votará em branco.

Uma pessoa vota durante o segundo turno da eleição presidencial em um local de votação montado na ponte internacional Simon Bolívar, para colombianos que vivem do outro lado da fronteira, na Venezuela. Foto: Schneyder Mendoza/ AFP

Petro teve cerca de 40% dos votos no primeiro turno, ficando abaixo da maioria necessária para se tornar presidente. Hernández teve 28% dos votos, conseguindo uma vantagem de quatro pontos sobre Federico Gutiérrez, o candidato conservador visto por muitos como sucessor de Duque.

Depois da virada de Hernández, não ficou claro se ele poderia conquistar eleitores conservadores tradicionais suficientes que apoiaram Gutiérrez para alcançar uma vantagem substancial em relação a Petro. Isso ainda não aconteceu, disse o advogado e analista político Hector Riveros, “porque ele não é um candidato que suscita calma”.

Publicidade

O desafio para Petro é ampliar seu apoio para além de seus apoiadores mais fervorosos. “A campanha de Petro nunca conseguiu converter a indignação em esperança”, disse Riveros. “O sentimento negativo atinge um determinado ponto e, a partir daí, começa a gerar rejeição.”

Ele poderia conseguir um empurrãozinho de sua companheira de chapa, Francia, uma ativista ambiental e mulher afro-colombiana que entusiasmou multidões durante a campanha.

Mas em um país com uma longa história de revoltas de esquerda, a eleição pode se resumir a se os eleitores estão dispostos a arriscar com um presidente de esquerda.

O que a eleição poderia significar para os EUA e a região?

A Colômbia é vista há muito tempo como uma das democracias mais estáveis da América do Sul e uma aliada chave dos Estados Unidos. Alguns manifestaram preocupação a respeito de como uma vitória de Petro poderia mudar essa parceria, sobretudo quando se trata de combater o narcotráfico.

Petro defende que as políticas contra o narcotráfico nas últimas décadas têm sido um fracasso e que a erradicação por fumigação aérea da coca não fez nada para reduzir a circulação de cocaína para os EUA. Ele prometeu focar na substituição de culturas.

Publicidade

Michael Shifter, do think tank Diálogo Interamericano, prevê que uma vitória de Petro envolveria “muita postura política”, mas pouca hostilidade de fato em relação aos EUA.

“Nossa expectativa seria ele irritar um pouco os EUA”, disse Shifter, mas ele acrescentou que ouviu algumas autoridades americanas fazendo comentários informais, com sorrisos em seus rostos, de que “pelo menos Petro é um institucionalista”.

Hernández, por outro lado, expressou desdém pelo dinheiro gasto na diplomacia internacional, prometendo reduzir os orçamentos das embaixadas.

Ambos os candidatos disseram que regularizariam as relações com a vizinha Venezuela, embora Petro tenha dito ao Washington Post que prevê um “eixo” progressista entre Chile, Colômbia e Brasil se o ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva vencer a eleição presidencial do país em outubro.

“Vamos propor um novo caminho para a América Latina”, disse Petro. /TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.