ASSUNÇÃO - As eleições paraguaias deste domingo, 30, não definirão somente o novo presidente, mas também o futuro interlocutor do Brasil na revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu, que estabelece as bases financeiras e de prestação dos serviços de eletricidade da usina, marcada para agosto.
Publicado no Diário Oficial, em agosto de 1973, o anexo já previa a amortização das dívidas contraídas pela usina, que acabaram de ser pagas no mês passado, e mudanças nas demandas elétricas dos dois países. Por isso, estabelecia a revisão do texto dentro de 50 anos.
As expectativas não são baixas do lado paraguaio. Itaipu, a segunda maior hidrelétrica do mundo em capacidade instalada, atrás somente da chinesa Três Gargantas, é motivo de orgulho nacional – mas também fonte de queixas de assimetria na relação entre os dois países.
Apesar da proximidade do prazo para a revisão ganhar atenção da imprensa e da população, que espera sentir uma redução nas contas de luz ou mais investimentos no país, os candidatos favoritos, o colorado Santiago Peña e o liberal Efraín Alegre, quase não abordaram o assunto na campanha.
Alegre chegou a dar indícios de uma posição mais reivindicativa, ao prometer uma nova política energética e a redução do preço da energia. Já Peña, apadrinhado pelo ex-presidente Horacio Cartes, praticamente não tocou no assunto.
“Até o momento não há uma proposta clara do que será colocado na mesa e isso é lógico, porque, em uma negociação, não se pode antecipar as cartas”, disse Daniel Ríos, pesquisador da Faculdade Politécnica da Universidade Nacional de Assunção.
Para ele, apesar de Peña não ter se manifestado, se ele vencer e não negociar melhores condições, a sociedade civil exigirá uma prestação de contas, já que há uma ideia generalizada de que o Paraguai merece receber mais pela energia.
Venda do excedente para o Brasil
De acordo com o Tratado de Itaipu, toda a energia produzida deve ser dividida entre os dois países. O Paraguai historicamente nunca usou toda a geração a que tem direito, e pelo acordo se vê obrigado a vender o excedente para o Brasil.
Entre a população paraguaia, há a sensação de que o valor pago pela energia vendida ao Brasil, de cerca de US$ 11 (cerca de R$ 55) por MWh, é baixo, e de que o custo da energia é alto internamente – segundo analistas, no entanto, a eletricidade no Paraguai está entre as mais baixas da região, atrás somente da Argentina.
Alegre, liberal que tenta chegar ao Palácio de Los López, tem em sua aliança parte da coalizão do ex-presidente esquerdista Fernando Lugo, último que conseguiu aumentar, em 2009, o valor pago pelo Brasil para adquirir a energia. Na ocasião, a compensação paga ao Paraguai triplicou.
O Anexo C, no entanto, aborda somente a estrutura de custo da potência para os países, e não a compensação pelo excedente ou a obrigatoriedade de vender essa energia não utilizada.
Entrevistas com os favoritos
Com a quitação da dívida da construção da usina e a consequente redução do custo, a discussão gira em torno do valor da tarifa: se deve ficar mais barata ou mantida, para que haja margem de lucro ou de recursos para investimentos em obras de infraestrutura nos dois países.
Para o responsável pela negociação do lado paraguaio na época de Lugo, o então diretor da Itaipu Carlos Mateo, uma vitória de Peña significaria um “continuísmo” do acordo. “Historicamente, o Partido Colorado sempre ficou limitado ao que Brasil decidia. Consideram que é um assunto que não cabe discussão, porque é um tratado perfeito. Mas, para a oposição, ele precisa ser aperfeiçoado. Com Lugo e num hipotético governo da oposição acho que haverá uma atitude mais reivindicativa, mas não radical”, avalia Mateo.
“Primeiro, é preciso que o Brasil se sente para negociar, mas com Lula não vai haver problemas neste sentido. Segundo, acho que o Brasil não deve renegociar só o Anexo C. Deve renegociar todo o tratado, para ter mais 50 anos de integração energética, porque a economia paraguaia e a brasileira têm apetite energético e sempre vai existir a demanda”, defende Mateo, que cogita a construção de mais duas turbinas para a usina.
Héctor Richer Bécker, ex-presidente Ande (companhia elétrica do Paraguai) e ex-conselheiro da Itaipu em governos colorados, nos anos 90, interlocutor próximo de Peña, diz que o candidato pretende “manter uma boa relação com o Brasil, buscando uma boa negociação.
Excedente para outros países
“É um bom tratado, mas acho que não deveríamos nos limitar ao Anexo C, já que há outros assuntos pendentes de ser conversados”, afirma, mencionando a possibilidade de vender a energia excedente para outros países.
Para isso, no entanto, o Paraguai precisaria investir em interconexão com países vizinhos para transmitir o excedente elétrico, o que mantém o Brasil como melhor destino da produção de Itaipu.
Victorio Oxilia, professor da Universidade Nacional de Assunção, afirma que “não há nenhum tipo de inquietude sobre a continuidade da vigência do Tratado de Itaipu”. Ele acredita que, com a queda do custo de produção, após a amortização da dívida nos últimos anos, esta seria uma “oportunidade” para propor ao Brasil aumentar a compensação pela energia excedente do Paraguai.
“O excedente paraguaio não é uma energia barata para o mercado elétrico brasileiro, mas é uma compensação barata para o Paraguai, que está cedendo sua energia. Agora, temos uma boa oportunidade de negociar esse valor.”
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