NUEVA TOLEDO, PARAGUAI - O gestor agrícola Gilmar Lorenzi se mudou para o Paraguai há 11 anos em busca de oportunidades de trabalho. Seguindo os passos dos irmãos que já tinham migrado, começou trabalhando em uma empresa revendedora de insumos agrícolas na região de San Pedro e hoje é sócio de uma companhia agrícola com outros brasileiros, brasiguaios e paraguaios no município de Nueva Toledo.
A cerca de 300 quilômetros da capital, Assunção, esta cidade tem 8 mil habitantes e, destes, 50%, incluindo o prefeito, Gilmar Silva, são brasileiros. A forte presença brasileira se repete em outras cidades como Campo 9 e outras mais próximas da fronteira, como Naranjal, San Cristóbal e Santa Rita.
Muitos brasileiros que migraram para o Paraguai viram no país uma terra de oportunidades agrícolas, uma tendência iniciada na ditadura de Alfredo Stroessner, que oferecia terrenos a preços módicos para migrantes vindos do Brasil produzirem no país. Os descendentes desses migrantes nascidos no Paraguai são os famosos brasiguaios.
Segundo dados oficiais do Itamaraty, em 2021, havia quase 246 mil brasileiros no Paraguai, mas de acordo com autoridades consulares, se considerados brasiguaios que não têm nacionalidade brasileira e a dificuldade de obter números precisos devido à fronteira seca de quase 450 km entre os países, esse número pode estar entre 400 e 700 mil pessoas.
Essa presença expressiva, em um país de cerca de 7 milhões de habitantes, se soma à prosperidade da produção agropecuária pelas mãos desta comunidade, e acabou resultando em participação e influência na política local. Em Nueva Toledo, 4 dos 9 vereadores são brasileiros ou brasiguaios. Todos colorados.
Clesio Andres Schabarum Breyer, brasiguaio de 33 anos, plantador e criador de animais da região, é um deles. Neto de um migrante que se mudou da roça de Santa Catarina para o local em busca de um futuro melhor, em 1974, ele conta que o avô se tornou colorado logo que chegou ao país e começou a plantar algodão e criar animais.
Mais sobre as eleições no Paraguai
“Sempre vi vantagem no Partido Colorado porque é um partido que não mostra ameaça para os produtores. Com 16 anos já me filiei”, conta ele, que cumpre um mandato de cinco anos que termina em 2026. Ao lembrar da época do governo do esquerdista Fernando Lugo, que acabou sofrendo um impeachment relâmpago em 2012, lembra do período como muito negativo.
Ele conta que apoiou a destituição do ex-presidente, que teve como uma de suas bandeiras de campanhas a reforma agrária, e caiu após uma crise política desatada pela morte de 11 camponeses e 6 policiais em uma operação de despejo de uma invasão de propriedade.
Breyer lembra que na época “todos [os agropecuários] tinham medo”. “Tinha aquela ameaça de que iria subir imposto, e que por isso já não iríamos conseguir plantar soja, e aqui 90% é lavoura, plantação, até mesmo a borracharia está vinculada a agricultura. Todos tinham medo de quebrar”, conta, mencionando também as invasões de terra que não chegaram a ocorrer em Nueva Toledo, mas sim em cidades próximas. Também lembra da proibição de plantar perto de estradas e de moradias à época, o que, segundo ele, prejudicou o setor.
Para essas eleições, ele acredita que somente o Partido Colorado permitirá ao produtor “trabalhar tranquilamente”. “Do outro lado já começa a ir pelo mesmo caminho da época do Lugo, falando que vai reduzir o preço da luz. Como isso é possível em longo prazo, como você paga a manutenção? Vão querer tirar da agricultura e o produtor vai quebrar”, acredita.
“A gente apoia quem defende a nossa bandeira, a do agronegócio”, diz Gilmar, que por poucos votos não foi eleito, também, vereador pela cidade. “Hoje o produtor paga impostos de 5% na fonte, 10% para a venda e tem o custo de contratação de 25,5%. Dizer que o agro não paga imposto é uma grande mentira”, queixa-se.
O paranaense Romualdo Zocche, gerente comercial de uma grande cooperativa de produção, já está há 46 dos seus 69 no Paraguai e tem 11 netos paraguaios. Morador da região de San Cristóbal, no Alto Paraná, ele também é filiado ao Partido Colorado e, apesar de saber que o partido conservador Patria Querida, contrário à invasão de propriedades e tributação aos produtores, integra a coalizão do candidato liberal que compete com os colorados, ele não confia que Efraín Alegre vá favorecer o setor. “Alguns produtores estão apoiando o Alegre, mas eu não acho que ele garanta segurança para nós”, diz ele, lembrando que o opositor foi ministro de Lugo e “não deixou uma boa imagem”.
Influência na política
“O poder da comunidade brasileira e descendente de brasileiros na política é muito importante. A comunidade estrangeira, não somente brasileira, apoia o governo, a direita”, afirmando que conhece muitos brasileiros que, como ele, são filiados ao Partido Colorado.
Para comentar a influência da comunidade brasileira e dos seus descendentes na política paraguaia, o sociólogo especializado em conflitos agrários e pesquisador do Centro de Estudos Rurais Interdisciplinares do Paraguai (CERI) Ramón Fogel menciona Tranquilo Favero, o mais conhecido dos brasiguaios, dono de milhares de hectares e conhecido no país como o “Rei da Soja”. Ele lembra da pressão do setor para a queda de Lugo.
“Mas há diferentes tipos de brasiguaios”, diz. “Têm os que estão integrados à sociedade paraguaia e os que tem milhares de hectares, que consideram o pagamento de impostos uma violação de direitos, que estão envolvidos com multinacionais, que controlam a tecnologia e a comercialização da produção. Têm alianças muito fortes que lhes permitem serem exonerados dos impostos”, afirma, alegando que a tributação de 10% ao setor é insuficiente.
Segundo a historiadora Milda Rivarola, os agricultores imigrantes costumam vir ao Paraguai “em busca de terras baratas e da debilidade do Estado para o cumprimento da legislação ambiental e trabalhista”. “Muitos produtores de soja são brasileiros, têm dupla nacionalidade, e estão agrupados em uniões de grêmios de produção, muito fortes em lobby parlamentar e na pressão sobre o Estado. Em geral, esses produtores são pró-colorados e reclamam e exigem, pressionando contra reformas tributárias e leis ambientais ou trabalhistas, mas acabam não se aliando à oposição”, conclui.
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